Corsa: a revolução popular

Lançado há 25 anos, hatch da Chevrolet marcou época e ainda deixa saudades

Vitor Matsubara Do UOL Reprodução/MIAU - Museu da Imprensa Automotiva

Roberto Baggio ainda não era herói nacional e Itamar Franco era o presidente quando o Corsa chegou às ruas. O compacto era a grande aposta da Chevrolet para 1994 e o tiro não poderia ter sido mais certeiro.

Moderno como poucos modelos vendidos no Brasil até então, o Corsa revolucionou a indústria automobilística brasileira. O projeto ousado desembarcou no Brasil apenas um ano após estrear na Europa

E seu lançamento de fato revolucionou o segmento de populares -- e toda a indústria automobilística brasileira. Parafraseando um famoso político, "nunca antes na história deste país" um carro tão moderno havia sido lançado por um preço tão acessível. O Corsa era novo até no mercado europeu, onde havia estreado no começo de 1993.

De tão competente, o projeto do Corsa permaneceu em linha até 2002 e pouco foi atualizado ao longo de quase dez anos. Talvez porque não era preciso: o Corsa deu origem a uma família inteira de produtos e deu continuidade à trajetória de sucesso no segmento de compactos, iniciada pela Chevrolet com o Chevette.

O Corsa saiu de cena com um feito histórico. Foi ele o responsável por encerrar "oficialmente" a era dos projetos Opel no mercado brasileiro, iniciada nos anos 1950 com o lendário Opala (baseado no Rekord alemão) e consolidada nos anos 80 e 90 com Monza, Kadett e Vectra, entre outros ícones da história da GM no país.

O Corsa é a porta de entrada de uma nova era, com sua tecnologia de ponta e preço acessível. Temos, agora, um produto popular cuja relação custo x benefício vai trazer vantagens imensuráveis para os nossos clientes. É um carro totalmente novo, moderno, que vai abalar o mercado

Mark Hogan, então presidente da General Motors do Brasil na época do lançamento

Em 1994, Corsa surgia como disruptivo, moderno e eficiente

Reprodução/Miau

O design foi o principal ponto de atração do Corsa. O projeto desenvolvido pela Opel foi reproduzido integralmente pela Chevrolet, inicialmente apenas na versão Wind 1.0 com carroceria de três portas.

As linhas arredondadas fugiam de tudo que havia no segmento de carros populares, até então dominado pelo pioneiro Fiat Uno Mille e formado ainda por versões depenadas de modelos veteranos (como o Chevette). Além de bonito, o Corsa tinha um ótimo coeficiente aerodinâmico de 0,35, o que contribuía na economia de combustível. A fabricante informava média de 13,9 km/l na cidade e 18,7 km/l na estrada.

O Corsa Wind tinha um motor 1.0 de quatro cilindros com injeção eletrônica monoponto chamado pela GM de B10NZ. Não era muito potente, desenvolvendo 50 cv e com torque máximo de 7,7 kgfm. Números de desempenho informados pela GM atestavam o comportamento pacato do Corsa, que precisava de 20,3 segundos para acelerar de 0 a 100 km/h e atingia a velocidade máxima de 145 km/h.

Reprodução/MIAU - Museu da Imprensa Automotiva

Ágio? O que é isso?

O Corsa foi um sucesso imediato em meados dos anos 1990 e a rede de concessionárias da Chevrolet se viu em uma situação inusitada: como dar conta de tantos pedidos? A saída foi criar uma fila de espera que não raramente passava de alguns meses.

Houve, porém, uma notícia ruim: diante da alta procura algumas lojas começaram a vender as poucas unidades em estoque com sobrepreço -- o famoso ágio. Até o presidente da GM do Brasil, André Beer, precisou gravar um depoimento veiculado na televisão pedindo para os consumidores terem calma.

Arte/UOL Arte/UOL

Pioneiro nos aventureiros urbanos

O Corsa teve várias versões ao longo de sua existência. Ainda em 1994, o carro ganhou em junho a versão GL com motor 1.4 de 60 cv e ar-condicionado opcional -- o item não era tão cobiçado naquela época como é hoje.

A carroceria de quatro portas também surgiu pouco tempo depois do lançamento. Além das portas adicionais, o compacto trazia lanternas com desenho exclusivo.

Algumas delas, inclusive, foram bastante curiosas. Em 1999, a GM lançou o motor 1.0 16V de 68 cv para os modelos hatch, Sedan e Wagon. Antes disso, porém, o Corsa Sedan já havia ganhado uma versão peladona chamada Wind. O motor? Sim, o mesmo 1.0 MPFI de 60 cv do hatch?

Curiosamente, a GM poderia ter largado na frente no segmento de aventureiros urbanos antes mesmo da Fiat. Isso porque a empresa desenvolveu dois carros-conceito com uma pegada "off-road light": o Corsa Tonga veio em 1996 com estilo rebuscado, "corrigido" alguns anos depois com a Corsa Wagon Tonga.

A perua tinha vários adereços plásticos na cor preta e até um para-choque dianteiro com um pseudo quebra-mato. Exatamente a mesma receita da Palio Weekend Adventure.

A lenda

Esportivos nacionais ainda eram bem cobiçados em 1994. Sabendo disso, a Chevrolet jogou suas fichas em sua joia e em outubro surgia o Corsa GSi.

Além do motor 1.6 16V de 108 cv, o compacto ganhou um estilo bem jovial, com direito a rodas de liga leve, para-choques exclusivos, saias laterais e spoiler traseiro. Por dentro, o carro tinha volante de três raios, bancos esportivos Recaro, quadro de instrumentos com fundo branco e acabamento exclusivo.

Família brasileira

Corsa deu origem a uma linha de modelos desenhados no país

Reprodução/MIAU - Museu da Imprensa Automotiva

Corsa Pick Up

A picape compacta foi o primeiro modelo baseado no hatch e foi desenhada pelo Centro de Estilo da GM localizado em São Caetano do Sul (SP). O resultado foi dos mais felizes: as linhas esportivas do Corsa casaram muito bem com a caçamba mais curta, dando um estilo jovial ao carro. O ponto negativo era justamente a capacidade limitada, tanto em carga quanto em área para transporte de objetos. O motor era um 1.6 de 79 cv. A Corsa Pick Up resistiria até 2003, quando foi substituída pela arrojada Montana.

Reprodução/MIAU - Museu da Imprensa Automotiva

Corsa Sedan

Além do design acertado e o apelido de "mini-Vectra", o sedã lançado em 1995 tinha um motor 1.6 mais potente, rendendo até 92 cv. Havia 32 versões de acabamento, GL e GLS. Em 1997, o carro ganhou uma inédita motorização 1.6 16V de 102 cv e até transmissão automática de 4 marchas na versão GL 1.6 8V. Até o motor 1.0 foi adotado em 1999, que ganhou uma versão pé de boi chamada Wind. O Corsa Sedan, aliás, foi o modelo mais longevo da família Corsa, saindo de linha apenas em setembro de 2016, quando já se chamava só Classic.

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Corsa Wagon

Se a linha Corsa já tinha hatch, sedã e picape ainda faltava uma perua. Foi por isso que em 1997 a Chevrolet lançou a Corsa Wagon, que também foi desenhada no Brasil -- e novamente o resultado final agradou. Mesmo sendo uma perua, espaço interno não era lá o forte dela, cujo porta-malas levava apenas 401 litros. Apesar disso, a Corsa Wagon fez relativo sucesso entre o público. Sua vida porém foi curta, saindo de linha em 2002, quando foi aposentada pela Meriva, representante de um segmento que estava em alta naquele tempo, o das minivans.

Quem ainda tem um Corsa?

Fernando Miragaya/Colaboração para o UOL

"Minha maçã do amor"

Um dos sócios do tradicional Bar Bracarense, no Leblon, Zona Sul carioca, o comerciante Carlos Thomé ficou na fila de espera e ainda pagou acima da tabela por um hatch na cor vinho em 1994. Teve de se contentar com um vermelho para não esperar ainda mais. Em 2000, vendeu o Corsa para o filho Kadu, que nomeou o carro: "Maçã do Amor", em alusão à cor do Corsa duas portas vermelho.

"Era o meu sonho de consumo e foi o carro no qual aprendi a dirigir. O Corsa era uma revolução. Na época que foi lançado o design era totalmente diferente do que tinha no mercado, menos quadrado", afirmou Thomé.

"Pega o Gol 1000 ou o Escort Hobby da época e compara. Não tinha nada parecido", enaltece Thomé.

Fernando Miragaya/Colaboração para o UOL

"Manutenção é barata"

Waldir de Araújo ainda tem um dos primeiros Corsa Wagon, ano 1998, carro de uso diário há oito anos.

"O Corsa Wagon tem o tamanho para eu trabalhar e levar as máquinas. A mala é um espetáculo, levo tudo nela. E também é o carro família. Loto a mala de cerca e cadeiras e vamos para a farofa", revelou com animação.

Segundo Waldir de Araújo, a perua está com pouco mais de 60 mil km rodados e nunca teve problemas com a mecânica. "Nunca comprei peça, a não ser acessórios. Até agora esse carro quase não deu manutenção, a não ser o básico, como óleo, filtro e pastilhas de freio. Não tenho o que reclamar, a manutenção é barata."

"Ele é fraco perto dos carros que existem hoje. Quando ligo o ar nem preciso pisar no freio. O carro está todo original, virou meu xodó. E o custo do quilômetro rodado é tão ínfimo que vale a pena. A alegria que o Corsa me dá, a (Mitsubishi) Pajero me dá de tristeza", comparou.

Kadu Thomé, ao comparar o seu Corsa 1994 com o seu Mitsubishi Pajero Full 2002

Primeiro facelift

Um facelift discretíssimo foi apresentado em 2000, limitando-se a novos para-choques e alterações sutis nos revestimentos internos. Na traseira, a linha Corsa ganhou novas lentes nas lanternas. E assim o modelo permaneceu até sua despedida dois anos depois.

Segunda geração: mais refinada e mais potente

A nova geração do Corsa estreou no mercado brasileiro em 2002. A proposta, porém, era bem diferente do modelo anterior. Em vez de ser um popular, o modelo virou um carro mais refinado, antecipando justamente o que viriam a ser os compactos premium.

Maior e mais potente, o Corsa foi lançado com motorizações 1.0 (71 cv) e a inédita 1.8 (102 cv). Havia até opção de embreagem automática. Em 2003, a picape Montana debutava no país com linhas atraentes e o motor 1.8 ganhava a tecnologia flex, atingindo 109 cv.

Três anos depois chegava ao mercado a versão "esportivada" SS, que trazia apliques prateados e rodas de liga leve, mas o mesmo motor 1.8. Este, aliás, foi aprimorado para chegar aos 114 cv, enquanto o 1.0 atingia 79 cv, fazendo dele o mais potente da categoria.

O Corsa ganhou uma versão aprimorada do motor 1.4 de Celta e Prisma, rebatizado como Econoflex. Com potência máxima de 105 cv, ele se tornaria a única opção de motorização disponível na linha após o fim dos motores 1.0 e 1.8.

O modelo só saiu de linha 10 anos depois, abrindo espaço para o Onix -- que se tornaria campeão de vendas do país.

Legado do Corsa

Divulgação

Tigra

O fim do Corsa GSi deixou órfãos os fãs de esportivos compactos. Sabendo disso, a GM agiu rápido e trouxe o Tigra em 1998. Produzido na Europa, o carro aproveitava a base do Corsa em uma embalagem sedutora. O design ousado tinha portas em formato de arcos (que mais tarde seriam a fonte de inspiração para o Celta) e um enorme vidro traseiro. Já o motor 1.6 16V de 106 cv vinha do finado Corsa GSi.  O Tigra trazia airbag duplo e freios ABS, itens inexistentes no Corsa. As rodas de liga leve eram menores que as do modelo europeu. Infelizmente, o cupê deixou de ser importado em 1999 e encontrar um exemplar em boas condições nos dias atuais é tarefa das mais difíceis.

Divulgação

Celta

Originalmente desenvolvido para ser um veículo popular mais barato do país, o Celta nasceu em 2000 com um nível de construção bastante espartano. Não havia ar-condicionado nem direção hidráulica sequer como opcionais. A primeira reestilização aconteceu em 2006, quando o estilo inspirado no antigo Vectra B deu lugar à identidade visual da marca na época. A inspiração novamente foi o Vectra, mas o modelo de 2005 -- uma versão "abrasileirada" baseada no Vectra europeu. Em 2006, o Celta ganhou sua versão sedã, o Prisma.  Já com o "novo" motor 1.0 VHCE de até 78 cv, o Celta ganhou reestilização e permaneceu em linha em 2015, quando foi trocado pelo Onix Joy.

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Agile

De olho em uma resposta ao Volkswagen Fox, a GM lançou um compacto feito para quem colocava o espaço interno em 1º lugar, pegou a plataforma do Celta (a mesma do Corsa) e desenvolveu um carro totalmente brasileiro. O hatch até era espaçoso por dentro, mas o design não caiu no gosto do público. O interior abusava dos plásticos duros e a qualidade dos encaixes deixava a desejar. Mas o Agile tinha algumas soluções interessantes, como o conta-giros com escala no sentido anti-horário e o visor do ar-condicionado que "imitava" controles digitais. Mesmo com leves mudanças no visual em 2014 e a transmissão automatizada Easytronic, o Agile saiu de cena no Brasil em 2014.

Morto no Brasil, vivo na Europa

O Corsa já não é mais produzido aqui há alguns anos, mas continua firme e forte na Europa. A primeira geração do modelo (que nunca tivemos no país) surgiu em 1982 e resistiu até 1993, quando ganhou a segunda geração que fez fama no Brasil.

Depois do fim da produção do compacto em solo brasileiro, o Corsa foi renovado no mercado europeu em 2006 e substituído em 2014. A atual geração está nas ruas do Velho Continente há cinco anos, mas será aposentado ainda neste ano. Isso porque um Corsa inteiramente novo vai estrear ainda neste ano.

Agora nas mãos da PSA-Peugeot Citroën, a geração mais recente do Corsa é feita sobre a plataforma CMP, que também é utilizada no novo Peugeot 208 exibido no Salão de Genebra.

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