Aluna de autoescola atropela e mata pedestre; quem é culpado pelo acidente?
No último dia 7, uma aluna de autoescola matou uma pedestre por acidente em Alexânia (GO). O fato ocorreu enquanto prestava prova para tirar habilitação e, conforme ela depôs à polícia, se confundiu com os pedais do veículo. A vítima estava esperando o seu momento na fila quando foi atropelada (junto de outras duas, que passam bem).
Testemunhas relataram à polícia que o acidente aconteceu enquanto a aluna tentava estacionar o carro. Na tentativa de fazer a manobra, segundo as testemunhas, o instrutor pediu que a motorista se aproximasse do meio fio, momento em que três pessoas foram atropeladas.
O caso ainda será julgado, mas uma pergunta que surge agora é: quem será o responsável pelo acidente? A aluna (que, naturalmente, não é uma pessoa habilitada) ou o instrutor/avaliador? Jessen Pires de Azevedo Figueira, que é advogado, consultor e assessor jurídico, nos ajudou a esclarecer o que está por trás dessa fatalidade e como as leis vão balizar o desenrolar dessa história.
De quem é a culpa?
"Os centros de formação de condutores (CFC) e os seus instrutores, se não o Detran e o avaliador sob vigilância e autoridade do veículo, são responsáveis em casos de acidentes provocados por aprendizes (alunos) durante as aulas e avaliações, em vias públicas, ao volante de carros, ônibus e caminhões", afirma o Figueira.
"No caso das autoescolas, o entendimento já consolidado é o de que os alunos firmam um contrato de prestação de serviços com elas. O documento prevê, como regra legal, a responsabilização objetiva dos CFCs (conforme previsto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor) em casos de acidentes que venham a resultar em lesões (incapacitantes ou não), ferimentos ou mesmo em mortes a seus alunos ou terceiros durante as aulas. Ou seja, sob sua vigilância e autoridade, o dever da instituição e dos profissionais é garantir a segurança a todos", explica o especialista.
"Já no caso da realização das avaliações para tirar a habilitação, a responsabilidade civil do Estado é disciplinada no artigo 37 parágrafo 6º da Constituição Federal de 1988, que diz que 'as pessoas jurídicas de direito público e as de direito provado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito'", acrescenta.
Jessen descreve que existem alguns fundamentos primários para a resolução do caso que ocorreu com a aluna em Goiás (assim como para outros que possam vir a ocorrer). São eles:
Os veículos de aprendizagem são adaptados (com pedais extras para o controle do instrutor, por exemplo), podendo o profissional - se assim for necessário - utilizar os artifícios para evitar acidentes
Por isso, os instrutores agem de forma negligente quando não afastam o perigo - em situações nas quais há possibilidade de intervenção
No caso das autoescolas, a jurisprudência entende que elas são responsáveis pois são elas que se beneficiam das atividades de risco. Isso é chamado de 'Teoria do Risco'
Em caso de ser o avaliador do Detran a bordo, enquadra-se responsabilidade objetiva do estado (quando os atos praticados pelos agentes públicos resultam em prejuízos ou danos a terceiros, mesmo sem culpa. Para a sua caracterização, basta a ocorrência do dano, a ação ou omissão administrativa e o nexo causal)
Exceções: Apesar de serem mais raras, há ocorrências nas quais houve dolo (intenção de agir) por parte do aluno. Se, dentro destes moldes, venha a provocar de forma deliberada o acidente em questão, aí sim será responsabilizado. Entretanto, a própria comprovação que incriminaria o aluno é de difícil comprovação na prática
Exemplo prático com desfecho
Em agosto do ano passado, o Centro de Formação de Condutores (Centro Sul) e um instrutor foram condenados a indenizar um pedestre que foi atropelado por veículo conduzido por aprendiz em Brasília.
A 4ª Turma Cível do TJDFT observou que a autoescola responde pelos danos resultantes de atropelamento causado por manobra irregular de aprendiz que dirigia sem supervisão.
O autor havia contado que caminhava pela calçada quando sofreu uma pancada nas costas, o que resultou em sua queda. Relata que, em seguida, o condutor do veículo da autoescola realizou manobra brusca de ré e passou por cima da perna direita.
Para piorar, o instrutor estava fora do veículo no momento do acidente, o que contraria as normas de trânsito e, inclusive, serviu de gancho para a vítima - que passou mais de 50 dias internada - afirmar que foi atitude negligente aos magistrados.
Decisão da 1ª Vara Cível de Samambaia condenou o centro de formação e o instrutor a pagar, de forma solidária, a quantia de R$ 40 mil, referente aos danos morais e estéticos. A vítima, no entanto, pediu aumento no valor da indenização.
Os réus recorreram sob o argumento de que não cometeram ato ilícito e que houve culpa exclusiva da vítima. Informam que o local onde ocorreu o acidente é usado por vários centros de formação de condutores e que o autor, ao invés de usar a calçada, atravessou por trás do veículo conduzido pelo aprendiz.
Ao analisar os recursos, a Turma explicou que, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), é do motorista que realiza a manobra em marcha ré a responsabilidade pela segurança do deslocamento. O colegiado observou ainda que o fato de caminhar pelo estacionamento não é suficiente para demonstrar que houve culpa da vítima no acidente.
No caso, segundo a Turma, houve culpa do instrutor, que permitiu que o veículo fosse dirigido sem sua supervisão por aprendiz, quanto da autoescola. "O atropelamento foi provocado pela manobra irregular do aprendiz e pela omissão do (...) instrutor quanto à supervisão necessária, de maneira a tornar patente a sua responsabilidade e da (...) autoescola", registrou.
Quanto às indenizações, o colegiado pontuou que "o autor sofreu severas lesões corporais, passou por longa internação e realizou cirurgias ortopédicas, razão pela qual faz jus a indenização por dano moral". Além disso, segundo a Turma, "o pedestre ficou com cicatrizes permanentes e deformidade na perna direita, além de debilidade - também permanente - da locomoção".
Dessa forma, a Turma concluiu que "a gravidade e consequências das lesões justificam a majoração" das indenizações e deu provimento ao recurso do autor para fixar em R$ 60 mil o valor total das condenações. Assim, o instrutor e a autoescola foram condenados a pagar, de forma solidária, R$ 30 mil a título de dano estético e R$ 30 mil por danos morais. A decisão foi unânime.
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