Atropelamentos contra assaltantes se multiplicam; prática pode ser punida?
O caso de uma mulher que atropelou dois homens que tentavam assaltar o marido dela em Santos (SP), no último sábado (1º), é mais um dentre muitos relatos recentes de automóveis usados como arma contra suspeitos de crimes.
Em julho, outro motorista atropelou suspeitos de assalto na região dos Jardins, na capital paulista, enquanto em dezembro do ano passado outro condutor utilizou o veículo para acertar um suspeito de assalto em Taboão da Serra, na Região Metropolitana de São Paulo.
A elevada quantidade de ocorrências de atropelamentos com essas características levanta o debate sobre a legitimidade da "justiça com as próprias mãos" e os limites legais para esse comportamento.
De acordo com o advogado criminalista Leonardo Pantaleão, mestre em direito das relações sociais pela PUC-SP, o Código Penal prevê o direito de legítima defesa a todos os cidadãos, mas sob determinadas condições.
"Qualquer indivíduo pode usar moderadamente os meios necessários para afastar uma agressão injusta contra si próprio ou contra terceiros, desde que essa agressão esteja em pleno andamento ou prestes a acontecer", informa.
O advogado, que também é professor das disciplinas de direito penal e direito processual penal, explica que a referida agressão não precisa ser apenas contra a integridade física de alguém, e sim qualquer ameaça de lesão contra interesses juridicamente protegidos, como o direito à propriedade.
Pantaleão, porém, pondera que, para configurar legítima defesa, esta deve ser proporcional à gravidade da agressão.
"O cidadão tem direito a usar meios suficientes e necessários para conter ou impedir a ameaça em curso ou iminente. A julgar pelo vídeo, no caso de Santos a motorista usou o carro que dirigia para este fim. Contudo, se ela perseguisse um ou mais suspeitos e os atropelasse pelas costas, durante a fuga, o direito à legítima defesa em tese teria de ser anulado".
'Atacar suspeito já rendido anula legítima defesa'
O especialista lembra do caso envolvendo um empresário, que, em agosto passado, na cidade de São Paulo, atirou à queima-roupa contra um suspeito já rendido no chão e sob a mira da arma de um policial, após supostamente roubar um relógio. Na ocasião, o suposto assaltante e o empresário foram presos.
"Uma situação como essa não configura legítima defesa; Alegar ter agido sob violenta emoção também não exclui a ilicitude. A regra vale para policiais, que não têm licença para matar e devem agir estritamente dentro dos critérios que autorizam a legítima defesa".
Leonardo Pantaleão conclui, dizendo que em ocorrências do tipo cabe à Polícia Civil investigar eventuais excessos cometidos sob o pretexto de se defender, que posteriormente são relatados ao Ministério Público - que, por sua vez, pode ou não oferecer denúncia ao Poder Judiciário.
"A última palavra sempre é do Judiciário, que pode eventualmente condenar autor de atropelamento por lesão corporal, tentativa de homicídio ou homicídio, se entender que houve abuso do direito à legítima defesa".
Atropelamento pode ser considerado crime doloso
O também advogado Marco Fabrício Vieira, membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), destaca que atropelamento intencional, como nos casos descritos acima, não pode ser enquadrado como crime de trânsito.
"O Código de Trânsito Brasileiro só regula casos de homicídio e lesão culposos, caracterizados quando o indivíduo age com negligência, imprudência ou imperícia, assumindo o risco de causar o acidente. Quando há claramente a intenção de causar dano, e não for constatada a legítima defesa, a conduta passa a ser considerada dolosa e passível das punições previstas no Código Penal".
'Justiçamento não resolve problema'
O professor de gestão pública da FGV Rafael Alcadipani pondera que a cultura do justiçamento é uma "tradição brasileira", decorrente de um "cenário de altíssima criminalidade" que não tem resposta efetiva do Estado.
"Ações como essas são um sintoma da grave crise da segurança pública na cidade de São Paulo e em outras metrópoles. Ninguém aguenta mais, as pessoas estão com medo e muitas querem resolver elas próprias o problema. Isso resulta em atitudes tresloucadas", analisa o especialista, que também é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para Alcadipani, fazer justiça com as próprias mãos traz uma série de riscos e problemas a quem segue este caminho.
"A maioria das pessoas não tem preparo, habilidade nem perícia para esse tipo de ação. Você corre risco de vida e também pode ferir pessoas inocentes e ter de responder criminalmente por isso. Também existe o aspecto dos danos materiais, pois o seguro não vai cobrir o estrago do veículo. Não vale a pena".
Segundo o professor, a saída "racional" é cobrar providências do poder público e "votar certo".
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