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Ferrari enferrujada no ABC é leiloada por R$ 122 mil 18 anos após apreensão

Ferrari Dino GT4 1975 em foto recente, publicada em site de leilões judiciais de SP; veículo já tem lance superior a R$ 65 mil Imagem: Divulgação

Alessandro Reis

Do UOL, em São Paulo (SP)

08/07/2024 11h59Atualizada em 08/07/2024 17h41

A Ferrari Dino 208 GT4 1975 que foi apreendida em 2006 em Santo André, no ABC Paulista, por suspeita de adulteração do chassi e importação ilegal, foi leiloada nesta segunda-feira (8).

Conforme o site da Sanches Leilões, o esportivo italiano consta como vendido, arrematado por R$ 122 mil, após receber 40 lances. O comprador, cuja identidade é desconhecida, é de Guarulhos (SP), fez três ofertas e superou, nesta manhã, o lance mais alto até então, de R$ 118 mil.

O valor foi muito superior ao lance mínimo, de apenas R$ 1.092,50.

Segundo laudo da Justiça Federal, o baixo valor atribuído à Ferrari se deu por estar em "péssimo estado de conservação", sem funcionar e com a respectiva lataria "completamente deteriorada pela ferrugem".

O carro está atualmente em um pátio da Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP) e, durante a maior parte dos últimos 18 anos, permaneceu exposto aos efeitos do clima em outro pátio, da Prefeitura de Santo André, também no ABC.

Por que Ferrari enferrujada é uma relíquia

Ferrari Dino 208 GT4 tinha motor 2.0 V8, 4 assentos e desenho do estúdio Bertone Imagem: Divulgação

Conforme apuração do UOL Carros, a Ferrari Dino 208 GT4 disponibilizada no leilão é a única da mesma cor e ano registrada no Brasil.

Apesar do mau estado de conservação, consequência do longo período sob o sol e a chuva, a Dino enferrujada do ABC pode ser considerada uma relíquia e exemplares no exterior já foram adquiridos por preços elevados para os padrões brasileiros.

Aqui, não existe Tabela Fipe para esse modelo específico - até por contar com apenas um exemplar no país.

Para se ter uma ideia, uma Dino 208 GT4 1975 em bom estado foi leiloada em 2022 em Paris, França, pela RM Sotheby's por 37.950 euros (cerca de R$ 230,4 mil na conversão direta e na cotação atual, sem incluir os custos de uma eventual importação para o Brasil).

Versões anteriores da Dino, como a 246 GT, lançada em 1969, valem muito mais: uma unidade de 1973 foi leiloada em Londres em 2019 por nada menos de que 432,5 mil libras (aproximadamente R$ 3,03 milhões).

Também consultamos um colecionador do interior de São Paulo, que preferiu não se identificar. Ele estima que uma 208 GT4 inteira custe US$ 45 mil (R$ 247 mil) no mercado brasileiro. "Encontrei uma unidade azul, de outro ano, em Campinas (SP), com a intenção de restaurar. Acabei desistindo, por considerar que não valia a pena"

Ferrari de pobre?

Imagem: Divulgação

O youtuber britânico Scott Chivers, do canal 'Ratarossa', é especializado em encontrar modelos da marca por pechinchas, que ele reforma na garagem de casa.

Em entrevista concedida ao UOL Carros em 2020, Chivers conta que a primeira Ferrari adquirida por ele foi justamente uma Dino GT4, pela qual pagou 2.000 libras (R$ 14 mil) há cerca de 30 anos. Porém, depois ele teve de desfazer o negócio por conta de problemas com documentação.

Há quatro anos, compartilhamos algumas fotos do exemplar que repousa no ABC paulista.

"Parece em condição similar à GT4 que branca que quase comprei anos atrás. São carros que sofrem muito com ferrugem. Seria um desafio trazer essa Ferrari amarela de volta à vida, sem contar as questões legais", opina - o veículo colocado em leilão, de fato, tem restrições judicial e tributária.

Scott Chivers lembra que a Dino era menosprezada, mas atualmente uma unidade perfeita pode valer bastante dinheiro: "Por muitos anos, a Dino era considerada 'Ferrari de pobre', mas hoje seu preço disparou e você não encontra uma decente por menos do que dezenas de milhares de libras".

"Especificamente em relação à 208 GT4, por muitos anos ela foi considerada uma Ferrari 'de entrada' e quase ninguém apreciava o desenho da Bertone. Quando chegou ao mercado, você poderia comprar uma por menos do que 10 mil libras [R$ 70 mil]".

Como a Ferrari foi apreendida

Foto da Ferrari Dino GT4 divulgada em site de leilões mostra estado atual do esportivo da marca italiana Imagem: Divulgação

De acordo com o boletim de ocorrência da apreensão da Ferrari em 2006 pela Polícia Civil de São Paulo, na época o veículo estava registrado no nome do romeno Ferry Lazar, que morreu em 2014.

Segundo o boletim, a Ferrari foi apreendida em Santo André por suspeita de adulteração de chassi, após denúncia feita pelo próprio Ferry em 2006.

O boletim diz, com base em relato do romeno, que a Dino desapareceu em 2002, após ele deixar o veículo em uma oficina mecânica para reparos em fevereiro daquele ano. Algum tempo depois, ele retornou ao estabelecimento, que havia fechado, e não conseguiu mais contato com o dono do comércio.

Bruno Richter Lazar, filho de Ferry, foi surpreendido pela notícia do leilão. Recentemente, ele diz ter conseguido na Justiça o reconhecimento da parternidade e ainda pretendia recuperar a Ferrari e restaurá-la.

Bruno diz que não via o pai desde quando era criança e a Ferrari tem um signifcado muito especial.

"Eu e meu pai nunca vivemos juntos, isso era um sonho na época para mim. Isso fez com que me afastasse porque não conseguia conviver em família com ele, não conseguia ter esses momentos" diz.

Bruno ainda sonha que a Dino seja restaurada e, mesmo sem poder rodar em vias públicas, por ser considerada sucata, seja preservada em alguma coleção ou museu.

Quanto custaria reformar a Ferrari Dino

Foto recente exibe o interior da Ferrari. bastante deteriorada após quase 20 anos exposta ao tempo Imagem: Divulgação

Quanto custaria restaurar essa Ferrari e deixá-la em perfeitas condições?

Há quatro anos, nossa reportagem consultou especialistas e exibiu para eles as fotos do veículo para ter uma noção do trabalho e do dinheiro necessários para devolver a Dino à vida.

Na hipótese da Dino leiloada em 2022, caso fosse legalmente trazida ao Brasil. custaria mais do que o dobro do valor informado acima.

No caso específico da Ferrari de Santo André, sua restauração completa pode superar esses valores e facilmente passar de R$ 1 milhão. A estimativa é de Kauê Barbosa, da Via Italia, representante oficial da marca italiana no Brasil.

A reportagem do UOL fotografou a rara Ferrar Dino GT4, ainda no pátio de Santo André, em 2020 Imagem: Amanda Perobelli/UOL

"É uma pena um carro como esse, único exemplar no Brasil, estar abandonado. Por ser um veículo antigo, um carro com quase 50 anos de idade, encontrar as peças é mais difícil. Se a restauração fosse realizada em nossa oficina, única e exclusiva da Ferrari no País, eu usaria apenas peças originais", diz Barbosa, em entrevista concedida em 2020.

Se o proprietário solicitar o certificado Classic da Ferrari após a restauração, a conta fica ainda mais alta.

"Nós estamos aptos a emitir esse certificado, que atesta perante a fábrica em Maranello que o veículo está em suas condições originais, apesar de ter sofrido uma restauração. Quanto mais antigo o carro, mais caro é esse certificado".

Faça você mesmo

Logotipos do carro ainda são visíveis na parte externa; pintura original era azul Imagem: Amanda Perobelli/UOL

Há quem diga ser possível "reconstruir" a Dino enferrujada por menos dinheiro - isso se o veículo estivesse na Inglaterra e o próprio dono se encarregasse do serviço, usando peças paralelas.

"O único modo de restaurá-la sem gastar uma fortuna seria comprar e fazer o serviço por conta própria. Precisa ter muito conhecimento de funilaria e mecânica. Isso reduziria muito o custo da mão de obra, que é extremamente elevado", opina Scott Chivers.

Imagem: Amanda Perobelli/UOL

"Considerando que essa Ferrari enferrujada ainda tenha motor e transmissão, consertar esses componentes e a carroceria custaria cerca de 20 mil libras [R$ 143 mil]. Se for possível manter alguns dos painéis e substituir as partes oxidadas por meio de solda, isso pouparia muito dinheiro. Assim, o projeto valeria a pena. Hoje você encontra os componentes na internet com maior facilidade e por preços muito mais baixos do que há três décadas".

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