Nada de carros: por que fábricas da Ford não foram compradas por montadoras
A produção de veículos sai de cena para dar lugar a empreendimentos imobiliários. Esse é o destino desenhado para ao menos duas das quatro fábricas que a Ford mantinha em operação no Brasil.
Ontem (18), a empresa norte-americana anunciou acordo para a venda da unidade de Taubaté (SP) à Construtora São José, que em 2020 já tinha adquirido por R$ 550 milhões, em conjunto com a FRAM Capital, o terreno e as edificações da antiga sede da Ford em São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana de São Paulo.
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Desativada em 2019, a fábrica do ABC Paulista será transformada em um centro logístico, enquanto Taubaté, que fechou as portas no ano passado, deve seguir o mesmo caminho. UOL Carros conversou com especialistas para saber por que nenhuma outra montadora comprou as instalações industriais que a Ford fechou.
Segundo fontes, a alta capacidade ociosa das fábricas de veículos já instaladas no Brasil, que hoje está em torno de 50%, combinada com a desatualização e o grande porte da maioria das linhas de produção da Ford, afugentaram potenciais compradores - dentre as companhias do setor automotivo.
Vale destacar que as unidades de Camaçari (BA) e Horizonte (CE), onde era montado o jipe Troller T4, ainda não foram vendidas. Da mesma forma que Taubaté, ambas encerraram as atividades em 2021, após a Ford anunciar o término da fabricação de veículos no País para comercializar apenas modelos importados.
"As fábricas de São Bernardo do Campo e Taubaté eram muito grandes para o tamanho atual do mercado de veículos. Não faz sentido manter uma linha com produção muito inferior à sua capacidade, pois custa dinheiro mantê-la parada e a conta não fecha", analisa Flavio Padovan, sócio da consultoria MRD Consulting e ex-executivo de montadoras como a própria Ford, além de Volkswagen e Jaguar Land Rover.
Padovan destaca que uma eventual compradora teria de gastar uma fortuna para atualizar e adaptar as instalações paulistas e, com isso, retomar a fabricação de automóveis e componentes automotivos nessas unidades.
O consultor acrescenta que o fato de a Ford ter colocado as fábricas à venda após anunciar que seriam desativadas não colaborou para atrair outras marcas de carros.
"Ativo se vende quando ainda está em uso. Depois, começa a se deteriorar e perder o valor. Dessa forma, diminuiu bastante o interesse pelas fábricas e restou vendê-las ao setor imobiliário".
'É possível que mais fábricas de veículos fechem'
Cassio Pagliarini, sócio da consultoria Bright Consulting e ex-diretor de Renault e Hyundai, faz coro ao colega quanto ao momento desfavorável.
"As fábricas da Ford eram grandes demais e hoje temos excesso de capacidade produtiva. No auge, o Brasil chegou a ser capaz de produzir 4,8 milhões de unidades, entre automóveis e comerciais leves. Com a parada de algumas fábricas [por falta de demanda ou de componentes], essa capacidade está em torno de 4,5 milhões, ainda muito superior aos 2,3 milhões produzidos atualmente", diz Pagliarini.
Segundo ele, "é possível que mais fábricas fechem ou operem de forma pouco econômica" devido a essa ociosidade.
Em relação à unidade de Camaçari, que é uma fábrica muito mais moderna do que as outras três, mais uma vez o entrave seriam suas avantajadas dimensões. Já a linha da Troller seria pequena demais, com o agravante de que a Ford se nega a vender a marca e os direitos para produzir o T4 - só oferta o terreno e os ativos nele instalados.
"Pode até aparecer montadora disposta a comprar a fábrica de Camaçari, mas a capacidade para fabricar até 250 mil carros por ano limita bastante os possíveis interessados", pondera Flavio Padovan.
'Não será shopping'
Sócio-fundador da Construtora São José, Mauro Silvestri aguarda a conclusão do processo de venda do terreno da Ford em Taubaté, que depende de aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e deve ser concluído no prazo de 60 a 90 dias.
O executivo revela que a empresa ainda vai bater o martelo sobre o que será construído no lugar da fábrica, que ocupa um terreno de 970 mil m².
"Faremos um diagnóstico para saber as carências e a vocação da região na área de logística e também para algum empreendimento comercial", diz Silvestri.
Questionado, ele nega que esse empreendimento comercial será um shopping center.
"Não será shopping, já existe um ao lado do terreno. Nosso intuito também não é construir um condomínio residencial. Como em São Bernardo, avaliamos erguer em Taubaté um centro logístico, voltando às origens da nossa empresa, e, possivelmente, um hospital ou posto de saúde de pequeno porte", afirma o executivo em entrevista a UOL Carros.
Segundo Mauro Silvestri, esse hospital seria privado e construído de acordo com a modalidade "built to suit", na qual o imóvel é feito sob encomenda para locação, seguindo as especificações e as necessidades do futuro locatário.
"Qualquer decisão será tomada somente após o aval da prefeitura, como fazemos em todos os municípios onde temos empreendimentos. Esse hospital atenderia os futuros funcionários do centro logístico e também a população em geral", diz o empresário.
De acordo com ele, a expectativa é de gerar cerca de 2,5 mil vagas de emprego em Taubaté, mais aproximadamente 500 postos durante a fase de construção.
Silvestri acrescenta que as instalações da Ford no Vale do Paraíba hoje contam com 130 mil m² de área construída - distribuídos em dois blocos de galpões "em excelente estado", totalizando 105 mil m², mais outros três blocos que, somados, chegam a 25 mil m² - e necessitam de reforma.
Se a transação de Taubaté for confirmada, será o terceiro imóvel pertencente à Ford vendido à Construtora São José, que há pouco mais de dez anos inaugurou o Mooca Plaza Shopping na capital paulista, no terreno onde ficava outra fábrica da montadora norte-americana.
Centro logístico no ABC deve ficar pronto no fim de 2025
Mauro Silvestri diz, ainda, que está em análise a construção de outro hospital no terreno de São Bernardo do Campo, também na modalidade "built to suit", porém maior. Ainda não está definido qual cliente iria operar os futuros hospitais, esclarece.
A projeção é de que o centro logístico no ABC gere 4,5 mil empregos, além de outros 500 postos durante as obras na área de 1 milhão de m².
Sócio-diretor da PIB Incorporadora, parceira da São José no empreendimento de São Bernardo do Campo, Carlos Carbone informa que a obra já tem alvará de construção emitido pela prefeitura e deve começar em julho.
"Serão seis etapas e a primeira tem conclusão prevista para meados de 2023, já com o início da locação dos respectivos galpões. A previsão é de que a sexta etapa termine no fim de 2025".
Carbone informa, ainda, que a construção terá 480 mil m² de área e vai aproveitar cerca de 10% dos galpões originais - o restante está na etapa final de demolição.
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