Acidentes em alta: trânsito está preparado para receber tantas motos?
De 2011 a junho de 2021, o número de motocicletas em circulação no Brasil cresceu cerca de 61%, de 18,4 milhões para 29,8 milhões. Em 2020, as motos representavam 29% da frota brasileira de veículos, mas os motociclistas receberam 79% das indenizações do seguro DPVAT referente a invalidez permanente causada por acidentes de trânsito. Esse desequilíbrio levanta um questionamento: será que o trânsito brasileiro está preparado para a circulação de tantas motos?
Para Rodolfo Rizzotto, fundador do SOS Estradas, quando o assunto é legislação, o trânsito brasileiro vai na contramão da resolução do problema. E a situação vem de longa data. Em 1997, a lei passou a permitir o chamado "corredor", quando a moto passa entre os carros para economizar tempo.
"Há um estímulo à impunidade dos motociclistas, basta ver o presidente andando de moto sem capacete. Além de o Brasil punir muito, houve um aumento na possibilidade de infrações, quando a pontuação necessária para perder a CNH passou de 20 pontos para 40", opina.
Edgar Francisco da Silva, conhecido como "Gringo" e presidente da AMABR - Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil -, concorda que não há uma preparação geral, principalmente quando se fala da profissão de motofretista. Para ele, o erro vem desde o processo de habilitação, que segue praticamente o mesmo desde a década de 1980.
"Na autoescola, o motociclista aprende apenas a se equilibrar sobre uma moto, não treina as manobras que precisa fazer no dia a dia, não sabe reconhecer o risco e o que fazer em uma situação de emergência. Ele vai aprender isso no trânsito quando, muitas vezes, já é tarde demais", argumenta.
Somado a condutores mal treinados, Gringo acredita que o trânsito das grandes cidades foi planejado exclusivamente para carros e ônibus. Cada vez mais, a largura das faixas de rolamento são reduzidas para dar lugar a uma nova, o que complica a vida dos motociclistas.
"Precisamos de motofaixas para separar os veículos mais vulneráveis dos comuns. Assim como há corredores para ônibus, é preciso pensar no trabalhador sobre duas rodas. O número de acidentes é cada vez maior, e nós não estamos incluídos no debate", afirma o presidente da associação.
O dilema dos aplicativos
A lei que regulamenta a profissão de motofretista, ou seja, profissionais que realizam entregas de moto, aponta como pré-requisito para o exercício das atividades ser aprovado em um curso especializado. A grande questão é que os aplicativos de entrega não fazem essa exigência de seus colaboradores.
"Ir e voltar do trabalho de moto é muito diferente de passar 8, 10 ou 12 horas no trânsito fazendo entregas, precisando obedecer horários e trabalhando por produtividade. É uma profissão de risco, a cada 5 horas alguém é amputado por causa de um acidente de moto. O motofretista sai do curso preparado para evitar acidentes e utilizar os equipamentos necessários para reduzir os danos. A questão é que a maioria não se capacita", alerta Gringo.
José Montal, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), explica que os maiores fatores de risco para acidentes de moto são a velocidade e a formação do condutor. Com a necessidade de fazer várias entregas por dia para garantir uma renda razoável, esses profissionais acabam acelerando cada vez mais, ignorando riscos e cometendo diversas infrações no trânsito, muitas vezes causando acidentes.
"Estabeleceu-se uma lógica que soma a ansiedade de quem espera pela entrega com a pressa de quem leva. Os entregadores estão sempre correndo contra o tempo, trabalhando por produtividade. Uma das grandes questões para reduzir o número de acidentes é a sociedade dar uma freada nesses impulsos. Por que não se planeja essas entregas para que o condutor da moto não seja submetido a tanto risco?", opina.
Saúde pública
Os dados são realmente alarmantes: segundo uma pesquisa da Abramet, entre março de 2020 e julho de 2021, o SUS registrou um total de 308 mil internações de pessoas em decorrência de sinistros de trânsito em todo o Brasil. Dentre as vítimas, 54% eram motociclistas.
Além do alto custo para a saúde dos indivíduos e suas famílias, as tragédias também custaram aos cofres públicos quase R$ 108 milhões neste ano. No ano passado, o SUS desembolsou cerca de R$ 171 milhões para tratar motociclistas traumatizados.
"É uma situação complexa. A característica do veículo já deixa o condutor muito exposto, soma-se a isso a falta de preparação do trânsito e dos próprios profissionais. A morte e invalidez de motociclistas é um problema de saúde pública, pois o prejuízo humano e financeiro é enorme. A vítima de acidente de moto ocupa um leito por muito mais tempo do que outras enfermidades, por exemplo. Temos que tratar esse tema como prioridade, por que as pessoas estão se acidentando e morrendo por conta de uma relação de trabalho?"
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