Como motociclistas deixam 'carros inteligentes' enlouquecidos no trânsito

Os carros estão ficando mais seguros, sendo que muitos vem com o pacote ADAS (Sistemas Avançados de Assistência ao Condutor) que inclui itens como alertas de ponto cego e assistentes de permanência em faixa. O Brasil, no entanto, tem um trânsito caótico que muitas vezes confunde sofisticados e precisos recursos semiautônomos, o que torna sua operação incômoda.

Uma dessas situações ocorre devido à forma como os motociclistas 'costuram' no trânsito, capazes de confundir os sempre alertas assistentes ao motorista. Ao perceber a proximidade de um motociclista, os sensores podem alertar, intervir no volante e frear o carro, mesmo que suavemente, ao entender que algo pode colidir contra o veículo.

Há relatos de um GWM Haval H6 que, no meio do trânsito, parado, seu sistema ADAS acionou automaticamente a luz de emergência e o alarme assim que um motociclista se aproximou do veículo.

Questionada, a GWM informou que o Adas 2+ (Advanced Driver-Assistance System) do GWM Haval H6 é um sistema de condução semiautônoma, que auxilia o motorista em determinadas condições de rodagem. Esse sistema reúne diversos recursos eletrônicos, controlados por meio de sensores, radares e câmeras.

"Em condições de trânsito intenso com motocicletas trafegando muito perto dos veículos, como é o caso de São Paulo em horários de pico, há a ativação dos alertas sonoros e visuais que indicam a aproximação lateral e traseira de outros veículos. Porém, quase todos esses recursos disponíveis dentro do Adas 2+ podem ser regulados ou desligados de acordo com a preferência do motorista, que é o caso dos alertas laterais e traseiros", esclarece a GWM por meio de nota.

Entre os exemplos de assistentes que podem ser desligados estão: detecção de cruzamento, monitoramento de ponto cego, alerta de colisão traseira, alerta de tráfego traseiro cruzado, frenagem de tráfego traseiro cruzado e assistente de desvio inteligente, entre outros.

Já a Mercedes-Benz, que também possui sistemas sensíveis às ações dos motociclistas, disse que fatores como velocidade, faixas da via e direção das rodas, entre tantos outros, são medidos por sensores ultrassônicos, radares de longo e curto alcance e câmeras de vídeo.

Os sistemas de assistência de condução semiautônoma da marca alemã medem inúmeros fatores e comportamentos do condutor e do entorno no trânsito. O sistema prevê um potencial risco de acidente e age para mitigar os resultados, mas não prevê se o motociclista vai desviar no último momento, por exemplo.

A marca informou, por meio de nota, que oferece o nível SAE 2 de assistência, que requer o condutor em estado de alerta para tomadas de decisão em determinadas situações mais extremas, uma vez que no trânsito cada situação é quase única.

Continua após a publicidade

"Como marca global, nossos sistemas são desenvolvidos para funcionarem em todos os mercados de forma única. A ação de resposta tardia ou antecipada de alguns sistemas de assistência podem ser alteradas no menu 'assistência' de cada modelo."

Efeitos colaterais

Flavio Sakai, membro da diretoria executiva da AEA (Associação dos Engenheiros Automotivos), diz que, em tese, os ajustes dos sistemas e de como eles podem e devem reagir em cada situação são possíveis. Entretanto não são simples.

"Existem uma série de normas e testes que os sistemas devem atender e estas alterações para eventualmente evitar que haja uma ação de frenagem em uma situação que, por exemplo, é normal no Brasil e talvez na Índia e países do sudeste Asiático, podem causar efeitos colaterais", afirmou.

De acordo com o engenheiro, cada alteração ou calibração deve ser devidamente avaliada e novamente testada para que se assegure o resultado esperado (a segurança de todos). Deve-se considerar também que muitas funcionalidades têm uma especificação bem clara e, em alguns casos, é regulamentada.

Leimar Mafort, especialista em sistema ADAS e colaborador em tecnologias na SAE Brasil, explica que os sistemas são amplamente testados.

Continua após a publicidade

"O carro roda no cenário onde vai andar. As empresas coletam milhares de horas de dados reais, que depois são colocados e simulados em quais situações da vida real. Uma calibração feita para um cenário específico poderia gerar um falso positivo. Esse trabalho é feito de forma interativa, para que ele não tenha na vida real um falso alarme, e ao mesmo tempo precisa ter uma performance muito boa no cenário para o qual ele foi concebido."

Para o engenheiro, o sistema tem que garantir que consegue frear e ao mesmo tempo ele não pode ser tão sensível a ponto de frear para qualquer coisa. "O trabalho de desenvolvimento vai ficar nessa gangorra."

Mafort lembra sobre as discussões quando o ABS passou a equipar amplamente os veículos: "Motoristas reclamavam que o pedal tremia. Hoje ninguém mais reclama, o pedal continua trepidando, e eu acredito que ao longo do tempo os sistemas de ABS foram evoluindo."

Nos assistentes ao motorista, há sistemas mais intrusivos, como a correção de trajetória numa mudança de faixa sem o motorista ter acionado a seta: alguns podem ser mais suaves e outros mais bruscos.

Outra observação: a função de uma assistência pode ser boa para um motorista, mas para outro, que tem uma forma diferente de dirigir, pode não ser tão boa.

"O AEB (sigla traduzida para frenagem automática de emergência), por exemplo, é um sistema que tem que frear o carro só se o motorista estiver desatento. Mas como saber se ele está mesmo desatento? É possível medir isso pelo pedal do acelerador, o peso no pedal do freio, se ele está virando o volante. Isso tudo é levado em consideração para gerar o grau de atenção do motorista. Isso influencia o momento que ele vai passar o alerta, porque ele não quer ser intrusivo", conclui o engenheiro da SAE.

Continua após a publicidade

Vidas podem ser salvas, mas é preciso educação no trânsito

Um recente estudo do AAA Foundation for Traffic Safety nos EUA estimou que até 2050, as tecnologias do ADAS devem evitar aproximadamente 37 milhões de acidentes, 14 milhões de feridos e quase 250 mil mortes nas estradas dos EUA.

O estudo concluiu que, mesmo com a tecnologia dos veículos, é necessário investir em uma ampla gama de medidas de segurança no trânsito.

O Brasil, por sua vez, precisa evoluir muito em educação e segurança no trânsito. As tecnologias estão aí, são aperfeiçoadas para ficarem mais precisas, mas o caos do trânsito, que gera tantos acidentes, obriga motoristas a desativá-los para evitar incômodos.

Deixe seu comentário

Só para assinantes