Como brasileira fez fortuna sendo rainha da máfia do Uber nos EUA
Em Boston, vestida de branco da cabeça aos pés e com balões com o número 2024 ao fundo. O registro marca a primeira passagem de ano da sorocabana Priscila Barbosa, 37, longe das grades, desde o momento de sua liberdade há oito meses.
A brasileira cumpriu "dois anos, seis meses e oito dias", como Priscila faz questão de dizer à reportagem, cronometrando cada dia de seu tempo na prisão, que foi reduzido por bom comportamento - hoje, ela já pagou o que devia à justiça dos EUA.
Seu crime foi falsificar cerca de duas mil contas da Uber, Lyft, DoorDash e de outros aplicativos de comida, entrega e transporte. Os perfis eram alugados para imigrantes que não poderiam trabalhar.
Priscila fazia parte de um grupo de 19 integrantes [contando com ela], que mantinham comunicação em grupo, ironicamente intitulado de "Máfia" no WhatsApp - e que faturou US$ 780 mil, mais de R$ 4 milhões, até ser desarticulado pelo FBI em 7 de maio de 2021.
De motorista de Uber a US$ 10 mil por mês comprando dados
Em 2018, a brasileira chegava aos EUA, aos 32, com um visto de turista e deixando para trás as terras brasileiras e o negócio por delivery de comida saudável, maneira que encontrou para conseguir dinheiro por causa da dificuldade de conseguir emprego.
Mas a expectativa de encontrar uma nova vida no país sendo motorista de Uber tomou um rumo inesperado, quando o conhecido que havia feito a proposta para ela sumiu.
"Encontrei ele tempos depois, ele ficou assustado, mas não conversamos. Ele tinha dito que me ajudaria, que poderia ficar na casa dele até me estabilizar e comentou que ser Uber aqui dava dinheiro", conta Barbosa a Carros.
A brasileira deu seu jeito, trabalhou no ramo alimentício, e depois, com uma conta da Uber alugada ilegalmente por cerca de um ano, já que como turista, não poderia exercer a atividade.
Tempos depois, a lógica mudou: Priscila passou a ajudar no aluguel dessas contas a outros imigrantes. E com um pouco de engenharia social e conhecimento em sistemas, área em que tem formação no Brasil, passou a coletar e driblar as barreiras das plataformas.
Comprava dados na dark web, é como um marketplace de dados, tem de tudo, você escolhe o que quer. Pagava de US$ 10 a US$ 25 pelos documentos, como seguro social e carteira de motorista. Criava contas e alugava por US$ 250 por semana para imigrantes, conta Priscila Barbosa.
De motorista ilegal com conta fake na Uber, Barbosa passou a ser a cabeça do grupo. Sua habilidade de burlar as plataformas lhe rendeu US$ 10 mil (mais de R$ 55 mil) por mês com o aluguel de contas.
Coroada rainha da 'Máfia da Uber' e um crime sem vítimas
Conversando com outras pessoas que faziam o mesmo que eu, um deles, mais antigo na fraude, brincava que me saí melhor que o professor. Descobri como burlar quando as companhias colocam algum bloqueio para dificultar
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Quero receberEu enxergo o que eu fiz como uma forma de ajudar imigrantes. Um crime praticamente sem vítimas. Ajudei as pessoas a pagarem suas contas e colocarem comida na mesa. Sei que o que eu fiz não é certo, mas não prejudicou ninguém financeiramente. Existem vítimas pelo uso da identidade, mas nenhuma delas foi lesada.
A maré de impunidade acabou quando os agentes do FBI a levaram presa de seu apartamento luxuoso, que rendeu até mesmo um elogio do agente. "O policial elogiou meu apartamento. Acho que ele teve empatia, quis me fazer sentir melhor", diz Barbosa.
Colocada no 'buraco' da prisão e conquistando confiança das detentas
Logo na chegada, período de pandemia de covid-19, a brasileira foi colocada no local chamado de hole (buraco), espécie de solitária.
"Nos primeiros 14 dias, por causa da covid, tive que ficar numa sala de quarentena, tinha que ficar 23 horas por dia no que eles chamam de buraco. Era um lugar destinado para presas indisciplinadas", conta.
Priscila passou por cinco complexos prisionais até cumprir sua pena, e assim como ela, a maioria das encarceradas também era latina.
"Ficava muito quieta na minha, mas me chamavam de princesinha porque eu não fazia o padrão das pessoas presas. Eram mulheres grandonas, com dentes de ouro. Cheguei com unhas grandes e mega hair. Eu só chorava, chorei por 7 meses", conta.
Com 1,54 m de altura, Priscila não conseguia impor o respeito pelo medo, mas encontrou uma forma de ser respeitada por seus talentos:
Me tornei chefe de cozinha. Seguia o cardápio deles, mas com meu tempero fazia tacos, arroz mexicano e frango grelhado. Com o tempo, os funcionários da prisão também apareciam na janela da cozinha me pedindo para fazer panquecas
Champanhe caro em liberdade e uma 'vida mais barata'
Em 16 de novembro de 2023, a pena de Priscila acabou, a amiga a apanhou de carro no presídio e foram comemorar.
Em mais de dois anos em abstinência, a primeira coisa - e única - que tocaram suas papilas gustativas foram taças de champanhe francesa.
"Veuve Clicquot, pesquise o preço depois para você saber", diz ao telefone em tom de brincadeira à reportagem. No Brasil, a bebida chega a custar até R$ 1.500 a garrafa.
Mas a vida de luxo agora chegou ao fim, ela afirma que dos mais de R$ 4 milhões, pouco ficava com ela. O medo de ser apanhada a tinha feito investir em bitcoins, mas o valor foi encontrado pela justiça dos EUA.
"Acharam os meus US$ 60 mil que tinha investido em bitcoins e confiscaram. Agora, quero recomeçar a minha vida com o pouco que sobrou [que preferiu não revelar]. Penso em abrir uma loja online de venda de acessórios", conta.
Por enquanto, Priscila, que tem Green Card, por ter se casado com um americano (que não está mais junto com brasileira), trabalha como tradutora independente e para uma empresa de construção civil e recebe cerca de US$ 1.800 por semana. Ela entrou com um pedido de asilo nos EUA.
É metade do que ganhava, mas agora trabalho igual a uma cachorra, mais de 60 horas por semana e com muito mais esforço. Se pudesse voltar atrás faria tudo diferente. Depois de tudo, não tenho mais aquele negócio de fazer planos, sonhava com uma casa na Flórida com meu ex. A tatuagem de fênix que tenho nas costas tem esse significado, de renascer das cinzas, acho que é isso.
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