Toro não passa, Celta sim? Por que motorista fez test-drive em córrego
Um test-drive que terminou de maneira inusitada chamou a atenção do noticiário nos últimos dias. A empresária Monica Soares Siqueira foi condenada pelo TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) a arcar com os custos do reparo de uma Fiat Toro 4x4, cujo motor estragou enquanto ela tentava atravessar um córrego.
A notícia, que gerou memes em defesa a ambos os lados nas redes sociais, deixou perguntas. Por que a empresária decidiu colocar a picape em um córrego durante test-drive? Será que a Toro, no caso uma versão Volcano equipada com motor turbodiesel e tração nas quatro rodas, não aguenta enfrentar esse tipo de situação? O UOL Carros procurou as duas partes envolvidas na disputa judicial para entender um pouco mais o que aconteceu.
Monica optou por não dar entrevista. Júlia, sua filha, foi quem conversou com a reportagem. Ela diz que acompanhava a mãe no passeio em outro veículo quando o motor da Toro sofreu calço hidráulico - fenômeno verificado quando entra água no propulsor, 'travando" pistões e outros componentes.
A jovem de 24 anos, que afirma trabalhar com a mãe na pousada da família, alega que todo o percurso foi combinado previamente com a Via Mondo, de Pouso Alegre (MG).
Júlia relata que uma gerente da concessionária, que já não trabalha mais no local, ofereceu o test-drive à empresária, ciente de que ela tinha a pousada.
"A proposta era de ficar alguns dias com a picape e fotografá-la em pontos turísticos do interior de Capitólio para posterior divulgação pela Via Mondo. Essa gerente queria, inclusive, instalar posteriormente um estande para expor a Toro e outros veículos da Fiat na pousada".
Júlia, que tem um Chevrolet Tracker 4x4, daqueles mais antigos, fala que o córrego estava baixo, mas outros veículos à frente provocaram "ondas" que atingiram a dianteira da Toro de test-drive. Ela admite que isso pode ter causado a pane - os dutos de admissão, que levam o ar para a combustão interna do motor, ficam posicionados junto ao capô.
Veículos usados em trilhas costumam receber um acessório conhecido como "snorkel", uma tubulação que eleva os dutos para acima do teto - dificultando a sucção de água no lugar do ar na transposição de um rio, por exemplo. A Toro mantinha as especificações originais de fábrica e não trazia o recurso.
"Faço o mesmo trajeto umas cinco vezes por semana, em diferentes veículos, todos mais baixos do que a picape e sem 'snorkel'. Nunca tive problema. Naquele dia, passei tranquilamente pelo riacho com meu Tracker. Pajero TR4 e até um Celta também cruzaram o córrego".
"A gente só provou que a Toro não tem capacidade para isso. Essa ação judicial foi um tiro no pé. Tem muita gente da cidade falando mal da picape nas redes sociais, difamando o produto deles", complementa.
'Até Celta passou'
Monica Siqueira, de 47 anos, ganhou na primeira instância antes do deferimento do recurso da Via Mondo. Eliane Dorta, sua advogada, informa que a cliente é inocente e irá recorrer.
"A Toro passou na beirada de um riacho e travou só de molhar a parte de baixo. Estou preparando recurso ao STJ", diz Dorta.
De acordo com a advogada, uma testemunha relatou que "no mesmo dia, um Chevrolet Celta passou pelo córrego, bem como outros carros mais baixos do que a Toro".
"A picape dirigida pela Monica foi a única que travou. Em Pouso Alegre, onde ela reside, existem duas vias que ficam alagadas em meia hora com chuva mais forte. Sendo assim, esse veículo da Fiat também não passaria lá".
Tivemos acesso a uma foto da Toro parada no córrego, que faz parte dos autos - nessa imagem, o nível da água não passa da metade da altura das rodas.
Concessionária contesta alegações
Procurada, a Fiat decidiu não se manifestar. Por sua vez, Gisele Nicoleti, advogada da Via Mondo no caso, contesta as alegações de Júlia e da defensora de Monica Siqueira.
Nicoleti nega que a concessionária tivesse ciência de que a avaliação incluiria a travessia do córrego.
"O trajeto informado foi até a cidade de Capitólio, para uso normal do veículo [transitar em ruas e estradas]. Em nenhum momento foi informado qualquer trajeto que incluísse trilhas, com a travessia de rios, lagos, córregos ou o uso severo e incompatível com as características do veículo", pontua a advogada.
Gisele Nicoleti acrescenta que "não houve comprovação nos autos e não parece crível" que outros veículos tenham cruzado as águas no mesmo trecho e no mesmo dia.
"Perceba-se que o registro ocorreu quando o veículo parou, já ao fim da travessia. Evidencia-se que a água era de profundidade. A foto demonstra que trata de um rio com volume de água, não mero córrego".
Entenda o caso
O incidente aconteceu no dia 14 de agosto de 2017 no interior de Capitólio, município com menos de 10 mil habitantes no sul do Estado mineiro - onde Monica tem uma pousada.
O julgamento realizado no último dia 22 acatou recurso da concessionária Via Mondo, determinando que a ré indenize a empresa em R$ 7.417,79 - valor alegado do conserto, mais correção monetária, juros e despesas processuais.
Na decisão da 18ª Câmara Cível do TJ-MG, o desembargador Sérgio André da Fonseca Xavier, relator do processo, diz que a ré "por motivos desconhecidos, entrou com o veículo em um córrego profundo, causando danos que impossibilitaram seu uso".
"Ao retirar o veículo da concessionária, a apelada assinou um termo de compromisso responsabilizando-se civil e criminalmente por quaisquer fatos oriundos de sua conduta (...). A apelada participou de uma trilha, na qual acabou com o veículo submerso em um rio profundo, fazendo uso anormal de um automóvel utilitário, ultrapassando os limites aceitáveis e causando danos materiais", afirma o voto do magistrado, acatado pelos demais desembargadores.
Ainda segundo Xavier, "o veículo Fiat Toro foi projetado para rodar em vias terrestres e não para travessia de rios".
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