Lata nova

'Midas' dos carros customizados, Tarso Marques conta como quase morreu de covid e sobre escolhas erradas na F1

Paula Gama Colaboração para o UOL Divulgação/Tarso Marques Concept

Ao observar a trajetória de Tarso Marques, piloto brasileiro com atuação na Fórmula 1, Fórmula Indy e Stock Car, é possível perceber uma busca por um caminhar único, desprendido de padrões ou caminhos naturais. Essa característica, mesmo que inconscientemente, inflamou uma de suas maiores paixões além da velocidade: o prazer de customizar carros, motos, casas, móveis, joias e até aviões.

Com 45 anos, ele não se vê mais competindo o campeonato completo, mas ainda tem o sonho de construir o seu próprio carro de competição que servirá de base para um "supercarro" brasileiro de rua, concorrente de modelos da Ferrari e Porsche.

"A ideia é coloca-lo na pista para comparar com Ferrari, Porsche, Mercedes. A ideia é andar mais rápido do que esses carros e falar 'é um carro que fizemos'", garante.

Em entrevista ao UOL Carros, Tarso contou sobre seus feitos no mundo da customização, entre eles o hexacampeão mundial entre as motos, e sua atuação mais conhecida do público "comum": os carros reformados durante cinco anos no quadro 'Lata Velha', do programa Caldeirão do Huck.

Ainda falou sobre sua vitória mais recente, a superação de um quadro de covid que quase o matou em poucos dias, e das frustrações que guarda dos tempos de piloto de Fórmula 1.

Divulgação/Tarso Marques Concept
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"Não gosto de nada básico"

Os dias de piloto parecem ter ficado mais distantes para Tarso Marques, que não se vê concorrendo em um campeonato completo devido a seus diversos negócios aqui no Brasil.

Seu principal projeto se tornou uma união de duas paixões: velocidade e customização, interesses que surgiram bem cedo. Seu primeiro projeto, antes mesmo de completar 18 anos, foi uma Harley-Davidson que viu na rua, bem destruída.

"Parei o cara na estrada e disse que queria comprar a moto dele. Tirei o dinheiro do bolso e ele assinou em um guardanapo que estava me vendendo a nota. Foram anos para montar a foto do jeito que eu queria. Passeio em mais de dez oficinas e ninguém fazia o meu desenho, então decidi contratar algumas pessoas para fazer o projeto", conta.

O projeto terminou, mas Tarso resolveu manter a equipe e passou a aceitar encomendas de amigos e conhecidos. Até que, quando saiu da Fórmula 1, decidiu transformar o hobby em algo mais concreto. Atualmente, além de carros e motor, a TMC customiza projetos de aviões, iates, casas, entre outros.

"Fazemos como uma roupa de alfaiataria, de acordo com o tipo de uso da pessoa, gosto pessoal, mas sempre com nossa assinatura. Se eu não gosto do projeto, não faço."

Reprodução/TV Globo

"Carros do Lata Velha são bem mais simples"

Tarso é tácito ao dizer que não gosta de carros antigos e motos originais. Para deixar os veículos com uma nova cara, os projetos de customização costumam durar até um ano e meio para ficarem prontos e chegam a custar milhões de reais.

Com isso, foi um grande desafio para o empresário participar por cinco anos do quadro 'Lata Velha', do Caldeirão do Huck, em que um veículo em condições precárias era totalmente restaurado em questão de poucos dias.

"O Lata Velha não tem nada a ver com os carros que fazemos. São carros nacionais, bem mais simples, e que não seguem a minha linha porque tenho que atender o gosto dos familiares", diz Tarso, que deixou a atração há um ano e meio.

"Tínhamos apenas 15 dias para fazer e um orçamento extremamente apertado. Já tinha sido convidado para participar bem antes, mas depois aceitei fazer na minha linha. Fizemos carros com cara de caros. Foi muito legal."

Carro feito 'do zero' é o novo favorito

Tarso sequer cita o 'Lata Velha' entre seus projetos favoritos. Prefere falar em modelos exclusivos e customizações que já conquistaram prêmios no exterior.

"Costumo brincar que o melhor projeto é o próximo, pois temos cada vez mais equipamentos e tecnologias. De carro, o maior projeto é nosso protótipo. De moto, é a mais falada do mundo, a TMC Dumont, com a qual ganhamos o campeonato. É uma moto com motor de avião, fizemos cada detalhe dela, até o pneu", comemora.

O protótipo citado como carro favorito de Tarso é seu mais recente projeto. Ele começou a construir "do zero" um carro de corrida que pode se transformar em um veículo de rua no futuro.

"A primeira versão será de corrida para um dia tentar desenvolver um supercarro brasileiro de rua. Esse carro ficou pronto, em fase de testes, mas ainda vamos continuar desenvolvendo", revela mantendo o mistério sobre as especificações do modelo.

Divulgação

"Achamos que eu não voltaria"

Em março deste ano, Tarso Marques precisou puxar o freio de mão ao ser diagnosticado com covid-19. Ele conta que, em poucas horas, passou de leves sintomas gripais para "praticamente morto", com 85% dos pulmões comprometidos.

"Cheguei ao hospital às 20h me sentindo 100% normal, dirigindo, respirando normalmente. E, às 4h da manhã, eu parecia outra pessoa. Não respirava de jeito nenhum", lembra.

No processo de recuperação, Tarso passou por uma parada cardíaca, 11 dias de UTI e mais 40 de tratamento intensivo.

"Nós achamos que eu não voltaria. Dois meses depois, estava trabalhando, mas com 50% dos pulmões comprometidos, e eu me cansava absurdamente. É uma doença muito ingrata, porque você nunca sabe como ela vai se manifestar."

Mesmo com uma vida saudável desde a infância, hoje, sete meses depois da internação, o piloto ainda não se sente em plena forma física.

"Hoje estou com 80% da minha forma física. Graças a Deus está tudo bem, sem sequelas. Tive todos os sintomas da covid-19, mas hoje estamos evoluindo. A conclusão a que cheguei é que como nunca fumei, nunca bebi, nunca usei drogas e treino desde criança, por isso demorei mais para sentir a falta de ar. Mas isso também foi o que me salvou", reflete Tarso.

France Presse: AFP

Fórmula 1: sem bobos e à mercê do equipamento

Apaixonado por velocidade, Tarso Marques é direto ao dizer que não há categoria que proporcione mais prazer a um piloto do que a Fórmula 1, categoria na qual correu pela Minardi em 1996, 1997 e 2001.

"É claro que tudo quanto categoria é legal, mas não existe nada nem perto do que é a Fórmula 1. E em tudo. Em estrutura, em equipe, em prazer de guiar o carro. Fórmula 1 é uma coisa completamente fora de série".

O piloto explica que o que se vê na TV não chega nem perto da realidade do que é o campeonato.

"Se pegar a menor equipe, que os caras tiram sarro e que está em último, e somar todas as tecnologias do mundo das outras categorias, não dá o que ela tem. A mesma coisa o piloto. Ganha quem tem um carro melhor. Lógico que tem um que é mais completo, um que tem um pouco mais de sorte, mas não tem nenhum bobo lá", opina.

Ele convida os fãs do esporte a fazerem uma reflexão: o piloto que chegou à Fórmula 1 já foi várias vezes o melhor do mundo em outras categorias. Para ele, o resultado deve ser creditado 80% ao equipamento, 15% à sorte e 5% ao piloto.

"Eu, por exemplo, fui o mais novo da história a andar em um carro de Fórmula 1, aos 17 anos. Mas a realidade lá é completamente diferente. Prova disso é o [Fernando] Alonso. Nós corremos um ano na mesma equipe e eu tive os três melhores resultados. Logo depois ele trocou de escuderia e foi campeão. O equipamento faz toda a diferença", diz.

Mark Thompson/Getty Images

"A F1 virou um trauma"

Perguntado sobre como se sente ao assistir a uma corrida de Fórmula 1 atualmente, Tarso Marques é direto: "triste". Ele explica que a categoria, de certa forma, se transformou em um trauma para ele.

"Fiz uma coisa surpreendente. É muito difícil chegar à F1, e eu cheguei três vezes. Mas perdi oportunidades por erros e decisões que na época achava que eram corretas", conta.

Segundo ele, a primeira grande oportunidade perdida foi a de ir para a Ferrari, com a qual chegou a assinar um pré-contrato, mas foi impedido pela Minardi.

"Eles não me liberaram. Foi então que briguei com a Minardi, fiquei um ano e meio sem correr para conseguir a liberação e, quando consegui, a oportunidade já tinha passado. Acho que fui o único piloto da história que correu na menor equipe ganhando dinheiro. Isso é muito gratificante, mas por outro lado eles me barraram na hora que eu podia ter ido para uma equipe grande", desabafa.

Mark Thompson/Getty Images

Proposta recusada fechou portas

A segunda chance de correr em uma equipe de destaque foi dada por Flavio Briatore, que havia comprado parte da Minardi e, mais tarde, comandaria a Benetton e a Renault. Segundo Tarso, o empresário oferecia na época um contrato de 10 anos, mas sem a garantia de que seria para correr na Fórmula 1.

"Eu me arrependo quando vejo que todos os outros que assinaram (Fisichella, Webber, Trulli e Alonso) e que não eram prioridade na época foram campeões ou pelo menos ganharam algumas corridas de F1. São as coisas da vida. Ele tinha um certo poder quando me ofereceu isso e três anos depois era praticamente o dono da maior equipe da Fórmula 1, além de comandar outras duas boas. Então é aquela coisa, foi uma aposta e não quis largar o que estava certo", lembra.

A frustração do piloto não vem do fato de não ter subido no pódio, mas de não ter tido a oportunidade de mostrar o quanto era competitivo.

"Abandonei a Minardi faltando três anos de contrato. Pensei 'não quero correr só para dizer que sou um piloto de Fórmula 1'. Quando você entra na categoria e não tem nem chance de ganhar devido ao equipamento, perde o sentido. Se não tivesse dado conta, tudo bem. É o dom de cada um. Mas corri com Alonso, Coulthard, Webber, Trulli e Fisichella no mesmo carro e no mesmo dia. E fui mais rápido que todos eles".

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