VW Gol pioneiro que foi 'mico' e teve vida curta renasce como colecionável
Julio Cabral
Colaboração para o UOL
02/05/2024 04h00
Motor 1.0 turbinado é uma receita que hoje equipa boa parte dos hatches compactos vendidos no Brasil, mas era uma novidade e tanto em 2000, quando a Volkswagen lançou Gol e Parati 1.0 16V turbo.
Ambos foram pouco vendidos na época, entretanto, hoje podem ser considerados clássicos.
Há 24 anos, quando Gol e Parati receberam versão com o emblema "16V Turbo" na tampa traseira e nas laterais, o motor 1.0 turbo era uma alternativa um pouco mais em conta ao propulsor 2.0 aspirado que também equipava esses modelos.
Longe de ser apenas um desafio técnico, a criação foi impulsionada pelas regras de mercado. O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) era de 10% para os propulsores de um litro contra 25% dos motores de maior litragem. Assim nasceu esse atual clássico. A Ford seguiu o mesmo caminho com um propulsor 1.0 com compressor volumétrico, o chamado Supercharger, no Fiesta e no EcoSport - carros igualmente raros e pouco vendidos.
Gol Turbo preservado
Em exemplar 2001 do Goi Turbo com baixa quilometragem ilustra esta reportagem e está anunciado pelo comerciante especializado em clássicos brasileiros dos anos 1980 e 1990 Reginaldo Ricardo, o Reginaldo de Campinas. O valor pedido não difere muito do preço sugerido de um VW Polo TSI zero-quilômetro - também equipado com motor 1.0 turbo e câmbio manual.
Representante da linha G3, a primeira grande reestilização do Gol bolinha, o Gol 16V Turbo conta com 112 cv a 5.500 rpm e 15,8 kgfm a 2.000 rpm. O quatro cilindros é movido a gasolina - somente em 2004 a VW lançou o primeiro automóvel flex do mercado, o Gol Total Flex.
Ganhava em potência dos 111 cv e 17,3 kgfm a 3.000 rpm do Gol 2.0 e perdia um pouco em torque, mas com a vantagem de ter a entrega total 1.000 rpm mais cedo. O propulsor faz bonito mesmo diante do atual 1.0 12V turbo do VW Polo atual, três cilindros de 116/109 cv e 16,8 kgfm a 1.750 rpm (etanol/gasolina).
Mais interessante do que esses dados é verificar o aumento de rendimento em relação ao motor 1.0 16V aspirado de então. Eram apenas 70 cv e 9,4 kgfm a elevados 4.500 rpm. Se ele levava 14,5 segundos de zero a 100 km/h, o turbinado baixava esse número a 9,5 s, um segundo a menos que o exigido pelo Gol 2.0 da época. Fazer a prova abaixo da barreira dos 10 s ainda é uma distinção atualmente.
Porque Gol Turbo foi 'mico'
Dito tudo isso, por que o mercado não abraçou o motor turbo no VW Gol? Naquela época, esse tipo de motorização não inspirava tanta confiança - afinal, estamos falando de um mercado em um tempo no qual os aspirados dominavam. Muitos preferiram levar o 1.6 8V para casa, já que o 2.0 era bem mais caro. A maior linearidade dos aspirados talvez tenha pesado.
O preconceito contra os carros turbo foi desfeito pouco a pouco. É só lembrar que a VW lançou o 1.0 TSI do up em 2015 evitando chamá-lo de turbinado, já que a proposta mecânica era sofisticada e bem diferente de uma adaptação, uma visão que os consumidores ainda tinham sobre carros sobrealimentados.
Francamente, embora também seja 1.0, o propulsor do Gol Turbo era bem diferente do original. Para responder bem em baixa, foi adotado comando variável de abertura de válvulas. A durabilidade foi reforçada pelos pistões forjados arrefecidos por jato de óleo e outros componentes mais resistentes, cuidados que atestam a busca por confiabilidade mecânica. Pena que levou um tempo para os consumidores brasileiros passarem a confiar em motores do tipo.
A tocada era um pouco diferente dos 1.0 atuais -fazia-se necessário manter o giro um pouco acima para sentir a potência
"Eu andei nesses carros na época e em um tempo depois. Antes dos 2.000 e 3.000 giros, era um 1.0 normal, você precisava ficar com as rotações altas para ele andar mais", relembra Silvio Luiz, sócio da loja de automóveis clássicos Old is Cool Motors.
A despeito do destaque do carro ser o motor, muitos alteraram os projetos por conta de um detalhe jurídico.
"Alguns trocam o motor 1.0 por um 1.6 ou 1.8 turbo. O documento diz que é turbo, então os policiais não sabem que o carro pode ter um motor maior de 500 cv, por exemplo", diz o especialista.
Voltando ao Gol Turbo original da VW, a carroceria de três portas reforça a esportividade da mesma maneira que os faróis com máscaras escurecidas e o aerofólio integrado. Hoje em dia, hatches com cinco portas são mandatórios até nos modelos mais simples e baratos.
No Gol Turbo, há ar-condicionado, direção hidráulica e vidros elétricos, kit que nem sempre estava em um 1.0 normal. O toca-fitas da Volksline completa o pacote saudosista. O painel em cinza claro e preto trazia uma dose extra de sofisticação. Aliás, o Gol G3 deu um salto na aparência interna para aproximá-lo da linha europeia da VW, representada no Brasil pelo então nacionalizado Golf.
"Para o pessoal que gosta de VW, ele é um Golzinho G3. Ele estava alinhado com o que havia lá fora. O painel tinha mostradores iluminados em roxo e até ponteiro iluminado em vermelho. Quando você escutava turbo na sua cabeça, era o carro mais rápido do mundo. Esse modelo tem um lugar especial para a minha geração de 30, 40 anos", elogia Silvio.
O papel de hatch compacto bem equipado foi ocupado pelo Polo, deixando ao modelo a tarefa de representar a marca no segmento de entrada, algo que ficou ainda mais claro no Gol G4.
"O Gol Turbo morreu quando tiraram a redução do IPI", explica Silvio. Não foi o único 1.0 da VW que também deixou de fazer sentido. "Eles tinham acabado de lançar um Polo 1.0, e ele micou, custava o mesmo preço de um 1.6", complementa.
Sem ter feito sucesso, o Gol 1.0 turbo saiu de linha em 2003, um período curto de produção que o transformou em um raro exemplar, especialmente se todo original e bem conservado. O preço em torno de R$ 100 mil nem parece tão elevado diante do status de colecionável do hatch.
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