Dieselgate do Brasil envolve fortuna e tem venda antecipada de indenizações
Cerca de 1,7 mil proprietários de VW Amarok no Brasil teriam vendido seus direitos de indenização para uma empresa que promete brigar na Justiça pelo reembolso de milhões de reais referentes a um software fraudulento instalado nas picapes da marca alemã.
A Volkswagen admitiu em 2015 que mais de 17 mil exemplares da picape comercializados em nosso país foram equipados com um programa capaz de fraudar testes de emissões de poluentes. Na época, a Volks iniciou um recall para corrigir a fraude envolvendo a Amarok.
A montadora já disse ter manipulado pelo menos 11 milhões de veículos a diesel em todo o mundo para que sua homologação para venda fosse aprovada pelas autoridades, embora no uso real poluíssem mais do que o permitido. O escândalo ficou conhecido como Dieselgate e afetou outras fabricantes de veículos ao redor do planeta.
Desde quando surgiram as primeiras denúncias, há sete anos, nos Estados Unidos, estima-se que o Grupo Volkswagen já tenha gastado cerca de 30 bilhões de euros (aproximadamente R$ 155 bilhões) com multas e indenizações.
Já foram firmados acordos em países como Alemanha, Estados Unidos, Chile, Reino Unido, Canadá e Austrália. No Brasil, no entanto, a questão segue na Justiça e os clientes lesados aguardam o julgamento da última possibilidade de recurso da montadora alemã - que já perdeu em duas instâncias.
Questionada sobre o tema, a Volkswagen do Brasil afirmou que, "com relação às unidades da picape Amarok comercializadas no mercado brasileiro, a empresa tem tratado diretamente com as autoridades envolvidas buscando comprovar tecnicamente e de forma embasada a ausência de quaisquer prejuízos à sociedade e ao meio ambiente".
Segundo a marca, no Brasil, a situação é diferente dos outros países. "O software não otimizava os níveis de emissões de NOx das picapes Amarok comercializadas no País com o objetivo de atender os limites legais. Portanto, os carros envolvidos atendem a legislação brasileira mesmo antes dos softwares serem removidos destas unidades", disse a marca,
Situação se arrasta na Justiça
No país, ação civil pública é movida pelo Instituto Abradecont, especializado na defesa do consumidor e trabalhador, que pede indenização por danos morais (em torno de R$ 20 mil) e materiais (quantia a ser definida) aos proprietários das 17 mil Amaroks produzidas entre 2011 e 2012, que a Volkswagen admite ter equipado com o software ilegal.
No entanto, segundo Leonardo Amarante, advogado especializado em Direito do Consumidor que está à frente da ação, quem posteriormente comprou as picapes afetadas dos primeiros donos também é elegível ao ressarcimento por danos morais e materiais. Com isso, o cálculo de afetados gira em torno de 60 mil a 80 mil pessoas.
A VW chegou a perder em duas instâncias. No entanto, posteriormente a montadora conseguiu suspender, até o fim do processo, o pagamento das indenizações. Segundo o advogado Leonardo Amarante, ainda há recursos, da Abradecont e da própria Volks, que serão julgados pela 3ª Turma do STJ, em data a ser definida. Ele espera que isso aconteça ainda neste ano.
"Trata-se de estratégia para ganhar tempo. A Volkswagen quer que o processo volte à primeira instância para que seja feita uma perícia, que é impossível de ser realizada nesses quase 20 mil veículos. É algo que conflita com os acordos que fizeram na Alemanha, nos Estados Unidos e em outros quatro países", protesta o advogado.
Existe uma outra ação civil pública em andamento sobre o Dieselgate no Brasil. De autoria da Assecivil, ela envolve os donos de picapes produzidas entre 2012 e 2015, supostamente também manipuladas. Essa ação, no entanto, está nas instâncias iniciais.
Clientes vendem indenizações; 500 mil podem ter direito
Sete anos após o anúncio da fraude no Brasil, consumidores estão vendendo seus direitos indenizatórios para não esperar mais por uma compensação.
Bruno Dollo, CEO da Regera, empresa que tem adquirido os direitos a indenização relacionados ao Dieselgate brasleiro, explica que possui cerca de 5 mil clientes proprietários das Amaroks fraudadas, sendo que 1,7 mil deles receberam R$ 1.540 antecipadamente e cederam para a empresa o direito ao ressarcimento, estimado em aproximadamente R$ 20 mil.
A empresa não atende só os proprietários das picapes equipadas entre 2011 e 2012, aquelas cuja manipulação é oficialmente admitida pela VW, mas de modelos até 2015 que tenham sido adquiridos - de primeira ou segunda mão - até 2020.
Ele explica que esses veículos possuem o mesmo motor, por isso, é provável que sejam equipados com o software irregular.
Dollo cita um estudo Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), segundo o qual o software também estaria ativo nas unidades 2014 e 2015.
Na época, a companhia afirmou que precisaria de mais testes para comprovar ou negar a afirmação. Se alegação for confirmada, cerca de 500 mil consumidores - incluindo aqueles que compraram a picape usada - poderiam ter direito à indenização, diz Dollo.
"No mundo, todos os motores até 2015 usam esse software. Entre 2012 a 2015, o número de veículos e consumidores afetados pela revenda é de quase 500 mil consumidores. Nós avaliamos a probabilidade de perdas e ganhos e entendemos que é muito provável que esse reembolso aconteça.
Por isso, estamos comprando direitos não só de quem teve uma Amarok 2011 a 2012, mas até 2015. Nós convidamos as pessoas a venderem o direito por R$ 1.540 e receber agora, ou 70% da indenização que conseguirmos, mas não há prazo", explica o CEO.
Venda de direitos é legal?
Manoel Tadeu Machado de Menezes, advogado especialista em causas envolvendo defeitos em automóveis, explica que a venda de direitos indenizatórios é legal, embora também seja um assunto sensível.
"No Brasil ainda não se tem muito firmada a questão da cessão de direitos, pois trata-se de uma prática pouco comum aqui. Portanto, tal opção pode fazer com que o prejudicado deixe de ser devidamente indenizado, fazendo com que a empresa para quem cedeu os direitos lucre em cima do problema sofrido pelo consumidor", explica.
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