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Dodge de Raul Seixas volta à vida e exibe 'cicatrizes' deixadas pelo cantor

Raul Seixas posa com seu Dodge Magnum e fãs na rua de casa no Butantã, na capital paulista. Foto foi tirada entre 1986 e 1987, diz amigo Imagem: Arquivo pessoal

Alessandro Reis

Do UOL, em São Paulo (SP)

14/10/2024 12h00Atualizada em 14/10/2024 17h10

Um dos últimos carros de Raul Seixas, morto em 1989 aos 44 anos, foi um Dodge Magnum 1979 que o cantor e compositor baiano comprou zero-quilômetro.

O cupê ainda existe e hoje pertence ao empresário Alexandre Badolato, que completou a restauração no início de 2018, após adquirir o carro há cerca de nove anos na capital paulista.

Badolato é o maior colecionador de veículos Chrysler do Brasil e autor de livros sobre os carros nacionais da montadora, dona da marca Dodge.

Ele faz questão de preservar a originalidade dos veículos que restaura, seguindo fielmente as especificações, os componentes e até a pintura da época na qual foram lançados.

Dodge Magnum 1979 que foi de Raul Seixas teve restauração concluída no início de 2018 Imagem: Arquivo pessoal

Porém, no caso específico do "Dojão do Raul", ele fez algumas concessões.

"Fizemos toda a funilaria e pintura, como de costume, e tentamos preservar todas as peças que eram do carro. O vidro do motorista, na parte superior, está um pouco lascado, não faço ideia de como isso aconteceu. Eu poderia simplesmente pegar outro vidro original e substituir, mas preservei", conta o colecionador.

Ele também manteve as partes cromadas "pipocadas" no console central, onde fica a alavanca do câmbio automático. Badolato fez o mesmo com o painel, trincado, e as rodas de liga leve, que não vieram de fábrica no Magnum branco Ártico.

Console central com marcas de uso por Raul foi mantido como estava na restauração do Dodge Imagem: Rafael Morais

"Decidi preservar, já que era o console que o Raul usava. Restauramos a almofada do painel e pintamos na cor original. Outra coisa que a gente manteve como assinatura do carro foram as rodas de liga, nem acho elas particularmente bonitas, mas elas estão em fotos de época".

Ele se refere a imagens que ele guarda com carinho de Raul autografando discos de fãs ao lado do Dodge, tiradas em meados dos anos 1980, em frente à casa do músico no Butantã, bairro da zona oeste da capital paulista.

Essas fotos, bem como o documento de transferência do Dodge em nome de Raul Santos Seixas, com data de fevereiro de 1988, acompanhavam o Magnum quando Badolato o adquiriu de um vendedor, que foi o terceiro dono do carro.

A mesma sequência de fotos mostra um Fusca vermelho, que teria sido o último veículo do artista, de acordo com Sylvio Passos - amigo pessoal de Raul e fundador, como ele diz, do "primeiro e único fã-clube oficial" de Seixas.

Magnum foi guinchado após jantar

Seixas autografa discos no capô do seu 'Dojão'; não muito tempo depois, carro foi vendido Imagem: Arquivo pessoal

UOL Carros mostrou essas imagens e outras, do cupê já restaurado, e Passos reconheceu o veículo. Ele relembra o passeio que fez com o Dodge na companhia do cantor, "entre o fim de 1987 e o início de 1988", que acredita ter culminado na venda do Magnum - cerca de um ano antes de Seixas falecer na cidade de São Paulo, vítima de uma pancreatite aguda.

"O Raul me convidou para jantarmos no bairro da Liberdade. Fomos no Magnum, com ele ao volante, mas acabamos nos perdendo. Em algum momento, estávamos rodando na contramão em plena Avenida Ipiranga. Irritado, Raul parou o carro, era uma 'banheira' gigante, e chamou um taxista para nos guiar até o restaurante", lembra Passos.

Ao chegarem, relata, o "maluco beleza" simplesmente deixou o Dodge na calçada da praça da Liberdade, perto da entrada do Metrô, e os três foram jantar - Raul chamou o taxista para compartilhar a refeição.

"O Raul bebeu bastante saquê e cerveja. Misturou tudo e ficou muito louco, sem a menor condição de dirigir. Quando ele abriu a carteira, após o jantar, não tinha nenhum centavo dentro dela, só uma colher. Então o taxista teve de pagar a conta e nos levar para a casa do Raul, já que até hoje eu não sei dirigir. O Dodge ficou na praça".

Passos convenceu o motorista de táxi, alegando que ele saberia o endereço de Seixas e poderia ir até lá no dia seguinte para receber seu dinheiro.

"Foi assim que fizemos. No outro dia, o taxista foi reembolsado e nos levou de volta à praça para resgatarmos o Magnum. O carro, evidentemente, tinha sido guinchado e não estava mais lá".

Sylvio Passos recorda que o amigo não tinha dinheiro para tirar o veículo do pátio e, por orientação da mulher, Lena Coutinho, acabou vendendo o carrão.

Segundo Passos, Raul Seixas gostava muito de carros e também teve Chevrolet Opala, Ford Galaxie Landau e Fiat 147 - com o qual o artista viajou para o Espírito Santo, Minas Gerais e, acredita, até Salvador, na Bahia, cidade onde Seixas nasceu.

O cantor também teve um 'Dojinho' 1975, que foi avariado pela ressaca do mar no Rio de Janeiro na década de 1970. O acidente inusitado rendeu entrevista para a TV Globo.

"Fui atropelado por uma onda, meu carro foi jogado para cima. A onda está certa, errado está este aterro, o Rio está abaixo do nível do mar", disse para a repórter Glória Maria, também já falecida.

Como é o Dodge Magnum

'Dojão do Raul' aparece em show no sítio onde Badolato mantém coleção, na região de Campinas (SP) Imagem: Arquivo pessoal

Alexandre Badolato, que além de colecionar é um estudioso da história da Chrysler no Brasil, contextualiza a importância do Magnum para a marca norte-americana no País.

"O Magnum nasceu como um facelift extremo do Dart para 1979. Ele tem a frente totalmente desenhada no Brasil, incluindo as janelas traseiras e o teto dividido no meio, como se fosse um targa, sem cobertura de vinil. Isso tudo foi feito por um designer chamado Celso Lamas, já falecido, que foi chefe do departamento de estilo da Chrysler do Brasil", ensina.

Badolato destaca que o Magnum foi a forma encontrada para a Chrysler reagir à queda "vertiginosa" nas vendas a partir de 1974, por conta da primeira crise do petróleo.

Todos os carros da montadora fabricados aqui na época eram, além de enormes para os padrões brasileiros, equipados com motor V8, que tinha elevado consumo de combustível.

"Para trazer um produto novo sem grandes investimentos, foi feito o Magnum, que usava algumas peças feitas de fibra de vidro, como a frente e as coberturas das janelas traseiras, chamadas de Opera Windows. Também ganhou faixas e adornos para caracterizá-lo como um carro novo".

O empresário aponta que o Magnum fez as vendas da empresa crescerem em 1979, mas veio a segunda crise do petróleo e, no começo da década de 1980, a Chrysler do Brasil e as suas instalações em São Bernardo do Campo (SP) foram vendidas para a matriz da Volkswagen na Alemanha.

O 'Dojão do Raul' é da versão mais completa, equipada com câmbio automático de três marchas e ar-condicionado. O motor 318 V8 é capaz de render 208 cv de potência e 42 kgfm de torque, conta Badolato.

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