Será que voa? Pedreiro constrói helicóptero com motor de Fusca na Bahia

Junte um motor de Fusca, um banco de ônibus, algumas chapas de fibra de carbono e outras de alumínio aeronáutico, além de cola, porcas, parafusos, lixadeira, trena e planímetro. O resultado? Um protótipo de helicóptero brasileiro, ao custo inferior de R$ 50 mil, inventado, projetado e construído pelo pedreiro Antonio de Matos, na Bahia.

Mas será que um protótipo tão simples consegue voar? Seu criador diz que sim. Que o motor de Volkswagen Fusca, apesar de não ter potência elevada e apresentar uma quantidade menor de rotações, é suficiente para fazer a aeronave de Antonio se erguer a pelo menos entre 15 a 20 metros de altura. Ao menos é no que ele acredita, já que, até o momento, ele ainda não pôde testá-la em campo.

Aos 43 anos, Antonio se diz semianalfabeto. Nascido e criado numa cidadezinha com pouco mais de 33 mil habitantes no norte da Bahia, a 241 quilômetros da capital, Salvador, ele teve uma infância difícil financeiramente. Os pais não tinham condições de proporcionar a ele e aos irmãos carrinhos, aviões e trenzinhos.

"Desde criança fabrico meus brinquedos. Fazia os meus carrinhos com lata de óleo, nunca teve tempo feio para mim, não. Eu cortava, dobrava a lata, colocava rodinhas de madeira que eu mesmo lixava. E assim fui levando a vida", contou, em entrevista ao UOL.

Os estudos, ele teve que abandonar aos 16, enquanto ainda cursava a 6ª série do ensino fundamental, após engravidar a garota com quem namorava e ter que abandonar a escola para se casar com ela. A interrupção dos estudos, porém, não o impediu de manter a mente aguçada e com facilidade para cálculos matemáticos.

Graças a essa facilidade, ele alimentou por décadas o desejo de aprender a construir e poder voar em um helicóptero, a aeronave pela qual tinha a maior fixação quando criança. Porém, com os filhos crescendo e a necessidade de manter a casa, o sonho foi sendo adiado. Assim, ele trabalhou como pintor, encanador, eletricista e pedreiro até que, em 2018, surgiu a oportunidade de começar a pesquisar sobre o assunto na internet.

Cinco anos de estudos

Antonio pesquisou durante cinco anos na internet para viabilizar o projeto do helicóptero, construído em 11 meses
Antonio pesquisou durante cinco anos na internet para viabilizar o projeto do helicóptero, construído em 11 meses Imagem: Arquivo Pessoal

Durante cinco anos, Antonio pesquisou, leu textos especializados, buscou informações, assistiu tutoriais. Até que, em 2022, com um dinheiro que juntou durante esse tempo, começou a comprar o material para a construção do seu protótipo.

Continua após a publicidade

Ele cortava e modelava as chapas usando apenas uma lixadeira elétrica. A maioria das peças ele mesmo construiu, com exceção do banco e do motor. Em onze meses, ele estava pronto e ganhava até nome: AntonioCG.

Eu trabalhava à noite, quando chegava do trabalho, até duas, três horas da manhã. Durante quase um ano eu dormi umas três, quatro horas por noite só. Meu foco era a construção do helicóptero. Aos finais de semana, em vez de descansar, ficava na minha oficina improvisada e continuava trabalhando. Meus filhos, que moram comigo, me apoiavam, traziam um lanchinho, água, tudo para eu não precisar parar. Quando ele ficou pronto, que liguei o motor e as hélices giraram, eu chorei. Chorei feito criança.
Antonio de Matos

O pedreiro conta que os vizinhos riam dele durante todo o tempo em que ele se dedicou à construção do protótipo. Faziam piadas maldosas. Mas Antonio seguia firme, sem dar atenção às chacotas. "Me chamavam de louco, pirado. Mas ajudar que é bom, ninguém ajudou. Nem prefeitura, nem empresários. Fiz tudo sozinho mesmo. Com a ajuda de Deus. Não tenho carro, nem moto, ando de bicicleta para economizar. Mas agora tenho um helicóptero", declara, orgulhoso.

Aeronave experimental

Antonio afirma que chegou a investir entre R$ 45 mil a R$ 50 mil na construção do protótipo, que conta com um banco de ônibus para o lugar do piloto e possui apenas 220 quilos de peso total - 30 quilos a menos do que as aeronaves classificadas como sujeitas à autorização do órgão para a realização de voos, diz

"Como é uma aeronave experimental, eu posso colocá-la em voos curtos, em locais não habitados, sem precisar de autorização da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil]. Pesquisei tudo antes de começar o projeto. Não posso usar aeroportos ou pistas autorizadas, apenas fazer experiências em locais desabitados".

Continua após a publicidade

O pedreiro busca parcerias para substituir o motor de Fusca por outro maior e mais potente, o que seria suficiente para o helicóptero subir a uma altura de até mil metros. Na opinião de Antonio, que planeja testar a aeronave em campo até o ano que vem, seu protótipo pode servir como modelo para a construção de aeronaves leves e eficientes, a um custo muito baixo.

Helicóptero 'simples' custa R$ 1 milhão

Para se ter uma ideia, o preço médio de um helicóptero de modelo simples, no mercado brasileiro, chega a R$ 1 milhão. No site Voesp.com, um modelo Robinson R22, com dois lugares, pode ser encontrado por 12 parcelas de R$ 99,9 mil. O modelo mais caro, o Agusta Power Aw109, pode sair por 12 parcelas de R$1 milhão 999 mil. Mesmo o helicóptero mais barato do mundo, o Mirocopter SCH-2A, anunciado pela empresa Rototrek, não custa menos de R$ 188,9 mil (US$ 37,5 mil), sem contar os impostos.

Exigências legais

Antonio ainda deve preencher uma série de requisitos necessários por lei para conseguir realizar o tão sonhado voo experimental.

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) informa que o helicóptero projetado pelo pedreiro pode ser enquadrado como aeronave de construção amadora, Isto é, o produto deve ser construído unicamente para a própria educação ou recreação do interessado.

Para obter o certificado para uma aeronave de construção amadora, que autorizará o voo experimental, o construtor amador deverá demonstrar, quando a aeronave estiver completa, que realizou a maioria das tarefas da lista de verificação de fabricação e montagem de aeronave de construção amadora.

Continua após a publicidade

A partir daí, acrescenta a agência, o interessado terá de apresentar, ainda, a avaliação de um engenheiro aeronáutico que se responsabilizará tecnicamente por verificar se a construção foi feita de acordo com práticas adequadas.

Mesmo com essa verificação, o helicóptero não poderá sobrevoar áreas densamente povoadas. O piloto deverá ser habilitado para realizar essa operação. O construtor deverá pagar, ainda, uma TFAC (Taxa de Fiscalização) para análise do processo e possível emissão do Cave (Certificado de Autorização de Voo Experimental), no valor de R$ 400.
Agência Nacional de Aviação Civil

Deixe seu comentário

Só para assinantes