Golpe do odômetro? Por que ficou quase impossível mentir sobre km do carro


Eduardo Passos
Colaboração para o UOL
15/03/2025 05h30
Há muitos anos que circulam histórias sobre métodos capazes de alterar a quilometragem de um carro usado, fazendo-o parecer mais novo. Com a popularização dos quadros de instrumentos digitais, isso seria até mais fácil, já que bastaria mudar o número exibido na tela. Mas não é bem assim.
Recentemente, um vídeo viralizou no Instagram ao mostrar um suposto recurso de carros da Volkswagen com painel digital. Ele aponta em que todo Volkswagen seria possível resetar o odômetro por três vezes, até 99 km.
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Seria um recurso decorativo: sabe-se que, até ser entregue ao consumidor, todo veículo zero-km roda um pouco. Seja em testes de verificação na fábrica, na entrada e saída dos caminhões-cegonha ou em movimentações no showroom da concessionária.
Logo, o 'direito de reset' permitiria que o cliente recebesse o carro com o odômetro zerado por mera satisfação psicológica ao ver o contador só com zeros. Uma vez que a quilometragem total (independentemente dos resets) chegasse ao 100 km, diz o autor do vídeo, essa função deixaria de funcionar.
É possível adulterar o odômetro do carro?
UOL Carros conversou com um engenheiro envolvido no desenvolvimento de sistemas eletrônicos para carros. Justamente devido ao risco de fraudes e mau uso desses dispositivos, é uma área envolta em sigilo e a explicação foi feita sob anonimato.
O especialista detalha que, como em celulares ou videogames, cada fabricante tem seus sistemas de segurança contra adulterações. "Carros modernos chegam a ter 150 chips diferentes. Alguns controlam quanto o motor acelera, por exemplo. Outros cuidam de registrar a quilometragem."
No caso do odômetro, é teoricamente possível alterar o número que é visto no painel, mas seria apenas na parte em que os olhos enxergam. Bastaria a um mecânico conectar um scanner de diagnóstico, comum em qualquer oficina, para conferir, no "registro original", um número diferente.
Esse "registro original", explica o engenheiro, se refere, na maioria dos casos, aos EEPROMs, ou dispositivos de memória não-volátil. São pequenos computadores que armazenam dados mesmo sem energia. Por isso, são comuns no registro das informações mais vitais do histórico de um veículo.
O segredo dos carros mais modernos está justamente no acesso aos EEPROMs. "Para modificar esses dados, muitas vezes é necessário vencer uma criptografia que só poucas pessoas ligadas à marca têm acesso", explica.
"É como hackear um iPhone. É teoricamente possível, mas exige uma quantidade imensa de recursos e conhecimento."
Também é comum que haja mais de um dispositivo de memória não-volátil armazenando a quilometragem, facilitando uma conferência cruzada dos dados. Algumas marcas vão além e enviam, periodicamente, o registro de quilometragem do carro para um servidor externo.
Assim, a única forma de evitar uma inconsistência nos diferentes odômetros espalhados pelo veículo é, "literalmente hackeando o carro e o servidor da montadora".
Uma analogia feita a essa trava é dos tratores John Deere: nos Estados Unidos, fazendeiros moveram um processo bilionário contra a marca, que criptografa todas as peças de reposição de suas máquinas agrícolas.
Caso uma peça seja comprada por fora da rede concessionária, é praticamente impossível fazê-la ser aceita pelo veículo. Por conta disso e dos preços oficiais que os agricultores julgam abusivos, criou-se um embate judicial que ainda corre em diferentes órgãos do país.
Procurado pelo UOL Carros, a Volkswagen não quis detalhar como funciona o sistema de proteção à integridade da quilometragem de seus painéis digitais e não comentou o vídeo do Instagram.
Em nota, a empresa disse apenas que "nos modelos da Volkswagen não é possível manipular ou alterar os dados de quilometragem do odômetro".