Câmbio problemático persegue Ford e faz clientes sofrerem por atendimento
Mais de dois anos após a retirada do produto de linha, o câmbio PowerShift da Ford, que equipa modelos como EcoSport, Fiesta e Focus comercializados entre 2013 e 2017, continua gerando enormes dores de cabeça em seus proprietários - e também para a marca. Segundo os clientes, desde que a montadora deixou de produzir veículos no Brasil e a rede de concessionárias reduziu drasticamente, está cada vez mais difícil receber assistência técnica contra o problema.
De acordo com Manoel Tadeu Machado de Menezes, advogado especializado em causas envolvendo o PowerShift, com a redução do número de concessionárias em território nacional, a vida do proprietário de modelos equipados com o câmbio ficou ainda mais complicada.
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"Muitas pessoas precisam rodar 150 ou 200 km para conseguir atendimento. E as concessionárias restantes não querem atender problemas no PowerShift, algumas cobram R$ 1.500 só para fazer um orçamento", reclama o advogado.
Segundo ele, outro problema comum é a resistência das concessionárias em registrar serviços realizados e problemas diagnosticados no câmbio PowerShift.
"É comum encontrar concessionárias fazendo tudo de forma informal, sem documentação. Eu sempre alerto: peçam sempre orçamento e documentos que comprovem os problemas encontrados no carro, como trepidações e travamentos, pois é seu direito e fica mais fácil procurar a Justiça depois", alerta o especialista.
O caso PowerShift se arrasta há anos no Brasil. Apesar de a Ford nunca ter feito um recall oficial, é expressivo o número de reclamações sobre perda de potência e travamento do câmbio em todo o país.
O fato fez com que a montadora ampliasse para 10 anos a garantia do Módulo Eletrônico de Controle de Transmissão (TCM) em acordo com o Procon-SP, mas os clientes reclamam que a atitude ainda não foi suficiente para resolver o problema. Há, pelo menos, 128 mil modelos com essa transmissão rodando no país.
O UOL Carros procurou a Ford sobre a questão do atendimento aos clientes com veículos que possuam câmbio PowerShift. A empresa, porém, não retornou aos questionamentos até o fechamento da reportagem.
Sem atendimento
Júnior Lima é um dos clientes que não consegue atendimento nas concessionárias Ford. Apesar de perceber trepidações e perda de potência no seu Focus 2015/2016, a assistência técnica alega que não há falha no veículo. "No meu caso, negaram que está com defeito. Nunca solucionam, apesar de os problemas serem bem comuns em todos os casos", relata.
Já Wilson Lima possui um Ecosport 2017 com 60 mil km rodados: "Na primeira vez que levei o carro na concessionária com trepidações, disseram que era normal e que poderia ser a bateria. Hoje o câmbio parou, estou fora dos três anos que a Ford tinha como garantia e se negam a dar a garantia estendida, alegando que meu chassi não foi contemplado. A concessionária cobrou R$ 360 só para dar um orçamento. Me senti lesado."
Em busca de uma solução, os proprietários de carros equipados com o câmbio PowerShift se reuniram em um grupo no Telegram que já possui 290 membros. No ambiente virtual, relatos como o de Júnior e Wilson se multiplicam, sempre informando trepidações, perda de potência e falta de assistência por parte das concessionárias.
Risco de acidente
O engenheiro mecânico André de Maria é um dos participantes ativos do grupo, engajado na tentativa de buscar soluções coletivas para os clientes da Ford. Ele conta que um acidente virou trauma para a sua esposa, usuária do Ecosport PowerShift 2014. Desde os primeiros quilômetros rodados, o carro apresentava comportamentos anormais, como trancos na passagem de marcha, mas foi com 48 mil km rodados que a situação chegou ao ápice.
"Um dia o carro começou a apresentar uma movimentação descontrolada de aceleração e desaceleração. Ele se deslocou por vários metros sem ela ter controle. Até que, no meio de uma pista movimentada, com carros e ônibus rodando ao seu redor, ela conseguiu parar. Levamos na concessionária e, para nossa surpresa, o orçamento era de R$ 7.500 para trocar o kit da embreagem. Segundo eles, isso me daria o direito à troca do TCM dentro da garantia estendida, uma peça que custa R$ 2 mil", relata André Maria.
Após o incidente, resolveu acionar a Ford na Justiça e conseguiu um acordo. Ele não informou os termos devido a uma cláusula de confidencialidade, mas UOL Carros teve acesso a um documento do Ministério Público de Minas Gerais que afirma que a esposa do engenheiro recebeu a quantia de R$ 98.308,78, referente à recompra do carro com valor corrigido e danos morais.
Sem solução coletiva
Em outros países, como Estados Unidos e Austrália, a montadora se comprometeu a fazer a recompra dos modelos problemáticos. Nos EUA, por exemplo, afirmou que gastará ao menos US$ 30 milhões com reembolso a proprietários de Fiesta e Focus defeituosos, fabricados de 2011 a 2016. Além disso, firmou compromisso de dar desconto na aquisição de carros novos da marca e compensação de reparos já efetuados.
No Brasil, porém, o desfecho parece estar longe do fim. Em março deste ano, o Procon-SP decidiu multar a Ford em R$ 10 milhões pelo fato de a empresa não ter realizado acordo no território nacional.
"Enviamos notificação questionando se haveria uma ação semelhante no Brasil e recebemos respostas evasivas. O tratamento dispensado aos brasileiros é totalmente díspar em relação ao verificado a clientes dos Estados Unidos. Esperávamos que a fabricante se dispusesse a iniciar um recall, ou então definir um acordo conosco. Nada disso aconteceu", pontuou Fernando Capez, diretor executivo do Procon-SP à época.
Questionado sobre a situação atual da multa, o Procon-SP respondeu, por meio de nota, que "em relação à autuação da Ford Motor Company Brasil Ltda, referente ao câmbio PowerShift de março deste ano, a empresa enviou defesa que está em análise técnica pela Diretoria de Assuntos Jurídicos. Com relação à multa, ela pode ser atenuada ou agravada, conforme o previsto na Portaria Normativa Procon nº 57 de 12/12/19".
Quem também se envolveu no caso, após receber reclamações de clientes, foi o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Em dezembro de 2020, o órgão anunciou que abriria um processo administrativo para apurar o caso e chegou a afirmar que o câmbio "coloca em risco os consumidores", mas pouca coisa andou desde então.
Também por meio de nota, o departamento afirma que "o processo administrativo promovido em face da empresa Ford Motor Company Brasil LTDA, a fim de apurar conduta da empresa quanto à necessidade e, consequentemente, demora em efetuar a divulgação do risco envolvendo os veículos da marca equipados com câmbio PowerShift encontra-se em fase instrutória. A fase instrutória do processo administrativo é etapa essencial para a produção de provas, respeitado o contraditório e ampla defesa para a conclusão da análise de mérito".
Assim como André e Audrey de Maria, vários clientes da Ford buscam a Justiça de forma individual.
"Percebemos que no âmbito de ações coletivas tudo se torna mais complexo. As pessoas estão tendo mais sucesso individualmente, por mais que os consumidores estejam organizados. Via de regra, quando um juiz determina à Ford a inversão do ônus da prova, ou seja, que a empresa prove que o câmbio funciona bem, melhoram as condições para um acordo. A partir de então, o consumidor se dá por satisfeito em caso de decisões coletivas futuras", explica o advogado Manoel Menezes.
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