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Donos de Jeep apontam falha que destrói câmbio e custa fortuna para arrumar

Alessandro Reis

Do UOL, em São Paulo (SP)

06/12/2021 04h00Atualizada em 07/12/2021 00h17

Proprietários de automóveis Jeep e Fiat equipados com motor flex e câmbio automático têm relatado o mesmo problema: após algum tempo de uso, a transmissão deixa de funcionar e precisa ser substituída ou reparada, por meio de serviço que chega a custar mais da metade do valor do próprio carro.

Clientes com os quais UOL Carros conversou dizem que a Stellantis, dona de Jeep e Fiat, nega-se a efetuar o reparo gratuito em veículos cuja garantia já expirou - ainda que, segundo eles, o defeito seja decorrente de uma falha no projeto e todas as revisões previstas tenham sido feitas em concessionária.

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Outros afirmam que, após muita insistência, a empresa concordou em bancar o conserto, total ou parcialmente - mesmo com a cobertura de fábrica já vencida. Ao mesmo tempo, a descrição da falha não muda: devido à corrosão de uma peça denominada trocador de calor, o líquido do radiador invade o câmbio, contaminando o respectivo óleo. Procurada, a empresa alega que os clientes deixaram de fazer as manutenções programadas no prazo, o que teria ocasionado o problema (ver nota abaixo).

O trocador de calor tem a função de refrigerar o lubrificante da transmissão e é conectado ao sistema de arrefecimento, utilizando a mesma mistura de fluido e água desmineralizada que mantém o motor na temperatura ideal.

Reparo é orçado em R$ 49 mil na concessionária

Orçamento para reparo do câmbio de Rafael Bortoluzzi em concessionária de Maringá (PR), empresário se recusou a pagar pelo reparo e diz ter entrado na Justiça - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Orçamento para reparo do câmbio de Bortoluzzi; empresário se recusou a pagar e diz ter entrado na Justiça
Imagem: Arquivo pessoal

Morador de Maringá (PR) e proprietário de um Jeep Renegade flex adquirido zero-quilômetro em 2017, o empresário Rafael Danilo Santos Bortoluzzi afirma que o SUV deixou de funcionar repentinamente em abril passado, sem que nenhuma luz acendesse no painel de instrumentos. Na primeira pane, ele notou que o reservatório do fluido do radiador estava vazio.

No dia seguinte, após repor o fluido, o motor esquentou e parou novamente. Dessa vez, ele percebeu que havia óleo no líquido de arrefecimento.

"Sempre segui o plano de manutenção indicado no manual do proprietário. Como a garantia já tinha vencido, levei o carro em duas oficinas multimarcas e ouvi em ambas que se tratava de um problema crônico envolvendo o trocador de calor", conta Bortoluzzi.

Trocador de calor, a peça problemática que está diretamente associada aos danos na transmissão - Reprodução - Reprodução
Trocador de calor, a peça problemática que está diretamente associada aos danos na transmissão
Imagem: Reprodução

O empresário acrescenta que, em seguida, guinchou o utilitário esportivo até a concessionária onde foi adquirido. Lá, alguns dias mais tarde, confirmaram o diagnóstico e apresentaram, segundo ele, um orçamento de R$ 49 mil para a substituição do câmbio.

"O meu carro vale cerca de R$ 62 mil, segundo a Tabela Fipe. É inacreditável como uma peça que a Jeep sabe ser problemática não tenha sido trocada nem inspecionada nas revisões que fiz na rede autorizada".

Rafael diz que nunca mais foi buscar o carro e entrou na Justiça contra a montadora, na expectativa de que seu Renegade seja reparado sem custos.

"Tenho filha autista e preciso muito do carro. Passei um bom tempo com veículo alugado até ter condição de adquirir outro carro, compacto".

Jeep mudou plano de manutenção

Jairo Marques com seu Renegade 2017; Jeep passou a recomendar a troca do fluido a partir do modelo 2018 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jairo Marques com seu Renegade 2017; Jeep passou a recomendar a troca do fluido a partir do modelo 2018
Imagem: Arquivo pessoal

Bortoluzzi acrescenta que as redes sociais têm muitos relatos como o seu e o defeito não está associado a uma quilometragem específica nem ao tempo de uso. Além disso, destaca, a partir de 2018 a Jeep mudou o plano de manutenção no que se refere ao fluido de arrefecimento, recomendando produto com outra especificação e concentração, além da respectiva troca a cada dois anos - independentemente da quilometragem.

Em modelos anteriores, destaca, o manual não traz nenhuma orientação relacionada à troca do fluido.

"Os proprietários dos modelos anteriores a 2018 seguem sem qualquer recomendação e reclamando de problemas de corrosão no trocador de calor, já que não possuem, ou não foram orientados pelo serviço autorizado durante as revisões, a informação quanto à troca periódica e à nova especificação do fluido de arrefecimento".

Já o contador aposentado Jairo Marques, que reside em Salvador (BA), também afirma ter seguido rigorosamente o plano de manutenções até que seu Renegade 2016/2017 flex apresentou o mesmo problema, no dia 22 de novembro deste ano.

"Reboquei o carro até uma concessionária, mas não deixei o Jeep lá. Conversando com um técnico, fiquei assustado com a previsão de custos para o reparo do câmbio, cujos danos estavam relacionados, segundo fui informado, ao trocador de calor".

Marques diz nunca ter sido alertado nas revisões periódicas sobre necessidade de troca do fluido a cada 24 meses. Por conta do preço proibitivo, e já que seu veículo não está mais coberto pela garantia de fábrica, decidiu repará-lo em uma oficina independente, especializada em transmissões.

"Disseram que não poderiam estender a garantia, então levei em outra oficina e o prejuízo foi de R$ 15 mil", relata. Seu Renegade está com cerca de 53 mil km rodados.

Um grupo no WhatsApp com mais de 200 participantes trata especificamente do defeito envolvendo o câmbio, fornecido pela empresa Aisin, e traz outros relatos semelhantes.

O dono de um Renegade 2017/2017 que prefere não se identificar diz que a pane aconteceu com cerca de 40 mil km e a Jeep aceitou substituir a transmissão, mas foi necessário pagar cerca de R$ 5,5 mil para que o reparo fosse realizado "em cortesia".

Stellantis nega que clientes tenham feito as revisões

Procurada, a Stellantis diz que se responsabiliza pelos reparos de veículos que ainda estejam cobertos por garantia. Além disso, enfatiza que os casos citados neste texto e outros que nossa reportagem encaminhou à companhia não foram precedidos pela realização de todas revisões programadas. A Stellantis também admite que houve alterações no plano de manutenção no que se refere ao fluido de arrefecimento.

Confira a íntegra da nota enviada:

"A Stellantis esclarece que se responsabiliza por inconvenientes que ocorram dentro do período de vigência da garantia contratual. Os veículos mencionados não realizaram o plano de manutenções programadas, conforme previsto no Manual do Proprietário.

A regular utilização do automóvel demanda a realização de manutenções preventivas e/ou corretivas. Nos casos em análise não há qualquer evidência que aponte para uma falha ou um defeito de qualidade nos veículos mencionados.

A Stellantis aproveita a oportunidade para informar que alterações em fluidos, peças de desgaste natural e/ou acessórios são processos evolutivos em respeito ao cliente e que podem impactar na periodicidade, no uso e na aplicação dos componentes envolvidos após as suas implementações".

Procon-SP notifica Stellantis sobre eventual recall

Câmbio Aisin de 6 marchas é arrefecido pelo mesmo líquido que resfria o motor nos modelos de Jeep e Fiat - Murilo Góes/UOL - Murilo Góes/UOL
Câmbio Aisin de 6 marchas é arrefecido pelo mesmo líquido que resfria o motor nos modelos de Jeep e Fiat
Imagem: Murilo Góes/UOL

Órgão de defesa do consumidor vinculado ao governo paulista, o Procon-SP informa que neste ano, até julho, recebeu seis reclamações relacionadas ao defeito no câmbio automático de veículos Jeep e Fiat.

A fundação informou hoje (6) que notificou a Stellantis a prestar esclarecimentos sobre o problema, incluindo a eventual necessidade de realizar um recall - caso haja constatação de risco à saúde ou à segurança dos ocupantes dos veículos. A notificação aconteceu após a publicação desta reportagem.

"A empresa deverá informar quantos atendimentos foram realizados nas concessionárias relacionados ao sistema de arrefecimento ou a problemas de vazamento no radiador, quais desses atendimentos foram efetuados nos modelos em garantia nos anos de 2020 e 2021 e detalhar os atendimentos por Estado, cidade, modelo, ano de fabricação e se houve a troca ou reparo do item avariado", diz nota enviada a UOL Carros com exclusividade.

O Procon-SP também questiona os critérios para a troca do líquido utilizado no sistema de arrefecimento em modelos posteriores e as medidas que irá adotar para atender os consumidores.

A Stellantis, por sua vez, informa que aguarda o recebimento formal da notificação e, "tão logo isso aconteça", prestará os "esclarecimentos necessários" ao órgão.

Guilherme Farid, chefe de gabinete do órgão de defesa do consumidor, diz que a empresa poderá ser multada em até R$ 11 milhões se for constatada negligência.

"Temos relato de um caso, relacionado ao trocador de calor, no qual o veículo teria pegado fogo. Isso já é suficiente para questionar a fabricante sobre a possibilidade de convocar os clientes para a realização dos reparos necessários, sem custo", pontua.

Ele acrescenta que o fim da garantia não exime, necessariamente, a Stellantis de responsabilidade.

"Mesmo que o vício seja verificado após o término da garantia, se não for decorrente de desgaste natural e sim consequência de algum problema de engenharia, projeto ou construção, a empresa continua responsável. Nesse caso, o prazo de garantia passa a ser contado a partir da constatação do defeito pelo consumidor".

Farid orienta os clientes a registrarem a reclamação no Procon-SP.

"Assim, poderemos agir para esclarecer as causas do defeito e, se for necessário, cobrar providências".

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