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OPINIÃO

Será que os carros autônomos serão realidade apenas em um futuro distante?

Daniel Neves

Do UOL, em São Paulo

12/10/2022 08h00

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Os carros semiautônomos ganharam fôlego na última década e vieram para ficar. Funções como controle de cruzeiro adaptativo, frenagem automática e assistente de manutenção de faixa já estão presentes em automóveis que custam entre R$ 100 mil e R$ 150 mil. Mas, se o nível de automação já está cada vez mais elevado, quais são as perspectivas atuais para chegarmos aos projetos de automação total?

Segundo reportagem da Bloomberg, os investimentos multibilionários ainda não geraram o salto tecnológico necessário, tampouco conseguiram atingir um nível seguro de automação.

São vários graus de automação. Atualmente, começamos a ver veículos do nível três em escala comercial, carros que não são capazes de dispensar o motorista, porém, chegam cada vez mais perto da semiautomação.

No entanto, as tecnologias mais necessárias para a automação total ainda são vacilantes no que diz respeito ao mundo real. Não foram poucos acidentes causados por testes comerciais e, claro, também pela imprudência de motoristas.

Foram pessoas que deixaram o volante de lado para se distrair com outras coisas. Não foram poucos os casos de motoristas de carros da Tesla que confiaram cegamente nas novas tecnologias e se sentiram seguros ao ponto de viajarem no banco do carona ou até mesmo, pasmem, no banco de trás.

A matéria da Bloomberg falou com especialistas que dizem que a automação não apenas está distante, como ainda enfrenta dificuldades de execução que já impactaram na avaliação de empresas responsáveis pela empreitada.

Cerca de 100 bilhões de dólares teriam sido investidos para viabilizar algo que, até o momento, é inviável. O dado é da consultoria McKinsey & Co.

Uma das vozes detratoras é a de Anthony Lewandowski, um dos pioneiros dos veículos autônomos. O especialistas participou do projeto do Google antes de ir para o Uber, onde também desempenhou a mesma função até ser acusado de ter levado segredos do seu antigo empregador para a empresa de transporte.

A matéria se ancora também na desvalorização recente de companhias que pareciam promissoras e próximas da solução para esse novo salto tecnológico, mas que, atualmente, tiveram quedas enormes de valor. Foi o caso da Waymo LLC, criada como uma subsidiária do grupo Alphabet, dono do Google. A companhia chegou a ser avaliada no mercado em 175 bilhões de dólares, mas a última estimativa de valor foi de 30 bilhões.

Mas seria tudo isso um alarmismo? É inegável que a tecnologia não está pronta, segundo especialista ouvido pelo UOL Carros. A quantia mencionada pelo relatório da consultoria pode ser relativizada, embora seja muito dinheiro.

"100 bilhões de dólares podem ser capazes de tratar questões como desigualdade e pobreza, seria mais do que o suficiente. Porém, para essas empresas de tecnologia e do setor automotivo, não é tão absurdo", afirma Michel Braghetto, membro da Comissão Técnica de Segurança Veicular e mentor de Sistemas Autônomos da SAE Brasil.

Não são raros programas de desenvolvimento tecnológicos avançados que exigiam somas ainda maiores. Ainda que não seja um exemplo civil, o caça F-35 das forças armadas norte-americanas - e alguns países parceiros - terá um custo total de ciclo de vida superior a 1,5 trilhão de dólares. Está certo que os bolsos das empresas não são tão fundos quanto os do inflacionado conglomerado armamentista do país mais militarizado do mundo, mas é apenas para dar uma dimensão do quanto algo revolucionário pode exigir. E o programa está sendo igualmente questionado quanto ao nível de operação que, por ora, ainda está mais do que distante do ideal.

Voltando ao mundo dos carros, a tecnologia terá que ser robusta o suficiente para ter desenvoltura para enfrentar obstáculos que são estranhos aos sensores e algoritmos, mas que são perfeitamente identificáveis pelos motoristas. Pode ser uma condição climática, um cone pelo caminho ou uma situação em que o sistema identifique um risco não significativo para um ser humano, algo que pode fazer com que o automóvel pare abruptamente. Todos nós sabemos que isso pode causar um engavetamento, contudo, o veículo ainda não sabe disso.

Tal como visto na crise das empresas .com, é necessário levar em consideração o modelo de negócios e a maturidade de cada player envolvido na empreitada. "Há sempre empresas que não têm modelo de negócio, enquanto outras já nascem formatadas para a aplicação comercial e olham para o longuíssimo prazo. Investe-se bilhões para ganhar bilhões e, no caso dessas empresas, elas têm uma perspectiva completa", explica Michel

O especialista ressalta que se vislumbrava uma complexidade X, mas chegaram à conclusão de que a complexidade era maior do que a esperada. De acordo com ele, a realidade da condução totalmente autônoma deve chegar apenas ao redor de 2030, entretanto, é difícil cravar uma data, segundo o próprio.

Ainda de acordo com Michel, tudo terá que levar em consideração o elemento humano. "A gente tem o seguinte pensamento: 90% dos acidentes são causados por falhas humanas, que, em sua grande maioria, são causadas por fatores como imprudência, distração ou até o uso de substâncias. Ainda que o carro autônomo falhe, ele não vai cruzar um sinal vermelho", relembra o membro da SAE.

O especialista ressalta que o avanço tecnológico é algo exponencial, ou seja, não é linear. Quem diria que os celulares avançaram em menos de 20 anos de um modelo tijolão para virarem um iPhone. Foi nesse período que o grosso das tecnologias atuais surgiu.

"Essa é a maior disrupção de tecnologia que a indústria já viveu, algo que é superior até ao motor a combustão ou elétrico. Além disso, essas tecnologias podem ser aplicadas de maneiras diferentes por outras indústrias. Esses algoritmos, inteligência artificial podem ser úteis em outros segmentos, o que transforma a escala de investimento em algo mais fácil de ser retornada".
Michel Braghetto, mentor de Sistemas Autônomos da SAE Brasil

O caminho entre a tecnologia em ambiente controlado ao uso difundido nas ruas vem desde a operação do primeiro carro autônomo do Google, um simpático Toyota Prius, a base algorítmica e de sensores precisou ser facilitada por um circuito controlado. Até mesmo uma escolta de outros veículos foi requisitada e, a despeito disso, um incidente foi registrado pelo caminho.

Imagine só o nível de desafio em implementar isso no mundo real. Por enquanto, o ideal seria utilizar tais modelos em circuitos já mapeados, algo que transformaria a operação em algo ainda mais seguro.

Nem por isso os programas de automatização mais ousados deixaram de ser anunciados. Inclusive, alguns deles já são nível quatro de automação. O exemplo mais recente é do Uber. A companhia firmou uma parceria com a empresa Motional para começar o serviço de táxis autônomos ainda em 2022.

O veículo escolhido foi o Hyundai Ioniq 5, modelo médio - para o padrão brasileiro - totalmente elétrico. Longe de parecer um carro convencional, o automóvel possui sensores por toda a parte, dos para-lamas ao teto. Ainda estamos distantes dessa realidade, mas, segundo as notícias recentes, será uma questão de tempo. O problema é a pergunta: quando chegará esse tempo.

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