Proteção x preço: por que não temos carros seguros por valores acessíveis
O Brasil evoluiu em termos de segurança automotiva. Itens como assistentes de condução se tornaram mais comuns, mas não dá para sublimar um fato: eles são de série em poucas versões dos compactos mais vendidos do mercado. E poderiam ser de fábrica e combinados desde os básicos, caso seguissem o padrão europeu de segurança.
Se você quiser um hatch compacto completo, teria que comprar um "Peugeot Onix" ou um "Honda HB20", reunindo tecnologias usadas por veículos de marcas rivais, pois são raros os carros que oferecem o pacote completo, que pode incluir frenagem automática, sensor de ponto cego nos dois lados e assistente de manutenção de faixa.
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Você teria que misturar características de vários compactos, incluindo aí os sedãs. A combinação de tudo isso não existe no Brasil, mas os motivos vão além do custo e legislação. UOL Carros conversou com diversos especialistas para saber o porquê disso.
Vamos aos exemplos práticos. O Peugeot 208 Griffe e o Hyundai HB20 Platinum são equipados com frenagem automática e sistema que alerta para a saída de faixa, que conta com correção automática no francês, que também tem assistente de reconhecimento de placas.
É importante reforçar que o Peugeot vendido na França traz a frenagem automática mesmo na configuração mais barata. É a força da legislação europeia, ela serve de base para a adoção progressiva de itens de segurança no Brasil, no entanto, o nosso ritmo de adoção é mais lento.
Mesmo o sofisticado Honda City de nova geração traz controle de cruzeiro adaptativo, sistemas de frenagem automática e de permanência e faixa, menos um sensor de ponto cego para os dois lados - há apenas uma câmera que mostra a imagem do que acontece à direita do modelo para ajudar nas mudanças de faixa.
Quer um sensor de ponto cego? Terá que comprar um Chevrolet Onix Premier que, por sua vez, não traz os sistemas citados acima. Prestes a ser reestilizado, o Volkswagen Polo também se destaca por não incluir assistentes presentes no mesmo modelo vendido na Europa. Além da ausência de seis airbags, ficam de fora a frenagem automática e o aviso de saída de faixa, ambos de fábrica desde o básico - ele ainda oferece sensores dianteiros e traseiros.
Sim, aqui você vai pagar bem mais de R$ 100 mil por um hatch ou sedã compacto e não vai receber nada disso de série. E o pior: tais equipamentos já estão nas prateleiras desses mesmos fabricantes, uma vez que já foram adotados em outros mercados. É só vasculhar o que o fabricante tem lá fora e fazer um plug and play - está certo que é necessário homologar tudo.
A decisão dos fabricantes tem peso
Nem sempre é só uma questão somente de legislação e obrigatoriedade, a decisão mercadológica de cada fabricante tem peso redobrado.
"Uma delas (das razões), é a estratégia de cada montadora em ofertar um rol de veículos competitivos. Outra coisa muito influente é a regulamentação, a legislação. A Europa está muito mais avançada nesse sentido, o que também estimula o mercado a buscar por soluções e novas tecnologias para tornar os seus veículos mais eficientes e seguros", disse Gustavo Ducatti, diretor de Engenharia e Operações de Segurança Passiva e Eletrônicos da ZF América do Sul, uma das maiores fornecedoras de assistentes de segurança do mundo.
"Isso tem relação, também, com a própria sociedade, que entende dos benefícios da segurança integrada nos carros em que adquirem, e passa a exigir tais tecnologias. Ou seja, aqui, tratamos da percepção do consumidor final para a segurança", completou.
Essa visão da análise de mercado foi um dos pontos ressaltados pelos especialistas. "Depende da estratégia da montadora. Às vezes ela escuta os clientes, faz suas pesquisas e entende que seu público prefere a função Y ou Z, e ela escolhe colocar essa solução. Decisões mercadológicas que dependem de cada visão", reforça Michel Braghetto, coordenador da Comissão Técnica de Segurança Veicular da SAE Brasil.
A escala pequena do mercado brasileiro é uma realidade há anos, pois a crise diminuiu muito o número de vendas. "O que acontece: tem algumas variáveis. Primeiro o volume do nosso mercado. Você não tem no Brasil os grandes produtores de nova tecnologia que você tem no mercado chinês, europeu e americano", ressalta Marcus Vinícius Aguiar, vice-presidente da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, que também reforça o custo elevado da cadeia de impostos, logística, entre outros.
Força da legislação tem peso redobrado
O descompasso entre os mercados brasileiro e os mais desenvolvidos ainda vai perdurar um pouco, mas há uma luz no fim do túnel.
"A adoção dos mesmos sistemas já está em discussões avançadas, drafts já foram submetidos e em breve teremos novidades que esses sistemas se tornem obrigatórios no Brasil. Já temos parâmetros técnicos seguindo os europeus, basicamente são os mesmos, mas com pequenas diferenças. Não vamos ter uma função de segurança pior por aqui", comentou Michel, que participa de grupo de estudo de segurança e está em contato permanente com o governo.
"Estamos otimistas de que teremos essa decisão comunicada e publicada ainda em 2022. Essas tecnologias terão datas para serem adotadas ao longo dos anos e se tornarão obrigatórias. Já temos cerca de 25% dos veículos emplacados com tecnologias como frenagem autônoma e outras, ano passado eram cerca de 12 a 13%", disse o especialista.
De acordo com Michel, a implementação da legislação vai forçar os fabricantes a adotarem algumas dessas funções de segurança até mesmo antes da entrada obrigatória. O motivo é a necessidade de diferenciação dos carros perante seus concorrentes.
Quando todos os modelos novos e antigos forem obrigados a adotar tais tecnologias, isso deixará de ser um diferencial competitivo. Sairão do papel para entrar na publicidade. Além disso, não dá para adaptar uma linha inteira na risca da obrigatoriedade, a gama vai recebendo aos poucos antes mesmo dos percentuais paulatinos de instalação serem obrigatórios.
Tecnologias prometem se popularizar como o ABS e airbags
Você não terá que pagar mais caro pelo seu carro por isso. Quero dizer, você vai pagar mais caro pelo veículo, mas não será exclusivamente pelo aumento de conteúdo. Fatores como a escala de mercado, custo Brasil, elevação dos preços das matérias-primas e falta de produção nacional de tais tecnologias são apontados pelos especialistas como culpados.
O último pode ser resolvido com o grupo de implementação de produção local de semicondutores, que pode ser nacionalizada a tempo da introdução obrigatória dos equipamentos de segurança ativa.
Não foi diferente com airbags, ABS e, mais recentemente, com os controles eletrônicos de estabilidade. O custo de cada recurso varia de acordo com a tecnologia utilizada. Modelos como o Onix usam sensores ultrassônicos para detecção de ponto cego, algo mais barato do que câmeras instaladas nos retrovisores.
"Algumas tecnologias são mais baratas que as outras. Um sensor de ponto cego você pode usar sensores de ultrassom, os de estacionamento, ou radares nas quinas do veículo, radar corner. Ultrassônico é o mais barato, você consegue fazer uma função com alguma limitação técnica. A forma tecnológica mais evoluída seria um radar, tem uma diferença positiva de performance", esmiúça Michel, que relembra que uma câmera pode custar até o dobro de um radar, contudo, ela pode ser instalada em um carro pré-existente, ou seja, pode se popularizar mais rapidamente, evitando acidentes e mortes causadas por colisões e atropelamentos.
Estudo da ZF afirma que mais de um quarto dos novos carros brasileiros devem frear sozinho até 2025. No ano passado, tal tecnologia equipava apenas 5% dos nacionais. Claro que isso não diz respeito somente ao mercado de compactos, dado que muitos desses recursos são implementados em todas as classes de veículos, das picapes maiores aos SUVs. O problema é quando isso chegará a todos os automóveis.
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