Topo

Sorrisos garantidos: como é rodar com Fiat 500 dos anos 50 pela Toscana

Roberto Agresti

Colaboração para o UOL

15/11/2022 04h00

Mais do mesmo? Não, obrigado. Nas férias inovar é preciso, e o paradoxo pode ser buscar novidade dando um pulinho ao passado, como se hospedar em um castelo, velejar em uma caravela ou... dirigir um carro vintage. Que tal?

Fuja do óbvio! Alugar a Ferrari último tipo na Itália é manjado demais, deixe isso para as viagens-ostentação a Dubai ou Las Vegas. Já para rodar sob o sol da Toscana, uma das mais encantadoras regiões do planeta, é melhor escolher um charmoso de Fiat 500F de 1965, carrinho-emblema da mobilidade dos italianos no pós-guerra, cujas formas foram reinterpretadas para dar vida aos Fiat 500 atuais, surgidos em meados dos anos 2000.

"La Cinquecento!". É assim mesmo, no feminino, que este ícone da mobilidade é chamado pelos italianos. Espécie de cappuccino sobre rodas, e todos têm uma história para contar na qual o simpático carrinho é protagonista: "Nonno Rolando tinha uma azul...", "zia Vittoria me levava para a escola na amarelinha..." e por aí vai. No cinema, a franquia de animação da Pixar "CARS" imortalizou o Cinquecento através do simpático Luigi, fã incondicional do astro Lightning McQueen.

O Fiat 500 foi o primeiro carro de toda uma geração de italianos que hoje está na casa dos 50-80 anos de idade, derivado de outro microcarro de sucesso, o Fiat Topolino (1936-1955). Circular com um Fiat 500 original, fabricado entre 1957 e 1975, significa receber vários sorrisos e acenos, e na hora de estacionar, ouvir muitas histórias.

Aliás, como a contada por Luca Floridia, dono da Drive the Vintage, que aluga vários Cinquecento imaculadamente preservados na cidade de Lucca, Toscana. Segundo o próprio, a mala colocada no bagageiro do Cinquecento que guiei era dos seus avós, usada na viagem de lua de mel feita - é claro - em um Fiat 500.

Mas não o que usei em uma tarde encantada na Toscana, rara versão "Ottobulloni", assim chamado por ter as dobradiças de suas portinhas fixadas por oito porcas - bulloni em italiano. Trata-se do primeiro dos Cinquecento com portas que abrem no sentido convencional, e não as ditas "suicidas" das primeiras versões.

Na hora da entrega para meu inesquecível giro saudosista, Luca explica que os serviços oferecidos pela Drive the Vintage seguem premissa semelhante às da culinária "slow food", ou seja, não se pode ter pressa. Nem para comer, nem para guiar, mesmo porque com um motor de 20 cavalos de potência ter pressa é inútil.

O conceito é o de saborear lentamente a paisagem dentro do pequeno Fiat de quase sessenta anos, mas que parece ter saído da fábrica ontem. Os roteiros na região de Lucca, cidade cartão-postal situada a poucos quilômetros de Florença e Pisa, são variados: em poucos minutos é possível chegar tanto na ensolarada costa do mar Tirreno (Viareggio é a localidade mais próxima) como nas montanhas da Garfagnana.

A Drive the Vintage pode providenciar não apenas o aluguel de um dos Cinquecento da frota como organizar viagens em grupo de até seis carrinhos, cuidando dos roteiros e reservas em restaurantes e vinícolas do entorno. No meu caso escolhi sair de cara para o vento, fazendo meu próprio roteiro, algo facilitado por já conhecer mais do que bem a região. Porém, mesmo quem nada sabe de Itália ou de Toscana vai achar o bom caminho facilmente afinal, como dizem os locais, "La Toscana é tutta bella". E é verdade.

Fiat 500F na Itália - Roberto Agresti - Roberto Agresti
Imagem: Roberto Agresti

Dar a partida no pequeno Fiat é curioso: ao girar a chave que fica bem no meio do painel as luzes-alerta acendem e nada mais acontece. Para efetivamente ligar o motor é preciso acionar uma das duas alavanquinhas colocadas ao lado do freio de mão entre os bancos (a outra é do afogador). O motor pega trepidando a carcaça do carro todo, mas logo se estabiliza em um típico pulso de bicilindro, familiar a quem sabe como funciona um motor de Harley-Davidson por exemplo.

Partiu Toscana

Vilarejos de conto de fada, arte saindo pelo ladrão, ruas milenares, oliveiras centenárias, campos forrados de vinhedos e girassóis. Este foi o cenário do meu passeio com "La Cinquecento" numa ensolarada tarde do começo do outono. A paisagem passa lentamente, e a tecnologia dos anos 1950 se coloca à serviço do prazer: nada de freios ABS, central multimídia ou trocentos airbags.

No lugar disso entram em cena um grande teto solar que deixa a luz - sob o sol da Toscana, lembram? - entrar aos baldes. Junto vem os perfumes da natureza, bastam poucas centenas de metros para me entender com a embreagem e o câmbio do Fiat, único item não original.

Segundo Luca, todos seus Cinquecento receberam um câmbio sincronizado no lugar do original, tipo "seco", que exigia a "doppietta": pisar na embreagem duas vezes a cada troca de marcha, uma para desengatar e outra para engatar, no melhor estilo motorista de caminhão das antigas.

Leve, curto, simples como uma caixa de fósforos, o Fiat 500F de 1965 é um sobrevivente saudável de uma era da indústria do automóvel onde tudo era mais simples e lento, onde o termo "conectado" não remetia a dados enviados por redes 4 ou 5G, mas aos elementos como vento, sol, chuva, ruído e vibrações.

Fiat 500F na Itália - Roberto Agresti - Roberto Agresti
Imagem: Roberto Agresti

Esta dolce vita perdida no passado pulsa no compasso de motorzinho projetado em uma época onde a preocupação com emissões - seja de gases nocivos ao meio ambiente ou ruídos - era nenhuma. Mas o Fiat 500F "Ottobulloni" da Drive the Vintage, com 75 mil quilômetros marcados no hodômetro, não fede nem faz fumaça. Funciona perfeitamente, surpreende pela desenvoltura e deixa claro porquê foi um sucesso durante quase duas décadas de mercado, vendendo a bagatela de mais de 5 milhões de unidades.

As pequenas rodinhas aro 12 calçadas com pneus mais estreitos do que os de algumas bicicletas oferecem uma estabilidade acima da expectativa. A direção é direta e as suspensões engolem o piso de estradas traçadas pelos romanos com valentia inesperada, mostrando que de frágil o Cinquecento tem só a aparência. Confortável não é a palavra certa para defini-lo, mas espaço interno e a ergonomia surpreendem. A sensação ao volante é agradável, com os minúsculos bancos vermelhos e brancos fazendo bem seu papel.

Ao final do dia, na hora de devolver o carrinho, tenho certeza de que a experiência valeu cada centavo de euro cobrado, cerca de 195 euro/dia. Seja para quem se interessa por automóveis, para quem simplesmente quer sair do lugar comum - ou ambos -, a breve jornada ao volante deste marco da história do automóvel é algo que ficará gravado na memória, experiência que no futuro será sempre lembrada com um sorriso, te fazendo exclamar como bom italiano, "Ah, la Cinquecento!".

Quer ler mais sobre o mundo automotivo e conversar com a gente a respeito? Participe do nosso grupo no Facebook! Um lugar para discussão, informação e troca de experiências entre os amantes de carros. Você também pode acompanhar a nossa cobertura no Instagram de UOL Carros.