Placa Mercosul: laudo comprova que novo modelo é fácil de ser clonado
Criada para dificultar fraudes, a placa Mercosul está longe de impedi-las. Relatório técnico do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) comprova que um dos principais elementos de segurança do novo padrão de identificação veicular pode ser facilmente copiado para clonar veículos.
O laudo, cujo teor foi obtido com exclusividade por UOL Carros, conclui que bastam uma câmera de celular com boa resolução, um aplicativo de tratamento de fotos e uma impressora para reproduzir o QR Code funcional de uma placa legítima em uma chapa "fria".
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O código bidimensional tem a função de atestar a autenticidade da placa, informando os dados do respectivo veículo, como o chassi, e também da fabricação daquela chapa. Isso é possível por meio do aplicativo Vio, desenvolvido pelo Serpro, a empresa de tecnologia da informação do governo federal. O programa está disponível para qualquer cidadão, com download gratuito.
Na prática, a cópia digital do QR Code permite clonar o par de placas para sua instalação em um veículo com características idênticas às do original - em tese, a fraude poderia ser constatada por meio da verificação do chassi do carro clonado, diferente daquele observado no automóvel "quente".
Contudo, se a checagem não for realizada, a clonagem pode passar despercebida - e gerar, inclusive, multas de trânsito para a pessoa errada.
"Com um erro amostral de 10% e um intervalo de confiança de 95% sobre o estoque de quatro fábricas distintas, conclui-se que a impressão do QR Code através de uma cópia digital, com a aplicação de filtros simples", possibilita a respectiva "leitura através do aplicativo Vio, do Serpro" - afirma o relatório técnico do IPT, com data de 24 de agosto e encomendado pela Anfapv (Associação Nacional dos Fabricantes de Placas Veiculares).
Questionada, a Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito), criada em substituição ao antigo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), afirma que "garante a segurança do QR Code" e diz que o relatório técnico do IPT "está em análise para que ajustes possam ser feitos".
O Serpro enviou posicionamento semelhante, acrescentando que "em uma fiscalização, o agente de trânsito, utilizando o aplicativo, será capaz de identificar que se trata de um veículo não registrado, comprovando a ocorrência de fraude". Vale destacar que a companhia cobra os Detrans (Departamentos Estaduais de Trânsito) pela geração do código bidimensional e os preços variam de acordo com a quantidade de placas.
QR Code foi justificativa para retirada de lacre
Antes da elaboração do laudo do IPT, UOL Carros já publicou uma série de reportagens denunciando casos de clonagem e venda de placas frias, inclusive com a cópia do QR Code.
Introduzido quando a placa Mercosul estreou de forma experimental no Rio de Janeiro, em setembro de 2018, o código é considerado um dos principais dispositivos de proteção contra fraudes.
A presença do QR Code, inclusive, serviu como justificativa do governo federal para a retirada de itens de segurança inicialmente previstos para o novo padrão de identificação veicular, sob a alegação de corte de custos ao cidadão.
O primeiro dispositivo suprimido, ainda em 2018, foi o lacre até então utilizado na placa cinza. O padrão Mercosul também previa a inclusão de um chip eletrônico, que nunca foi adotado. A Senatran informa que atualmente "não há intenção de utilizar" esses dois itens nas novas placas.
Em reportagem anterior, o extinto Denatran afirmou que "não procede a informação de que a clonagem da nova placa é mais fácil. A clonagem é dificultada, justamente por conta do QR Code".
Embora a simplificação da placa Mercosul tenha começado antes de o presidente Jair Bolsonaro tomar posse, em janeiro de 2019, ele e o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, defendem publicamente a eliminação do lacre e de outros dispositivos para não encarecer as chapas para os proprietários de veículos.
Hoje, o padrão Mercosul é obrigatório no primeiro emplacamento. Além disso, a chapa cinza deve ser trocada pela nova nos casos de alteração de categoria; mudança de município ou de Estado; furto, roubo, extravio ou dano na placa; quando o veículo for reprovado em vistoria veicular nos procedimentos de transferência com observações sobre a placa; e quando for necessária a instalação da segunda placa traseira.
Placa Mercosul perdeu outros itens de segurança
Na atualização mais recente, definida em junho de 2019 por meio da Resolução 780 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), as novas placas deixaram de trazer duas características visuais criadas para prevenir clonagens e falsificações: as palavras "Brasil" e "Mercosul" com efeito difrativo, semelhante ao de um holograma, aplicadas sobre os caracteres e na borda externa; e as ondas sinusoidais, inseridas no fundo branco do equipamento.
No lugar do efeito difrativo, as inscrições passaram a vir na mesma cor dos caracteres, praticamente desaparecendo.
As placas Mercosul passaram por outras modificações visuais, a começar pela retirada do lacre, em setembro de 2018, por meio da Resolução 741 do Contran.
Em novembro daquele ano, outra resolução (748) determinou a exclusão da bandeira do Estado e do brasão do município de registro do veículo.
Nova placa ficou mais cara e insegura, dizem Detrans
Apesar das alegações do governo Bolsonaro, os Detrans afirmam que a placa Mercosul ficou mais insegura e também mais cara - por esse motivo, departamentos estaduais de trânsito pressionam a Senatran para promover mudanças no padrão Mercosul.
Hoje, salvo exceções, os Detrans apenas credenciam as estampadoras, responsáveis pela inserção dos caracteres e dos itens visuais. São essas empresas que arbitram o preço das placas - bem como os despachantes que as revendem. Com o aumento expressivo dessas fornecedoras, os departamentos dizem sofrer dificuldades para fiscalizar e apontam falhas no sistema de rastreamento das chapas finalizadas - criando terreno fértil para clonagens e outras irregularidades.
Em São Paulo, dono da maior frota circulante do País, com cerca de 30 milhões de veículos, o número de estampadoras subiu de quatro, dos tempos da placa cinza, para mais de mil.
Os problemas acima relatados foram debatidos durante o 69º Encontro Nacional dos Detrans, realizado no mês de junho em Brasília (DF).
No fim do evento, os chefes de todos os Detrans apresentaram propostas para "aprimorar" o novo padrão e modificar a Resolução 780/2019 do Contran, que traz as regras gerais da Mercosul.
Os departamentos também alegam que o sistema de livre mercado reduziu a arrecadação. Conforme apuração de UOL Carros, somente o Detran-SP contabiliza perda anual de aproximadamente R$ 300 milhões. Essa informação consta de ofício enviado em março ao Denatran por Ernesto Mascellani Neto, diretor-presidente do Detran paulista e da AND (Associação Nacional dos Detrans).
"O valor da placa Mercosul é maior do que o anteriormente praticado para a placa cinza, causando grande impacto financeiro ao cidadão e perda de arrecadação para os Detrans", diz comunicado da AND publicado logo após o encontro na capital federal. A associação também propõe melhorias nos "requisitos de segurança para combater, dificultar e reduzir o risco de fraudes" envolvendo a placa Mercosul.
O tema voltará a ser debatido no 70º Encontro dos Detrans, a ser realizado na próxima sexta (29) e no sábado em Palmas (TO). UOL Carros teve acesso à carta preliminar do evento, já redigida, a qual reitera as reivindicações acima mencionadas.
"Dentre as mudanças que se vislumbram para tornar o processo mais seguro, destaca-se a necessidade de controle de estoque e a importância de que os Detrans acompanhem e fiscalizem os fabricantes das placas [que hoje dependem somente de credenciamento junto à Senatran], diz trecho do documento.
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