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Por que carro popular virou solução mesmo sem dar lucro às montadoras

Linha de montagem da montadora chinesa Chery em Jacareí, no interior de São Paulo - José Patricio/Estadão Conteúdo
Linha de montagem da montadora chinesa Chery em Jacareí, no interior de São Paulo Imagem: José Patricio/Estadão Conteúdo

Alessandro Reis

Do UOL, em São Paulo (SP)

29/05/2023 04h00Atualizada em 29/05/2023 23h57

Principal foco do programa de incentivo para produção e venda de veículos que o governo Lula anunciou na última quinta-feira (25), os carros de entrada, mais conhecidos como carros populares, representam um desafio nos esforços de recuperação da indústria automotiva.

Com base na análise de especialistas, UOL Carros já havia alertado que o chamado carro popular traz baixa margem de lucro para muitas fabricantes.

Mesmo assim, o eventual aumento no volume de vendas e a redução na capacidade ociosa nas fábricas deverá compensar essa questão.

A partir do início da pandemia do coronavírus, há cerca de três anos, fatores como baixo volume de produção, escassez de semicondutores e alta no custo de matérias-primas fizeram os preços dos carros zero-quilômetro dispararem.

De fato, Renault Kwid e Fiat Mobi, atualmente os automóveis mais em conta do Brasil, têm preço inicial em torno de R$ 69 mil - no auge da crise dos semicondutores, muitas fabricantes começaram a priorizar a oferta carros ainda mais caros.

A intenção das montadoras, não apenas aqui no Brasil, foi de garantir maior lucratividade por veículo vendido - e, com isso, manter a viabilidade das respectivas operações.

Mesmo com a expressiva melhora na oferta de microchips, as fabricantes de veículos têm interrompido pontualmente suas atividades em nosso País e reduzido a quantidade de turnos nas respectivas linhas de montagem por causa das baixas vendas.

Para reverter esse quadro, Geraldo Alckmin, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços anunciou na semana passada a redução no IPI e no PIS/Cofins para veículos com preço de até R$ 120 mil - o que, segundo ele, resultará em uma queda de 1,5% a 10,96% no valor a ser pago pelos consumidores.

O percentual vai variar, segundo Alckmin, conforme preço, eficiência energética e nível de nacionalização dos componentes dos veículos.

Na última sexta (26), em entrevista à Globonews, Fernando Haddad, o ministro da Fazenda, informou que o pacote terá duração "de três a quatro meses".

Mais produção é crucial, mesmo sem dar lucro

O programa completo será detalhado em cerca de duas semanas e deverá incluir linhas de crédito mais baratas para a aquisição de veículos.

Considerando apenas o já confirmado corte nos impostos, os carros mais baratos do Brasil ainda vão custar mais de R$ 60 mil.

Ex-executivo de montadoras como Ford, Volkswagen e Jaguar Land Rover, Flavio Padovan afirma que as montadoras não têm condições de reduzir muito as suas margens de lucro para baratear seus carros de entrada - ainda mais com os itens de segurança obrigatórios e a redução de emissões compulsória que têm sido implementados nos carros brasileiros.

Mesmo assim, o consultor da Padovan Consulting avalia que esse alívio no preço será benéfico para a indústria, se estiver relacionado a oferta de crédito mais barato.

Realmente, as montadoras não conseguem reduzir mais suas margens com os carros de entrada. Por outro lado, aumentando o volume de vendas desses automóveis compactos, você tem um benefício muito grande na diluição dos custos fixos das fábricas, que sofrem com capacidade ociosa, hoje acima de 45%" Flavio Padovan, sócio da MRD Consulting

Por outro lado, Padovan se diz preocupado com a curta duração do desconto no IPI e no PIS/Cofins.

"O governo está fazendo o que pode, mas um tiro tão curto não vai resolver. Se ficar só nisso, logo as vendas voltam ao patamar anterior. Resta saber o que será anunciado sobre financiamento ao consumidor e se a taxa básica de juros será reduzida nos próximos meses".

'Carro de entrada tem extrema relevância'

Hoje, os carros mais baratos do País, como o Renault Kwid, custam quase R$ 70 mil  - Divulgação - Divulgação
Hoje, os carros mais baratos do País, como o Renault Kwid, custam quase R$ 70 mil
Imagem: Divulgação

Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea, a associação das montadoras, afirma que as medidas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderão, sozinhas, ampliar de 200 mil a 300 mil unidades as vendas de veículos neste ano.

"Durante a pandemia, houve naturalmente a preferência de algumas marcas por veículos com valor agregado mais significativo. Mas o mercado de carros de entrada não desapareceu. É um nicho de extrema relevância para as montadoras", analisa Leite.

O executivo acrescenta que "há interesse muito grande em aumentar o volume de vendas" e que as negociações da indústria com o governo federal foram "muito intensas", com participação ativa das montadoras.

O chefe da Anfavea vê, ainda, espaço para as fabricantes reduzirem ainda mais os preços com o pacote governamental - que será implementado por meio de medida provisória e cuja duração ainda será informada pelo Palácio do Planalto.

"Cada montadora tem a sua política de preços e ela sabe a sua cota, se ela tem margem para reduzir. A gente tem uma expectativa de que essa injeção de ânimo produza uma competitividade natural de preços. Mas carro 'pelado' e a retirada de itens de segurança estão fora de questão".

Cassio Pagliarini, sócio da consultoria Bright Consulting, também acredita que chegou a hora de elevar o volume de produção de veículos.

"Durante a pandemia, as montadoras recuperaram suas margens. É o momento correto de fazer algum esforço para conseguir maior volume. Se pensarmos em uma redução média de 6% a 7% no preço final, é, sim, possível um aumento no volume da indústria em 250 mil unidades em 12 meses".

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