Etanol x elétricos

Carros "na tomada" também levantam debate ambiental e abrem espaço para conhecidos dos brasileiros

Rafaela Borges Colaboração para o UOL Arte UOL

A procura por meios de locomoção mais sustentáveis tem sido uma das grandes preocupações dos países ao redor o mundo. E, percebendo esse movimento, as montadoras buscam soluções para atender a essa demanda.

Os carros elétricos surgem como alternativas para um futuro mais sustentável. Mas será que essa é uma solução definitiva? Não é bem assim. Questões como descarte das baterias e danos à camada de ozônio mostram que o tema tem muito o que ser discutido.

E é nessa brecha que um velho conhecido dos brasileiros tenta crescer como uma solução mundial. Será que o etanol pode ser uma melhor alternativa para o transporte sustentável?

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'Inimigo' da camada de ozônio

Elétrico a bateria pode não ser a solução final para a mobilidade

O carro elétrico a bateria pode não ser a solução para o futuro da mobilidade individual. A tecnologia, dependendo do local em que é usada, não resolve o problema da agressão à camada de ozônio, de acordo com especialistas.

De acordo com estudos conduzidos pela subsidiária brasileira da sistemista alemã Mahle, na Bolívia, em que quase 65% da energia elétrica é gerada por combustíveis fósseis, o carro 100% a eletricidade emite 32,5 toneladas de gás carbônico equivalente em dez anos. Já o a gasolina gera 31,3 toneladas.

O CO2 é o principal responsável pela degradação da camada de ozônio e consequente efeito estufa. Mesmo não emitindo nenhum gás, o carro elétrico tem uma pegada de carbono alta. Ela começa em seu processo de produção; o das baterias é bastante poluente.

Depois, se estende durante o uso. O elétrico não polui, mas sua energia é obtida a partir de um processo de produção que, em diversos países, é dependente da queima de combustíveis fósseis.

No Brasil, em que 85% da matriz energética é renovável (um dos maiores percentuais do mundo), a pegada de carbono do ciclo de um elétrico é bem menor, de acordo com o estudo da Mahle: 17,6 toneladas por dez anos. Ainda assim, é superior à do etanol (12,1 toneladas/10 anos).

"O futuro é elétrico na mobilidade na Europa e na Ásia", afirma Everton Lopes, mentor de energia a combustão da SAE Brasil. "Mas em países como Brasil, Índia e Estados Unidos, a total eletrificação é coisa para um futuro distante."

O especialista diz também que, ao contrário do que vem sendo defendido pela maioria das montadoras, especialmente as europeias, o elétrico a bateria deve ser apenas uma transição. "A bateria não é a solução final, pois não resolve o problema ambiental. A melhor resposta para o futuro é o veículo elétrico a célula de combustível".

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Brasil busca relevância na nova ordem mundial

Enquanto diversos países da Europa já lançaram cronogramas para a proibição do carro a combustão e várias montadoras anunciaram a extinção desses modelos em suas linhas a curto prazo (veja quadro), o Brasil está fora da corrida tecnológica pelo modelo elétrico. Por aqui, a eletrificação é abraçada por importadoras, principalmente pelas marcas de veículos de luxo, que vendem automóveis de nicho.

A Audi se destaca nesse contexto, com quatro modelos a eletricidade em sua gama (e promessa de novos lançamentos em breve) e investimento em rede de recarga (parte dela em parceria com as duas outras marcas do Grupo Volkswagen que atuam no Brasil, VW e Porsche). A partir de 2033, a empresa não lançará mais novos carros 100% a combustão.

De 2031 em diante, modelos sem eletrificação já não farão parte da linha Audi. Embora, no Brasil, a Mercedes-Benz esteja menos engajada no causa do carro elétrico do que a rival, a empresa não terá, em breve, alternativa que não seja comprar essa ideia.

Recentemente, a Mercedes-Benz anunciou que, a partir de 2025, vai priorizar arquiteturas para modelos elétricos, embora não tenha descartado completamente o carro a combustão. Marcas como Volvo, BMW e Mini também vão seguir esses cronogramas.

Como no Brasil nenhuma dessas empresas tem centro de desenvolvimento, a eletrificação é inevitável para as gamas oferecidas em território nacional. Já as principais montadoras do País, que vendem modelos em alto volume, não estão abraçando a ideia do veículo elétrico como carro-chefe.

Para elas, o Brasil já tem uma fonte sustentável e com baixo índice de poluição: o etanol. A principal entusiasta dessa ideia é a Volkswagen. Enquanto a matriz anuncia planos de eletrificação ambiciosos no mundo, a subsidiária brasileira vai implementar um centro de estudos e desenvolvimento para o biocombustível, em parceria com universidades e com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC).

O Brasil é o segundo maior produtor mundial de etanol (atrás dos Estados Unidos) e domina a tecnologia. No centro de estudos, o principal objetivo é desenvolver novas tecnologias que aumentem a produtividade do bicombustível.

Com isso, a Volkswagen quer se tornar um centro de desenvolvimento de tecnologias de etanol para mercados emergentes que não estejam no caminho da eletrificação total. "Entre os exemplos, há a Índia e a África do Sul, diz o presidente da VW do Brasil, Pablo di Si.

De acordo com o executivo, o desenvolvimento do carro a etanol tornará a Volkswagen em um centro de exportação de tecnologia e fortalecerá a relevância da subsidiária na estratégia global do conglomerado automotivo. "Poderíamos abraçar a ideia da eletrificação total, mas isso significaria fechar todas as nossas fábricas no Brasil e ter apenas veículos importados", diz Di Si.

"Nossa aposta para o futuro do Brasil tem três pilares e o carro elétrico é um deles. Os demais são o veículo a etanol e o híbrido a etanol", afirma. A VW quer desenvolver essa última tecnologia e exportá-la a diversos países.

Em breve, a linha nacional da marca terá um carro com motor elétrico combinado a um propulsor a etanol. A Toyota saiu na frente nessa corrida, com o Corolla, há dois anos, e o Corolla Cross, lançado no início deste ano.

De acordo com Di Si, a Volkswagen do Brasil tem condições de manter o desenvolvimento para novas tecnologias de motores a combustão independente da matriz, que vai parar de investir em inovações para a tecnologia.

Maior montadora do Brasil, a Stellantis (reúne marcas como Fiat, Jeep, Ram, Peugeot e Citroën) anunciou em meados de julho um ambicioso plano de eletrificação global, com investimento de 30 bilhões de euros. A expectativa é de que, até 2030, 70% dos veículos vendidos na Europa e 40% dos entregues nos EUA sejam eletrificados.

A subsidiária brasileira ainda está estudando a realidade do Brasil no contexto da eletrificação. "Considerando a importância do etanol, estamos desenvolvendo o planejamento estratégico para uma propulsão de baixo carbono no Brasil e na América Latina", informa em nota.

De acordo com uma fonte da Stellantis, o grupo, no Brasil, não vai virar uma Tesla (marca que só vende carros elétricos) em tão curto prazo. O processo de transição será longo e o etanol, uma peça fundamental.

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Por que a Europa abraçou o elétrico

Se o etanol tem pegada de carbono menor que a do elétrico a bateria em qualquer circunstância, mesmo em países que usam matrizes sustentáveis, o combustível não resolve o problema de emissões de gases nocivos, que geram a poluição em grandes centros urbanos.

O carro elétrico não emite poluentes. No veículo a etanol, a emissão de gases nocivos é mais baixa que dos modelos a gasolina e a diesel. Ainda assim, existe. "Por isso o veículo a eletricidade é uma solução mais adequada a centros urbanos", diz Everton Lopes, da SAE. "Ele resolve o problema local da poluição, mas não o global, de emissões de gás carbônico."

Para Lopes, a eletrificação é a resposta para o transporte coletivo urbano, principalmente em ônibus, responsáveis por grande parcela das emissões de gases nocivos nos grandes centros.

Reduzir a poluição nos grandes centros é um dos principais objetivos da Europa ao abraçar o carro elétrico como solução para a mobilidade. No entanto, há também uma pauta geopolítica. A eletrificação resolve o problema de dependência que o continente tem em relação ao combustível, cuja matéria-prima, o petróleo, é importada de locais como o Oriente Médio.

A dependência é uma das razões para a Europa não investir no biocombustível, de acordo com Lopes. No continente, não há áreas para cultivar matérias-primas necessárias para a produção de etanol e biodiesel, por exemplo.

Adotar o biocombustível como solução para reduzir a degradação da camada de ozônio seria manter a dependência de matérias-primas importadas. Situação diferente da enfrentada pelos Estados Unidos, o maior produtor de etanol do mundo - e que, em algumas regiões, já usa o biocombustível misturado à gasolina, como no Brasil.

Os EUA são também o segundo maior mercado de carros elétricos do mundo, atrás da China, com ótima infraestrutura de recarga em Estados como a Califórnia. Porém, a aceitação do norte-americano ao veículo a eletricidade começa a passar por uma crise.

Estudo conduzido pela Universidade da Califórnia e divulgado em maio mostra que um em cada cinco norte-americanos já abandonaram seus carros elétricos e voltaram aos modelos a combustão. A principal razão: o tempo de recarga.

A tecnologia de recarga das baterias e a autonomia vêm evoluindo, mas a duração do processo ainda é longa. Enquanto um norte-americano leva três minutos para encher o tanque de seu Ford Mustang a gasolina, recarregar a bateria demora pelo menos 30 minutos em uma estação rápida, a partir de 50 kW. Em tomadas caseiras, o tempo é ainda maior.

Cronograma da eletrificação

  • Europa

    Na Europa, está prevista para 2035 o fim das vendas de carros a combustão, inclusive híbridos. Porém, alguns países têm seu próprio cronograma. São eles Noruega (2025), Holanda, Suécia, Eslovênia, Irlanda e Israel (2030), e Dinamarca e Reino Unido (2035 - vetarão não apenas as vendas, mas a circulação de carros a combustão).

    Imagem: Reprodução/Best-Wallpaper
  • Estados Unidos

    Washington (2030), Califórnia, Massachusetts e Nova Jersey (2035)

    Imagem: Stephanie Keith/Getty Images/AFP
  • Outros países

    Japão (meados de 2030)

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Entraves do carro elétrico no Brasil

Para o carro elétrico evoluir, subsídios do governo para a compra do automóvel são fundamentais, pois o produto é caro (as baterias têm alto custo). É o que ocorre em países da Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, subsidiar o modelo a eletricidade não está no horizonte. "Aqui, e em outros países emergentes, as prioridades de investimento são outras", diz Pablo di Si.

Não há também incentivos do governo para rede de recargas. Um carro elétrico não pode depender apenas de tomadas caseiras. É preciso ter estações rápidas (DC), a partir de 50 kW, principalmente em estradas.

Todo o investimento nessa infraestrutura tem sido feito, até agora, por montadoras como BMW e o Grupo Volkswagen (VW, Audi e Porsche). E, em um país de proporções continentais, a instalação dos pontos tem sido bastante regionalizada, priorizando os Estados do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.

Por isso, o etanol, que gera empregos, impostos e renda, é a aposta do Brasil na corrida pela redução de emissões. Mas, para o consumidor, há uma importante questão: o preço.

Recarregar um modelo elétrico em casa, com cerca de 300 km de autonomia, custa cerca de R$ 40 em São Paulo. Já reabaster um veículo a etanol, no mesmo Estado e para alcançar a mesma autonomia, passa dos R$ 150.

Marcas que apostam nos elétricos

  • Audi

    Não terá mais lançamentos a combustão a partir de 2026. Em 2033, deixará de produzir esse tipo de veículo

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  • Volvo

    Já tem 100% da linha composta por híbridos e elétricos (inclusive no Brasil). A partir de 2030, só venderá veículos 100% a eletricidade

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  • Mini

    Terá apenas carros elétricos a partir de 2030

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  • Volkswagen

    A partir de 2030, 80% dos carros serão elétricos em todo o mundo

    Imagem: Divulgação/Volkswagen
  • BMW

    Planeja elétricos representando 50% das vendas até 2030, mas não anunciou planos de eletrificação total

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  • Stellantis (Fiat, Chrysler, Peugeot e Citroën)

    Para 2030, planeja que elétricos representem 70% de suas vendas na Europa

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  • Mercedes-Benz

    Planeja se tornar 100% elétrica até o fim da década, em mercados que tiverem condições para isso

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  • Ford

    Passa a vender apenas híbridos e elétricos na Europa a partir de 2026

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  • General Motors

    Deixará de oferecer modelos a combustão em 2035

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CNA

Etanol ganha protagonismo no elétrico a célula de combustível

A célula de combustível já foi bastante considerada na indústria como alternativa para a eletrificação. A maioria das marcas deixou de priorizar essa tecnologia para aprimorar o desenvolvimento de carros elétricos a bateria, em parte por causa de seus altos custos.

Porém, o debate volta à tona, após novos estudos sobre matérias-primas para obtenção do hidrogênio. Essa substância é necessária para a reação química que gera a energia elétrica para alimentar o motor do veículo. Entre essas matérias-primas, está o etanol. A Volkswagen inclui a célula nos estudos de seu centro de desenvolvimento sobre o biocombustível.

Já Nissan anunciou um projeto para criar, no Brasil, tecnologia que permita gerar a reação na célula de combustível a partir do etanol. O estudo é desenvolvido em conjunto Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).

Para o carro a célula de combustível funcionar, seria necessário abastecer um tanque convencional com etanol, eliminando a recarga na tomada - e o consumo de energia elétrica. Outra vantagem é dispensar as imensas baterias, que representam até 30% do peso do carro.

O veículo a célula de combustível requer apenas uma pequena bateria.

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