Indústria da multa? Parlamentares requerem extinção total de radares móveis

Dois projetos de lei (PLs) atualmente em tramitação no poder legislativo preveem o fim do uso de radares móveis na fiscalização de velocidade de veículos em vias públicas brasileiras. As duas propostas alegam que tais dispositivos, mais do que promover a segurança no trânsito, têm o objetivo final de arrecadar recursos para os cofres públicos por meio da cobrança de multas.

Uma dessas inciativas é o Projeto de Lei 475/2024, do deputado Sérgio Guimarães (União Brasil), que tramita na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. A iniciativa propõe a fiscalização, em rodovias estaduais catarinenses, exclusivamente por radares fixos, devidamente sinalizados, em detrimento dos dispositivos móveis.

O mesmo PL prevê a proibição do monitoramento de velocidade e autuação de infratores por meio de drones - equipamentos cujo uso para essa finalidade ainda não é regulamentado no Brasil.

O projeto estabelece, ainda, que os órgãos autuadores poderão receber advertência por escrito, multa administrativa ou outras sanções, caso descumpram o disposto no respectivo texto. O deputado Guimarães diz, na redação, que o objetivo do PL é "garantir a transparência e a previsibilidade das ações de fiscalização" e evitar práticas "abusivas ou meramente arrecadatórias."

A proposta foi aprovada por unanimidade na semana passada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Santa Catarina - o relator, deputado Napoleão Bernardes (PSD), alegou que os estados possuem "autonomia para legislar sobre a criação e aplicação de penalidades em relação às infrações de trânsito."

O PL ainda será analisado pelas comissões de Finanças e Tributação, de Segurança Pública e de Transportes, Desenvolvimento Urbano e Infraestrutura antes de ser levada para votação do plenário da Assembleia.

Câmara tem proposta semelhante

Radar móvel em ação às margens de rodovia
Radar móvel em ação às margens de rodovia Imagem: Silva Junior/Folhapress

Em Brasília (DF), tramita proposta com teor semelhante - que, se for aprovada, terá abrangência nacional, em todas as vias públicas.

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De autoria da deputada federal Carolina de Toni (PL-SC), igualmente de Santa Catarina, o Projeto de Lei 4059/2024 propõe alterar o CTB (Código de Trânsito Brasileiro) para proibir o uso de "medidores de velocidade do tipo portátil e afins".

Com isso, a fiscalização de velocidade seria realizada apenas pelos aparelhos fixos, da mesma forma que propõe o PL 475/2024 em análise pelos deputados estaduais catarinenses.

No texto do projeto de lei, a deputada afirma que "em diversas localidades onde não há necessidade de controle direto de velocidade por meio de radares, as autoridades competentes instalam esses equipamentos com o único objetivo de multar."

"Com o intuito de proteger o indivíduo contra abusos dessa natureza, sem comprometer a segurança dos que transitam nas vias, o presente projeto de lei visa evitar multas de caráter nitidamente arrecadatório.

Assim, caso o poder público conclua pela necessidade de instalação de medidor de velocidade, que seja exclusivamente por meio de instalação fixa, sem prejuízo dos critérios estabelecidos em resoluções do Contran [Conselho Nacional de Trânsito]. Desse modo, cidadãos que usualmente transitam pela via não serão surpreendidos", conclui a parlamentar.
Esse projeto de lei foi apresentado à Câmara dos Deputados o dia 23 de outubro deste ano e atualmente aguarda criação de comissão temporária pela Mesa Diretora para respectiva análise.

PLs devem ser vetados, avalia especialista

O advogado especializado em legislação de trânsito Marco Fabrício Vieira, conselheiro do Cetran-SP (Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo e membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Contran, analisou os dois projetos e afirma que ambos têm poucas chances de se tornar leis, de fato.

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Em relação ao PL 475/2024, que tramita na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Vieira afirma que ele é inconstitucional.

"Esse projeto de lei apresenta inconstitucionalidade, já que compete exclusivamente à União legislar sobre matéria de trânsito e transporte, nos termos do Inciso XI do Artigo 22 da Constituição Federal", analisa.

De acordo com o especialista, o PL viola o princípio da separação dos poderes previsto no Artigo 2º da Constituição, por se tratar de proposta do Poder Legislativo que implica na imposição de obrigações ao Poder Executivo.

"Se o PL for aprovado pelos parlamentares em Santa Catarina, fatalmente deverá ser vetado pelo governador por esses motivos jurídicos ou por ser claramente contrário ao interesse público, no que se refere à segurança do trânsito). Caso o legislativo decida rejeitar o veto do governador, a lei promulgada deverá ser objeto de controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário", conclui.

Quanto ao PL 4059/2024, que tramita na Câmara, Vieira avalia que, se for aprovado pelos deputados federais, o Presidente da República poderá vetá-lo por inconstitucionalidade material, por implicar na imposição de obrigações de um poder sobre o outro.

"O veto presidencial poderá também ser político, pois a proposta é contrária ao interesse público no que tange à segurança do trânsito nas vias. Além disso, alegar que os radares móveis têm 'caráter arrecadatório' é alegação de caráter subjetivo, sendo que a utilização desses equipamentos deve ser precedida de estudos técnicos que comprovem a sua necessidade."

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O que diz a legislação atual

Conforme Marco Fabrício Vieira, a Resolução nº 798/2020 do Contran prevê dois tipos de medidores de velocidade: fixo e o portátil (que abrange o móvel).

Além disso, a legislação já prevê que os locais em que houver fiscalização de excesso de velocidade, por meio de medidores fixos, devem ser precedidos de sinalização vertical de regulamentação de velocidade (sinal R-19).

"Seria um retrocesso [implementar] qualquer outro tipo de sinalização de alerta, já que é obrigação de todo condutor manter-se dentro da velocidade regulamentada. A utilização de equipamentos portáteis, incluindo os móveis, deve ser feita ostensivamente por agentes da autoridade de trânsito devidamente uniformizados, sem qualquer obstrução quanto à sua visibilidade pelos condutores".

O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) suspendeu o uso de radares móveis na fiscalização de rodovias federais, retomado pela Justiça Federal após dados da Polícia Rodoviária Federal mostrarem que as mortes nas rodovias aumentaram após a retirada desses radares, acrescenta o especialista.

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