VW que alemães nunca tiveram vira relíquia de família e vale uma fortuna
Projetado e vendido exclusivamente no Brasil, o Volkswagen SP2 é um esportivo "raiz" raro, com pouco mais de 10 mil unidades produzidas entre 1972 e 1976 e que só tem subido de preço. Um destes exemplares está com a mesma família há quase cinco décadas, desde quando foi adquirido zero-quilômetro pela empresária Sonia Simão Jacob, em 1973.
Prestes a completar 79 anos, a moradora do bairro Aclimação, na região central da capital paulista, nem cogita vender seu xodó, que tem placas pretas e pouco mais de 33 mil km rodados. Na mira de colecionadores norte-americanos e europeus, unidades originais e pouco rodadas do cupê têm sido vendidas no País por valores em torno de R$ 150 mil ou até mais, para depois serem exportadas.
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Sonia conta que seu SP2 é guardado com carinho na mesma garagem da casa onde vive desde quando tinha três anos de idade. Com a exceção da nova pintura externa, feita há alguns anos, mantém a originalidade tão cobiçada por antigomobilistas e impressiona pelo bom estado de conservação.
O carro é tão querido que recentemente ganhou uma homenagem: sua carroceria esguia e baixa foi reproduzida em pintura super realista no muro de um estacionamento da família no Tatuapé, bairro da Zona Leste de São Paulo. O "mural" tem chamado quase tanta atenção quanto a história do veículo que o inspirou.
Sonia conta que ganhou o SP2 do pai aos 30 anos e logo se encantou pelo veículo.
"Adorava dirigi-lo, principalmente na estrada, onde podia dar umas aceleradas, respeitando o limite de velocidade. Mesmo assim, era comum a polícia me parar, pois estranhavam uma mulher dirigindo carro esportivo. Desconfiavam que não era meu e pediam os documentos", conta.
A empresária relembra que começou a dirigir desde cedo, em uma época na qual a maioria das amigas não tinha carro, tampouco permissão para sair de casa desacompanhadas.
"Antes do SP2, ganhei dos meus pais um VW Fusca ao completar 18 anos. Foi meu primeiro carro e me deixavam passear com ele, sob a condição de voltar para casa no horário combinado".
Mais tarde, já com o SP2, Sonia não deixou de dirigir nem quando estava grávida da sua filha Gabriela Jacob, hoje com 45 anos.
"Eu ia com o carro até a maternidade para fazer exames de rotina. Depois de meus filhos nascerem [ela também é mãe de Rafael Jacob, com 43 anos], continuei usando o Volkswagen".
Após machucar a perna em um tombo, hoje ela já não dirige mais o SP2 por conta do assento baixo e da direção "dura". Seu carro do dia a dia é um Toyota Corolla com transmissão automática.
Família cresceu e carro permaneceu
Seus filhos se tornaram os guardiões do Volkswagen, que é guiado uma vez por semana e passa por revisão todos os anos, conta a filha Gabriela, que trabalha com administração de imóveis como o irmão.
A herdeira recorda que, em dado momento, quando ainda era criança, o SP2 ficou pequeno demais para a família. Contudo, nem isso fez sua mãe desistir do carro.
"Onde a mãe ia com o SP2, a gente acompanhava, apesar de o carro contar com apenas dois bancos. Eu sentava na frente e meu irmão ia atrás, de maneira improvisada. Quando ele tinha uns seis anos, disse que não aguentava mais o aperto, pois somos altos, e pediu ao nosso avô para trocar o Volks por um modelo maior".
A ideia inicial era vender o SP2 e comprar uma VW Variant, mas Sonia fez questão de ficar com o cupê. Assim, a família passou a ter dois carros e o SP2 nunca foi embora.
Quem dá umas voltas e mantém o xodó é o irmão Rafael.
"O carro foi mantido na família porque é apaixonante. Tenho 1,90 m e, para mim, é o único com interior confortável, em que consigo esticar as pernas. Temos outros carros, mas nenhum se equipara em relação ao prazer de dirigir. O fato de ser um projeto brasileiro também encanta e faz com que a gente goste cada vez mais dele", diz o filho de Sonia, que hoje é divorciada.
Por que o SP2 é tão valorizado
José Paulo Parra, dono da empresa Circuito de Leilões, conta que nos últimos seis anos os preços dobraram, a reboque do interesse de clientes de outros países - principalmente da Alemanha, terra natal da Volkswagen, onde o cupê nunca foi oferecido oficialmente.
Em setembro do ano passado, Parra e a Picelli Leilões leiloaram em Belo Horizonte (MG) um SP2 por R$ 140 mil antes de ser enviado para a Europa.
"Era um carro com baixa quilometragem e original, cuja pintura externa foi refeita. Com base nas fotos, esse da família Jacob pode valer a mesma coisa ou até mais", opina o especialista, segundo o qual é factível dizer que o SP2 pode chegar a R$ 200 mil, se estiver bem conservado e original.
"Da mesma forma que a Kombi, o SP2 sempre foi forte no Exterior. O real desvalorizado o deixa ainda mais atraente lá fora. É raro, tem visual único e foi fabricado só no Brasil.
Outro fator que valoriza tanto as unidades originais é a dificuldade de restauração.
"É um carro muito difícil de ser restaurado, pois a carroceria é praticamente uma peça única, com exceção das portas e das tampas dianteira e traseira. Além disso, é complicado encontrar peças originais ou mesmo reproduzi-las, como as faixas laterais refletivas e os borrachões nos para-choques".
Entusiasta de carros antigos e estudioso do SP2, Fábio de Cillo Pagotto faz coro ao colega.
"De uns anos para cá, os carros esportivos nacionais dos anos 70 e 80 em geral tiveram valorização muito grande, especialmente modelos como Dodge Charger R/T, Chevrolet Opala SS e o próprio SP2".
Especificamente em relação ao cupê da VW, Pagotto destaca dois fatores que fizeram os respectivos preços explodirem: a demanda no mercado mundial e a criação do VW SP2 Club, que ajudou a organizar informações sobre o modelo e moldou o mercado, ávido por bons e devidamente documentados exemplares.
"Já vi carros vendidos entre R$ 120 mil e R$ 150 mil e depois comercializados em euros para clientes da Europa por valores ainda mais altos".
Os preços podem subir ainda mais se o veículo for o SP1, variante mais simples e menos potente que também chegou em 1972 e é ainda mais rara: cerca de 60 unidades foram fabricadas até o modelo sair de linha, no ano seguinte.
Como é o SP2
Considerados por muitos os carros da Volkswagen mais bonitos da história, o SP2 e seu irmão SP1 nasceram com a missão de concorrer com esportivos fora de série com mecânica VW e carroceria de fibra de vidro.
Um dos seus rivais era o Puma, que fazia sucesso naquele tempo, apesar da baixa produção.
O design arrojado da dupla da Volks até hoje chama a atenção e contrasta com o desempenho modesto. O SP1, que durou pouco, traz a mesma base mecânica da Variant, com motor 1.6 boxer refrigerado a ar traseiro de apenas 54 cv.
Já o SP2 é 1.7, 10 cv mais forte. Também exibe interior mais luxuoso, com bancos e outros revestimentos de couro.
A transmissão é sempre manual de quatro marchas.
"Por trazer carroceria de aço, o SP2 pesa mais do que o Puma e anda menos. Tecnicamente, SP1 e SP2 são bastante inferiores aos modelos a ar feitos na Alemanha naquela época, porém atraem pelo visual e pelo prazer de guiar", relata Parra, que já teve dois SP2 na garagem.
Tem SP2 no museu da VW na Alemanha
Desde meados de 1985, quando já tinha saído de linha havia quase dez anos, o SP2 tem um lugar cativo na galeria de modelos icônicos da Volks.
Na época, um carro branco com faixas vermelhas, semelhante ao de Sonia Simão Jacob, foi doado pela Volkswagen do Brasil ao museu da marca em Wolfsburg, na Alemanha - onde fica a sede mundial da montadora.
O exemplar foi entregue pessoalmente por Ronaldo Berg, que trabalhou durante três décadas na filial brasileira.
Hoje com 74 anos, ele era gerente de assistência técnica de produto e comandava a Ala Zero, como era chamada a oficina "VIP" da VW - encarregada da manutenção de veículos da frota interna.
Ele também chefiava a VW Motorsport, departamento de competição que tinha o jornalista Bob Sharp no cargo de supervisor.
O SP2 que virou peça de museu saiu loja do piloto Egydio "Chichola" Micci, conta Berg.
"Ele me procurou, perguntando se a VW queria comprar o veículo para integrar o acervo de um futuro museu da empresa. Tinha baixíssima quilometragem. Sugeri a Paulo Dutra, então diretor de Relações Públicas, adquirir e doar o SP2 ao museu em Wolfsburg, que já tinha Karmann-Ghia e Fusca brasileiros", relembra.
Wolfgang Sauer, então presidente da Volkswagen do Brasil, gostou da ideia, desde que o preço cobrado fosse justo.
No fim das contas, o SP2 foi comprado pela Volks em troca de uma Quantum zero-quilômetro, perua que tinha acabado de ser lançada.
Após o negócio ser fechado, decidiu-se que a cor original violeta Pop teria de ser substituída para transformar o esportivo em um carro de exposição.
"A cor era muito feia. O SP2 foi completamente desmontado e recebeu pintura branca na Ala Zero. Substituímos pneus, para-choques e as faixas refletivas laterais. O veículo ficou praticamente zerado".
Segundo Berg, o chefe Sauer ficou tão satisfeito com o resultado que autorizou sua viagem à Alemanha para entregar pessoalmente o SP2 ao museu, onde permanece até hoje.
Mas não sem alguma dose de polêmica.
"Após a entrega, colocaram na lateral dianteira, próximo à porta do motorista, um emblema da Karmann-Ghia. Isso revoltou alguns antigomobilistas, já que o projeto do SP2 é um produto legítimo da VW do Brasil. A Karmann, de fato, montava e finalizava a carroceria, para posterior finalização na fábrica da Volks em São Bernardo Campo [SP]. Mas era só uma prestadora de serviço".
Ronaldo Berg diz que o emblema polêmico não foi removido.
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