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Abrigo grátis: aceno de Bolsonaro a caminhoneiros deixa postos na bronca

Presidente Jair Bolsonaro prometeu intervir para acabar com cobrança de pernoite de caminhoneiros em postos de gasolina - Reprodução/Telegram/Jairmbolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro prometeu intervir para acabar com cobrança de pernoite de caminhoneiros em postos de gasolina Imagem: Reprodução/Telegram/Jairmbolsonaro

Paula Gama

Colaboração para o UOL

09/02/2022 11h24Atualizada em 09/02/2022 12h52

Em vídeo publicado em sua conta nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro (PL) promete tentar intervir para que os postos de gasolina sejam obrigados a abrigar gratuitamente o descanso de caminhoneiros nas estradas. A intenção do mandatário é atender reclamações de motoristas que criticam a cobrança de 'diárias' dos locais de abastecimento para que possam repousar no local.

No vídeo de pouco mais de um minuto, o presidente chega a ligar para o ministro da Justiça, Anderson Torres, para pedir que ele autue postos de combustíveis que cobram pelo pernoite de caminhões em sua estrutura.

O posicionamento do presidente irritou entidades representantes dos postos de abastecimento, que acusaram Bolsonaro de "no mínimo, um grande desconhecimento sobre o tema".

O fato aconteceu na BR-060 durante uma viagem de Bolsonaro pelo Distrito Federal. No caminho, ele conversou com caminhoneiros e ouviu diversas críticas. Entre os assuntos tratados, foi dito que alguns postos de combustível autorizam a pernoite do caminhão no local mediante ao abastecimento ou pagamento de uma taxa em torno de R$ 25.

Segundo Bolsonaro, ele tentou falar sem sucesso com Silvinei Vasques, diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

"Conversei com um caminhoneiro aqui e ele reclamou que tem local do Brasil que, para dormir à noite no posto, só se abastecer ou se pagar em torno de R$ 25. Liguei para o Vasques, mas ele deve estar ocupado. A informação é verdadeira. Já ouvi de outras pessoas. Vê como você pode ver aí a questão da defesa do consumidor e autuar esses postos de combustíveis", reclama o presidente, em telefonema com Torres.

Nas redes sociais, há vários vídeos de caminhoneiros chateados ao serem expulsos de postos de combustível onde pretendiam pernoitar.

"Ficamos tristes quando paramos em um posto para pernoitar e a maioria quer que a gente pague por um estacionamento precário ou abasteça. Se fosse um estacionamento com segurança, um banheiro decente para fazer seu asseio, pagaríamos. Mas os postos querem cobrar para você pernoitar e não te dão estrutura", comenta Driver Neuman em um vídeo.

Conversamos com Cajau Antonelli, youtuber e caminhoneiro, e ele tem uma opinião um pouco diferente, buscando outras formas para pernoitar sem pagar taxas.

"Não estou contra a minha categoria, mas temos que analisar que o posto de gasolina é privado. Nos trechos que eu rodo, já sei onde posso parar sem pagar. Normalmente, próximo de praças de pedágio ou de postos da PRF", informa.

Ministério da Justiça notifica postos

O Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), notificou nesta quarta-feira (9) os representantes de revendedores de combustíveis sobre a suposta cobrança. As entidades terão até cinco dias a partir da notificação para justificar o pagamento.

"Segundo a legislação, postos de combustíveis podem implantar locais de repouso e descanso para caminhoneiros, garantindo condições de segurança, sanitárias e de conforto. Porém, os estabelecimentos não podem condicionar a prestação do serviço ao abastecimento de combustível, conforme Resolução da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)", afirma a C. Segundo a secretaria, os questionamentos são realizados em parceria com a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

O UOL Carros, porém, questionou a Senacon sobre a principal reclamação: os postos de combustíveis podem cobrar apenas pela hospedagem/área de descanso individualmente, sem atrelar o serviço ao abastecimento?

De acordo com a Senacon, a cobrança é legal. Segundo a secretaria, os postos estariam autorizados a cobrar pela pernoite, incluindo áreas de descanso e banheiros, desde que não condicionem a prestação do serviço ao abastecimento.

Postos defendem cobrança

Em resposta à declaração do presidente, a Associação Brasileira dos Revendedores de Combustíveis Independentes e Livres (AbriLivre) afirma que o comentário de Bolsonaro traz "uma visão distorcida da política liberal que tem permeado o seu governo. Isso porque são os donos dos postos que investem em toda a infraestrutura necessária para garantir área de estacionamento, banheiro com ducha limpa, refeitório para alimentação e, principalmente, segurança privada para o caminhão, sua carga e o próprio caminhoneiro", afirmou a instituição por meio de nota.

Segundo a entidade, a cobrança para pernoitar no posto é mais barata que um hotel ou motel à beira de estrada e que, contido nesse valor, têm todos os custos associados ao pernoite.

"Os donos de postos pagam o IPTU, pagam muitas vezes aluguel pelo local, pela limpeza do estabelecimento e muitos desses postos contam com espaço para tomar banho e refeitório, sem contar os custos da segurança privada. Logo, se o presidente Bolsonaro considera esse serviço como de utilidade pública, que confira aos donos de posto o subsídio necessário para custear e remunerar esse serviço adequadamente de forma que seja prestado aos caminhoneiros gratuitamente", reclama a entidade.

Em nota, a Federação do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) afirmou ter enviado um ofício a Bolsonaro questionando a ideia de obrigar os postos a abrigarem gratuitamente os caminhoneiros. Ela alega que os locais de abastecimento têm custos para a manutenção do serviço e que seria inviável fornecer tal abrigo sem custos.

"Toda estrutura e os serviços oferecidos pelos postos foram realizados por iniciativa do empresário, com recursos próprios. Nunca tivemos apoio do governo, como concessão de crédito ou financiamentos para a compra de terreno, pavimentação e construção de pátio de estacionamento para os caminhões, com toda a infraestrutura de apoio necessária", reclama a entidade.

"Intervenção governamental em preços em mercados não regulados e repressão policial à livre iniciativa são ou foram costumeiras em países que o presidente tanto critica, como Argentina, Venezuela ou Cuba. Também ocorreram no passado triste e distante do Brasil, mas não deveriam ter lugar no Brasil do século XXI", disse a Fecombustíveis.

CNTA acredita no livre mercado

Marlon Maues, assessor executivo da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), afirma que os pátios dos postos de combustível são áreas privativas, por isso os proprietários podem explorá-los comercialmente. A entidade indica ainda que os caminhoneiros busquem estabelecimentos que tenham as melhores condições na prestação do serviço, mas repudia a cobrança abusiva, principalmente em áreas com poucas opções de paradas, onde muitos postos acabam extrapolando no valor cobrado.

"A livre concorrência e o fornecimento de serviços adicionais é o que fará com que os caminhoneiros deem preferência a um determinado estabelecimento em detrimento a outro. Porém, repudiamos toda e qualquer forma de exploração da categoria, como é o caso de muitos postos de combustíveis que se aproveitam da falta de alternativas dos caminhoneiros para a cobrança de valores exorbitantes ou a prática de vendas casadas", alerta Maues.

Estacionamento é serviço?

Para Rodolfo Rizzoto, fundador do SOS Estradas, os postos de combustível apenas cobram pelo serviço que oferecem, já que investiram em infraestrutura para o pernoite dos caminhões.

"O dono da carga é remunerado. O caminhoneiro, empregado ou autônomo, também. O caminhão inicia a viagem de tanque cheio, logo a Petrobras, que detém o monopólio, leva seu quinhão, e o motorista roda até 2.000 km sem abastecer. Passa na rodovia federal concedida, paga o pedágio para a concessionária. Portanto, até aí todo mundo ganha. Então, o caminhoneiro chega no posto, não abastece, quer estacionamento seguro de graça, banheiro de graça, chuveiro de graça, wi-fi sem custo. Depois disso tudo o vilão é o dono do ponto de parada?", defende.

Rizzoto também argumenta que o governo federal, por meio das concessões públicas, não constrói postos de parada suficientes para atender à demanda dos caminhoneiros.

"No contrato de concessão da Nova Dutra [rodovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro] estão previstos três estacionamentos gratuitos para os caminhoneiros, construídos com o dinheiro do pedágio do usuário da rodovia. No total, serão 510 vagas. Pois um único posto na rodovia tem mais do que 500 vagas construídas com o trabalho do dono do estabelecimento", exemplifica.

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