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Audi RS Q e-tron: como é acelerar o carro que surpreendeu no rali Dakar

Joaquim Oliveira

Colaboração para o UOL

09/06/2022 04h00

"Foi um pouco como a primeira chegada à lua". É dessa forma original como Sven Quandt, diretor do projeto, define o desenvolvimento do Audi RS elétrico feito para encarar o Dakar de 2022. Um verdadeiro salto para o desconhecido, mesmo para quem já contabilizada várias participações no rali como piloto ou responsável por projetos de várias marcas.

É verdade que as três unidades do RS Q e-tron, 100% elétricos, não conseguiram vencer a prova. Ainda assim, foram quatro etapas vencidas e um total de 14 presenças em pódios no conjunto, terminando em 9º lugar na classificação geral com a dupla Mattias Ekström/Emil Bergkvist.

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E o resultado poderia ter sido ainda melhor não tivessem sido os vários problemas técnicos que atrasaram irremediavelmente o trio nos primeiros dias da competição. As chamadas "dores de crescimento" que quase todos os automóveis de corridas experimentam.

O mais complexo Audi da história

Audi RS Q e-tron - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

A Audi se refere ao RS Q e-tron como o mais complexo carro de corridas na sua história. Foi desenvolvido a partir de uma folha totalmente em branco, sem quaisquer referências de dentro ou de fora da Audi, e com uma orientação dada por um conjunto de regras vagas.

Além disso, a pandemia e o calendário apertado só tornaram a missão mais difícil quando a luz verde foi dada, em julho de 2020. E o fato do ceticismo dentro da própria empresa só ter aumentado após os primeiros exercícios de simulação (em computador) de uma etapa do Dakar só fez com que as dificuldades aumentassem.

O Audi do Dakar é movido por dois motores elétricos, cada qual com uma potência teórica máxima de 340 cv, ainda que as regulamentações tenham limitado o rendimento máximo a 392 cv. Um bloqueio de diferencial em cada eixo - juntamente com um diferencial central virtual - garante que cada roda recebe tanta potência como a que necessita, tudo gerido pelo software.

Na fase inicial chegou a pensar-se em dotar cada roda com um motor elétrico - evitando, assim, várias engrenagens de transmissão - mas a ideia não vingou.

"No caso de haver algum incidente de corrida que danificasse o chassi - como acontece frequentemente num rali desta natureza - o sistema de alta tensão de 800 volts seria afetado e isso significaria o abandono da prova", explica Benedikt Brunninger, o diretor-técnico do projeto.

Os motores são alimentados por uma bateria de 52 kWh, naturalmente insuficientes para uma competição com uma duração total de mais de 8 mil km (nem sequer para uma etapa diária chegaria). E como carregar a bateria não era uma alternativa válida, especialmente no meio do deserto, os engenheiros tiveram a ideia de usar o motor de combustão para produzir eletricidade a bordo.

Algo que não é inédito em termos absolutos, tendo sido feito durante décadas por barcos e comboios com motores diesel, mas aqui o que chamou a atenção foi o fato de a Audi ter ido buscar aos empoeirados baús os motores 2.0 TFSI usados no RS5 do Campeonato de Turismos da Alemanha (DTM).

Continua a ser um segredo, ainda hoje, qual era a potência exata desses motores com mais de 600 cv, mas eram propulsores muito compactos, eficientes e que podiam ser convertidos para uma espécie de segunda vida, bem diferente da original. Foi preciso alterar o turbocompressor, as condutas, o sistema de escape e o software.

Um quebra-cabeça de alta tecnologia

Audi RS Q e-tron - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

O protótipo foi totalmente desenvolvido em pouco mais de um ano e "para isso muito contribuiu a experiência e conhecimento da Audi em várias disciplinas do esporte a motor", como conta Axel Löffler, designer-chefe do RS Q e-tron.

"É o caso do quadro tubular do DTM (2004 a 2011), do chassi de chapa de aço do rallycross (2017 e 2018) e as monocoques em CFRP (plástico reforçado com fibra de carbono) da categoria LMP (1999 a 2016), do DTM (2012 a 2020) e dos monolugares da Fórmula E (2017 a 2021)", revela.

A carroçaria é, também, feita em CFRP, kevlar e materiais compósitos. Os carros de produção em série também "entraram" no Dakar e, com vista a uma melhor resistência a riscos, foi usado o para-brisas de vidro laminado aquecido do Audi A4, enquanto as janelas laterais são feitas em policarbonato (mais leve).

De forma a controlar o fluxo da eletricidade, gerir o equilíbrio da energia e manter a performance da bateria, os técnicos alemães programaram o software para manter o estado de carga da bateria dentro de determinados limites pré-definidos, dependendo das necessidades de energia.

Quando, por exemplo, uma passagem mais difícil por dunas de areia requer o máximo de energia da parte dos dois motores elétricos, o nível de carga da bateria baixa de maneira controlada porque o conversor de energia (o motor TFSI) não consegue compensar por completo o rendimento máximo dos motores elétricos.

Para os pilotos, isso significa uma dupla luta dentro do cockpit do Audi RS Q e-tron do Dakar: contra os outros concorrentes em prova e pela correta gestão dos fluxos energéticos, as duas totalmente interligadas e interdependentes.

Na pele do conquistador do deserto

Audi RS Q e-tron - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

E vamos a isto. Primeira constatação: o som da motorização é totalmente diferente. Depois de ligada, sobe automaticamente até a uma faixa de rotação entre as 4000 e as 6000, independentemente de o piloto estar acelerando ou freando.

Aliás, o som é tudo menos ortodoxo neste carro, porque quando o bloco de quatro cilindros está desligado ouve-se uma mistura de zumbido e de assobio intensos, que faz lembrar uma nave espacial em meio de um salto no hiperespaço.

Confirma-se que as quantidades massivas de torque ficam disponíveis em uma fração de segundo e essa é uma vantagem de enorme relevo quando os veículos têm que superar grandes obstáculos que se lhes aparecem no caminho (neste caso mais moderados, claro).

Mesmo os veículos híbridos plug-in que alinham neste tipo de provas têm vantagem face aos rivais movidos apenas com motor de combustão, como esclarece Emil Bergkvist, o co-piloto que Ekstrom nos "emprestou" para esta experiência ao volante do RS Q e-tron.

"Não só o impulso elétrico imediato conta, mas também a rapidez da resposta do sistema híbrido, especialmente quando se guia sobre dunas de areia, onde não sabemos o que está do outro lado do cume. Nessa situação convém irmos mais devagar nesse ponto - para evitar um capotamento caso exista uma descida a pique a seguir - e com o poder de aceleração instantânea não há perigo de ficarmos atascados por irmos devagar demais. E o doseamento do acelerador é muito mais fácil".

Nestes quilômetros de pilotagem deu para confirmar que o que não falta ao RQ Q e-tron é potência e que a consegue entregar com total prontidão. Na prática, é como se o cérebro do piloto e o acelerador estivessem ligados. Nesta pista improvisada na Sardenha percebe-se uma clara tendência para alargar trajetórias até que decidamos conter esses ímpetos com um toque no "antiquado" freio de mão, o que requer alguma prática para poder ser feito de forma eficaz.

No resto o Audi do Dakar consegue ser relativamente confortável e é controlado de forma mais ou menos intuitiva - isto, claro, quando temos a sorte de ter à mão um co-piloto profissional que vai dando um olho pelas exuberantes telas multifuncionais. E considerando a revolução tecnológica que este veículo significa, o trabalho de quem vai ao volante é até razoavelmente simples.

Quem aponta o dedo ao Audi RS Q e-tron acusando-o de ser uma fraude ecológica - por ter propulsão elétrica, mas no fim queimar gasolina - não terá percebido o conceito no seu todo.

É que não só este foi um primeiro passo para um futuro em que a tecnologia das baterias já permita completar uma etapa sem motor de gasolina a fazer de gerador, como também a propulsão elétrica é imbatível no off-road. Algo que muito brevemente todos iremos perceber melhor.

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