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Placa cinza: como esquema ilegal mantém modelo antigo à venda em SP

Placa cinza comprada pela reportagem por R$ 330 sem registro oficial e com insumos legítimos; emissão no formato antigo é ilegal e facilita clonagem e outros crimes - Alessandro Reis/UOL
Placa cinza comprada pela reportagem por R$ 330 sem registro oficial e com insumos legítimos; emissão no formato antigo é ilegal e facilita clonagem e outros crimes
Imagem: Alessandro Reis/UOL

Alessandro Reis

Do UOL, em São Paulo (SP)

12/03/2021 04h00

Mesmo oficialmente extinta há mais de um ano, com a adoção obrigatória do padrão Mercosul em todo o território brasileiro desde fevereiro de 2020, a placa cinza continua à venda de forma ilegal, possibilitando a circulação de veículos irregulares e viabilizando a prática de crimes como clonagem.

Passando-se por cliente, o UOL Carros encontrou despachantes oferecendo livremente o produto, além de vasta quantidade de anúncios da chapa antiga na internet, muitas vezes a preços acima do praticado para o formato Mercosul.

E, para comprovar a veracidade da placa, que contém elementos legítimos, a reportagem adquiriu um exemplar na capital paulista, sem a necessidade de fornecer qualquer documento: bastou informar os caracteres e o município para a confecção da respectiva tarjeta.

A reportagem adquiriu o modelo cinza após responder a um anúncio no Instagram, que atribui a confecção a um estampador credenciado pelo Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo), com sede em Suzano (SP). Após negociação via WhatsApp, a placa ilegal foi entregue no último fim de semana em uma estação de metrô de São Paulo ao custo de R$ 330. O exemplar adquirido foi o dianteiro, que não exige lacre.

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Placa traz código da Center System, uma das maiores fabricantes e estampadoras de SP; empresa não se pronunciou
Imagem: Alessandro Reis/UOL

As imagens do modelo adquirido foram enviadas a especialistas, que atentaram que a fabricação foi feita com insumos legítimos, ao menos parcialmente. A chapa de alumínio, conhecida como 'blank', traz o código da Center System, uma das maiores fabricantes e estampadoras de placas veiculares do Estado - e que já prestava serviços ao Detran-SP no período de unidades cinzas.

A placa ilegal ainda traz película refletiva de uma conhecida fornecedora, com a inscrição "Aprovado pelo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito)", além de contar com código de barras utilizado nos modelos cinzas anteriormente confeccionadas em São Paulo. O material é legítimo, mas oriundo de outro estado - não é o mesmo homologado e contratado pelo Detran-SP.

Por que placa cinza ainda é procurada

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Detalhe da película, legítima segundo especialistas, embora não seja do modelo homologado pelo Detran-SP
Imagem: Alessandro Reis/UOL

A demanda por placas cinzas tem uma explicação que não está restrita à clonagem para a prática de crimes. A legislação atual prevê a troca obrigatória pelo par do modelo Mercosul quando há mudança de categoria do veículo ou nos casos de furto, extravio, roubo ou dano. Para fazer o novo emplacamento, porém, é preciso submeter o veículo a vistoria e zerar eventuais débitos com licenciamento, IPVA e multas de trânsito.

O custo médio do procedimento em São Paulo atualmente é de R$ 700, incluindo os custos da aquisição das chapas e o serviço do despachante - sem contar a quitação de eventuais pendências.

Rodar com placa falsa é infração gravíssima, com multa de R$ 293,47 e remoção do veículo. Já a venda constitui crime, que prevê de três meses até 6 anos de prisão e multa, para quem "adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento".

Dificuldades na fiscalização

placas cinza vendedor ilegal - Reprodução - Reprodução
Foto de placas cinza enviadas pelo mesmo vendedor que forneceu exemplar clandestino para a reportagem
Imagem: Reprodução

O UOL Carros procurou a Center System, que não se manifestou até a publicação da reportagem. Alertado, o Detran-SP informou ter realizado vistoria em todas as sedes da empresa na capital paulista, assim como no estampador que aparece no anúncio no Instagram, mas não foram constatadas irregularidades nas visitas.

Sobre a placa adquirida pela reportagem, o departamento afirma que somente será possível verificar se a chapa foi estampada com material "quente" após a realização de uma perícia - entidade só recebeu as imagens. Por fim, ainda declarou que acionará a Polícia Civil para investigar o caso.

"O Detran-SP não controla estoque de 'blanks' em circulação pelos estampadores. O departamento esclarece que há um controle de estampagem de uma placa padrão Mercosul atrelado a um veículo. Qualquer coisa diferente disso não é possível de se rastrear. Porém, isso é verificado nas fiscalizações, sejam de rua em ações da Polícia Militar quanto da fiscalização do Detran, in loco, feita em empresas credenciadas", disse a entidade.

Segundo fontes, sob condição de anonimato, o Detran-SP tem registrado aumento na quantidade de irregularidades, elevação nos preços das placas e perda de R$ 150 milhões na arrecadação anual após a implementação da placa Mercosul no Estado. O mesmo fenômeno tem sido verificado em outras unidades da Federação.

Uma das explicações é a adoção do livre mercado, que substituiu o modelo de licitação por determinação do governo federal e multiplicou o número de fornecedores. Só em São Paulo, o número de fornecedores subiu de quatro (dentre eles, a Center System) para 1.024,

Já o contingente responsável pelas fiscalizações é de aproximadamente 50 funcionários, informa o Detran-SP. O órgão estadual afirma que, com essa equipe, realizou mais de mil fiscalizações no ano passado, nas quais 59 empresas passam por processo administrativo e estão sujeitas a descredenciamento, cabendo recurso.