Acidente a 180 km/h: seguro pode ser negado, como no caso de empresário?
Decisão unânime da 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina isentou a seguradora Sompo da obrigatoriedade de pagamento de seguro ao empresário morto no acidente do Mercedes-Benz AMG GT C a mais de 180 km/h na BR-101 em Biguaçu, na Grande Florianópolis (SC), em 2020. O valor da causa é de R$ 1.103.373 em danos materiais (referentes ao carro).
Por que isso aconteceu? Em qualquer situação similar, o resultado sempre seria a negativa da cobertura? Por mais dramática que tenha sido a forma como o fato ocorreu, levantando argumentos tanto a favor quanto contra a decisão, não se trata de um assunto tão simples quanto parece e, por isso, deve ser analisado caso a caso.
Na ocasião do acidente que vitimou o empresário Roberto Angeloni, que tinha 51 anos quando morreu, uma série de questões tiveram que ser levadas em consideração. Entre elas, que:
A velocidade da via naquele trecho era de 80 km/h. Segundo a perícia, a batida teria ocorrido a mais de 180 km/h, mas antes o empresário estaria a pelo menos 221 km/h
Durante o acidente, uma Ford Ranger com dois ocupantes foi atingida. Nada ocorreu com o motorista, mas a passageira sofreu ferimentos leves
Além disso, segundo os autos:
O sinistro ocorreu em plena luz do dia, com céu limpo, pista seca e visibilidade ampla, sem cerrações, fumaça ou outras condições desfavoráveis. O pavimento asfáltico, embora antigo, não apresenta deteriorações, apenas um defeito de geometria chamado 'salto de deflexão', que pode ter contribuído para a perda do controle do veículo sinistrado e início do processo de derrapagem"
[O veículo] alterou a trajetória para a esquerda e, ao manobrar abruptamente para a direita, perdeu o controle de direção, iniciando processo de derrapagem, colidindo lateralmente com uma caminhonete que transitava pela faixa de rolamento ao lado, no mesmo sentido da via, posteriormente, com uma caixa de alvenaria para medidor de energia e, por fim, contra um poste, quando o veículo se partiu em dois".
Por que a decisão isenta a seguradora de cobrir?
Rodrigo Marmo Malheiros, que é consultor jurídico, professor e sócio-proprietário da Marmo & Malheiros Advogados, explica o que costuma servir de embasamento para os contratos de seguros.
"Negligência, imprudência e imperícia são elementos da culpa (quando não há intenção por trás do cometimento do ilícito). Os seguros fazem limitações contratuais dentro da culpa para determinar o que terá cobertura e o que não - sendo um dos exemplos básicos o não pagamento de seguro de um veículo conduzido por alguém não habilitado", afirmou.
"Entretanto, via de regra, a culpa nunca poderá ser fator limitante para a cobertura das seguradoras, que nunca poderão negar pagamento do sinistro que tenha ocorrido por simples imperícia, imprudência ou negligência - que são riscos previamente mensurados".
"De todo modo, quando há agravamento da culpa, aí o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido, com base em disposição do Código Civil, que se trataria de dolo eventual - que significa que a pessoa assume um risco muito grande e desnecessário. Nas cláusulas dos contratos de seguro não há qualquer previsão de cobertura nessas circunstâncias".
Além disso, o especialista analisou os autos do caso do empresário para entender os argumentos da jurisprudência e o que foi levantado pela perícia. A partir disso, discorre sobre se (ou quando) a decisão poderia rumar para outros caminhos.
"No caso do empresário, a partir de uma série de análises criteriosas, o juiz entendeu que, ainda que os ressaltos do pavimento por onde passou o carro do empresário tivessem contribuído para a causa do acidente, o fato de ele estar a 180 km/h em uma via de 80 km/h configura agravamento da imprudência e, assim, a configuração do dolo eventual".
"É como se eu estivesse com intenção pretérita de cometer o delito, ainda que de maneira implícita na eventualidade. Nos próprios autos, a jurisprudência correlaciona a atitude do condutor com aquela onde o acidente é causado por embriaguez ao volante - o que também é dolo eventual".
"Ainda assim, cada caso é um caso e todos devem ser analisados de forma individual. Se, por exemplo, o falecido não estivesse tão acima do limite regulamentado daquela via, mas a fatalidade ainda viesse a ocorrer, o juiz poderia entender que a velocidade excedente não seria o fator mais determinante para o acidente, mas sim o relevo desfavorável do asfalto. Assim, não haveria configuração de dolo eventual e o seguro seria obrigado a cobrir".
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