Como Muhammad Ali se apaixonou e tentou levar Puma brasileiro para a Arábia
Rodrigo Lara
Colaboração para o UOL
10/11/2024 12h00
Fãs endinheirados de carros esportivos que morassem nos Estados Unidos nos anos 1980 tinham uma série de opções interessantes para estacionar na garagem, desde os fabricados localmente até alguns modelos mais exóticos vindos da Europa.
Diante dessa vasta oferta, soa improvável que uma celebridade local se interessasse por modelos fabricados em um mercado então bastante defasado como o brasileiro, certo?
Esse é apenas um dos questionamentos que cercam uma das histórias mais curiosas envolvendo a lenda do boxe Muhammad Ali. Feroz dentro dos ringues e igualmente combativo fora dele - especialmente em questões envolvendo direitos humanos e racismo -, Ali tinha uma queda por carros e foi dono de vários modelos icônicos ao longo dos anos, como um Rolls-Royce Silver Shadow Mulliner Park Ward 1970, vários Cadillac e um excêntrico Mercedes-Benz 220S Golden Angel Wing 1959 como acabamento em ouro e cravejado de pedras preciosas.
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Um modelo, no entanto, conquistou o coração do já ex-boxeador: um Puma. Sim, o esportivo brasileiro fora-de-série que foi sonho de consumo de muitos brasileiros nos anos 1970 e 1980. O carro foi apresentado a Ali em meados de 1986 pelo seu então advogado, Richard Hirschfeld, cujo filho havia adquirido um exemplar, e a lenda se apaixonou.
Mais do que isso: começou a ter uma ideia de ser um representante de vendas da marca para levar os carros ao Oriente Médio, local onde era extremamente popular após se converter ao islamismo - e abandonar o nome de batismo, Cassius Clay.
A aventura de Ali no ramo ganharia um novo capítulo no fim daquele mesmo ano, quando foi procurado por um empresário chamado Nelson E. Boon Jr - um sujeito que tinha uma certa ficha corrida, sendo acusado de vender títulos sem registro entre 1982 e 1983, detalhe que dificilmente chegou aos ouvidos de Ali na hora de fechar negócio.
A ideia inicial era produzir carros artesanais e assim foi fundada a Ali Motors. Inicialmente havia apenas um modelo nos planos, o Ali-3 WC. Em uma entrevista coletiva na época, ele afirmou que o carro serviria aos propósitos de alguém que era "reconhecido em todo o mundo e tinha tantos fãs".
O modelo teria carroceria em fibra de vidro, chassi, motor e câmbio do Pontiac Fiero, além de um acabamento luxuoso. A ideia era vendê-lo exclusivamente no Oriente Médio e na Ásia.
Puma para os árabes
Mesmo com a ideia da Ali Motors, o ex-boxeador levou a cabo o plano de ser um representante da Puma e, assim, desembarcou no Brasil rumando para Curitiba (PR). Na região central da capital paranaense, se reuniu com empresários da Araucária Indústria de Veículos, empresa que detinha temporariamente os direitos da marca após a antiga fábrica em São Paulo fechar as portas.
A visita de Ali era para ver de perto o resultado de uma proposta feita anteriormente para a empresa brasileira: a exportação de 1.440 unidades para o Oriente Médio, sendo 500 já no primeiro ano do acordo. Mas não seria qualquer carro: o projeto Puma P-018, que na época já não era produzido, passaria por diversas alterações para que o acordo fosse levado adiante.
Além de ficar mais largo, ele teria faróis retangulares, painel revestido de madeira e, uma vez montados aqui, seguiriam para os Estados Unidos para receberem conjunto mecânico de Porsche. Inicialmente previsto para se chamar Ali Stinger, o carro acabou batizado como Puma Al-Fassi, homenagem a um príncipe saudita que estava investindo dinheiro na empreitada.
Apesar de exigir um esforço considerável para essa adaptação, o acordo seria um negócio e tanto para Araucária Indústria de Veículos, que poderia ganhar bastante dinheiro com um carro praticamente morto - a previsão é que o investimento inicial fosse de US$ 36 milhões.
Para se ter ideia, as últimas vendas oficiais do Puma P-018 ocorreram em 1983, quando a marca ainda tinha seus donos originais. E mesmo nessa época, entre 1981 e 1983, apenas 25 unidades do modelo foram produzidas.
Ali também aproveitou a visita ao Brasil para conhecer outra fabricante nacional de esportivos fora-de-série: a Miura. Para isso, foi até Porto Alegre no dia seguinte ao "passeio" em Curitiba, onde conheceu o Miura 787 e fez uma proposta para vender 240 unidades do modelo ao exterior.
Fim da linha
A empreitada, porém, teve um fim súbito quando a família Al-Fassi pulou fora do acordo por problemas com o governo saudita e as encomendas feitas tanto para Puma quanto para a Miura foram canceladas. Isso, claro, rendeu prejuízos, especialmente para a Araucária Indústria de Veículos, que repassou a marca Puma dois anos depois.
A Puma, que na época produziu duas unidades do Puma Al-Fassi, ainda teria sobrevida nas mãos da Alfa Metais Veículos e o P-018, atualizado, seria vendido como AM1 - passando por atualizações e mudanças de nome com o tempo. Já a linha de esportivos da marca, que contou o AMV, foi encerrada em 1995. A empresa, porém, retornou para a família e, atualmente, trabalha na construção de um modelo chamado GT Lumimari.
Outra que fechou as portas foi a Miura, mas em 1992.
Já a aventura de Ali na indústria automotiva também não foi para a frente e nenhum carro da Ali Motors saiu do papel. O ex-boxeador, que na época da vinda ao Brasil já apresentava sinais do Mal de Parkinson, viu a doença se agravar com os anos e faleceu em 3 de junho de 2016.
De qualquer maneira, caso o negócio com as fabricantes brasileiras se concretizasse, é bem provável que tanto Puma quanto Miura tivessem tido fundos suficiente para modernizar seus veículos e fazer frente à enxurrada de importados que chegou ao mercado nacional no início dos anos 1990. Ali, por sua vez, poderia ver a sua vontade de atuar no ramo automotivo realizada.
Nada disso, porém, aconteceu e tudo que sobrou foi uma inusitada - e até mesmo bizarra - história para contar.