A decisão da Ford de não mais vender a marca Troller e os direitos de produção do seu único modelo, o utilitário T4, decretou o fim de uma das poucas e mais cultuadas marcas automotivas genuinamente brasileiras.
A notícia, que veio a público nesta segunda-feira (9), surpreendeu os cerca de 470 funcionários da fábrica da Troller em Horizonte (CE), bem como o governo do Ceará, que acompanhava as negociações, e um empresário paraibano cujas tratativas para assumir a produção do jipe 4x4 estavam avançadas.
Em conversa com UOL Carros, Maia Júnior, titular da Sedet (Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Estado do Ceará), informa que as bases do contrato de compra das instalações e da marca Troller por esse empresário já estavam acertadas com uma empresa norte-americana de aquisições e fusões contratada pela Ford.
"Falei com ele na segunda retrasada [2] e ouvi que só faltava assinar. Contudo, recebi anteontem [9] um telefonema de Rogelio Golfarb [vice-presidente da montadora] informando que as negociações tinham sido suspensas por determinação da matriz nos Estados Unidos", diz o secretário, que acrescentou que o empresário interessado ficou "altamente indignado" com o recuo da oval azul.
Procurada pelo UOL Carros sobre o fim da marca brasileira, a Ford afirmou que continuam à venda os ativos da Troller, incluindo terreno, instalações, equipamentos e ferramentas - seguindo o mesmo modelo adotado para as unidades de Camaçari (BA) e Taubaté (SP), que ainda esperam por comprador.
"De que adianta comprar terreno, que inclusive foi doado pelo Estado, se não pode fabricar o produto? Além do investimento para a compra, esse empresário da Paraíba gastou dinheiro com planejamento e capital de giro. Ele pretendia não apenas manter a produção do T4 em Horizonte, mas também fabricar outros veículos lá", pontua o secretário do governo cearense.
Considerando tudo isso, fica a pergunta: o que levou a Ford a decidir pela extinção da Troller, fundada por brasileiros e que desde 2007 pertence à empresa norte-americana? O UOL Carros cita alguns possíveis motivos para a decisão da marca.
Peças da Ranger
Uma das razões seria de ordem prática, segundo Maia Júnior.
"Uma das solicitações desse empresário era de que a Ford se comprometesse a fornecer 6 mil motores turbodiesel da Ranger para composição de estoque, mas a empresa em seguida suspendeu as conversas".
Hoje o T4 traz o mesmo motor Duratorq 3.2 turbodiesel de cinco cilindros e 200 cv da picape média, além de compartilhar transmissão, chassi e outros componentes com a Ranger, fabricada na Argentina.
Como a picape ganhará nova geração em 2023, possivelmente com novos motores, conclui-se que a Ford não quer se comprometer a seguir fornecendo propulsores e outras peças para a Troller.
Rival para o Bronco?
Outra possível razão para a Ford querer "matar" sua subsidiária é evitar concorrência futura. A oval azul acaba de lançar nos EUA o SUV raiz Bronco (não confundir com o Bronco Sport), que traz a robustez da carroceria sobre chassi e capacidades off-road semelhantes às observadas no T4.
Se o Bronco eventualmente for vendido no Brasil, brigará no mesmo nicho hoje ocupado pela Troller, só que cobrando preço consideravelmente mais alto - hoje, o T4 parte de R$ 198.400.
Há ainda a questão dos benefícios fiscais concedidos pelo governo do Ceará, que dão carência e desconto para o pagamento de ICMS - enquanto o Bronco, fabricado nos EUA, não teria essa vantagem, sem contar a incidência de imposto de importação, frete e outros custos.
Por falar em benefícios fiscais, uma das principais razões para a Ford adquirir a Troller há 13 anos foi justamente a inclusão da empresa no regime especial de tributação para montadoras instaladas no Nordeste, que passou a ser válido também para a fábrica de Camaçari - que já foi responsável pela produção de EcoSport e Ka, os modelos de maior volume da oval azul.
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