As marcas de origem chinesa estão fazendo nova investida no mercado brasileiro, depois de uma primeira "invasão" que não foi muito bem-sucedida há cerca de dez anos.

O momento pode não parecer o mais propício, pois a indústria passa por sua maior crise nesse século. Mas, segundo executivos das montadoras da China que estão no País, esse período de queda é o ideal para o início da nova investida.

Great Wall adquiriu fábrica no interior de São Paulo para produzir modelos por aqui, seguindo o mesmo caminho da Chery - que mantém operação local em parceria com a Caoa. Já a BYD está entre as cotadas para assumir o gigantesco pátio industrial da Ford na Bahia.

Em comum, a mesma aposta: o próximo carro que você comprará será chinês, elétrico e não custará pouco.

China quer eletrificar o Brasil

Diferentemente da primeira invasão, em que o foco foi em carros populares, desta vez as marcas chinesas investem em modelos de maior valor agregado. Além disso, têm um outro diferencial em comum: a eletrificação. Com isso, a China, que é líder mundial na tecnologia de baterias, entra como candidata a protagonista para a corrida eletrificada no Brasil.

A BYD, que recentemente começou a atuar no segmento de automóveis, oferece dois modelos importados 100% elétricos. A JAC, que chegou a deixar o Brasil e perdeu a força de sua operação, já tinha apenas esse tipo de veículo em sua gama.

No entanto, os 100% a eletricidade ainda estão longe da realidade. Os modelos híbridos que serão protagonistas da primeira fase dessa nova invasão chinesa. A Great Wall, que começa a importar automóveis ainda este ano, e produzi-los na planta que comprou da Mercedes-Benz em Iracemápolis em 2023, investirá inicialmente em carros que combinam motor a combustão com um elétrico.

Haverá SUVs e picapes, e dois tipos de tecnologia. A marca investirá tanto nos híbridos plug-in, que são carregáveis na tomada, quanto nos por regeneração. Esse segundo recurso é o mesmo encontrado no Corolla e no Corolla Cross.

A BYD, quando passar à condição de fabricante, também apostará nos híbridos. A montadora conversa com vários governos para definir a instalação de sua fábrica. Embora essa negociação não esteja concluída, não descarta a compra da planta da Ford em Camaçari (BA).

"Para uma fábrica fazer sentido, é preciso ter volume entre 10 mil e 15 mil unidades por mês", diz o diretor de vendas da empresa, Henrique Antunes. "Esse volume só conseguiremos com carro híbrido. Por isso, nosso plano é começar com um do tipo plug-in."

Marcas chinesas no Brasil

  • Caoa Chery

    Principais modelos: Tiggo 5X e 8 Vendas em 2021: 20.936 unidades

    Imagem: Reprodução
  • JAC Motors

    Principais modelos: E-JS1; E-JS4 Vendas em 2021: 773 unidades

    Imagem: Divulgação
  • BYD

    Principais modelos: Han; Tan Vendas em 2021: 82 unidades

    Imagem: Divulgação
  • Great Wall

    Principais modelos: Haval H6 (2023) Vendas em 2021: -

    Imagem: Divulgação

Democratização do híbrido

A Caoa Chery, que surgiu da união da brasileira Caoa com a chinesa Chery, já deu um passo importante na consolidação das marcas da China como referências em eletrificação no Brasil. Embora os modelos a combustão não tenham sido totalmente abandonados, agora toda a linha tem opção a bateria.

Os modelos Tiggo 5X, Arrizo 6 e Tiggo 7 são híbridos leves. Eles trazem bateria para alimentar um pequeno motor elétrico que não é capaz de movimentar as rodas, mas auxilia o a combustão para obter mais economia de combustível. "São até 13% mais eficientes", diz o CEO da montadora, Márcio Alfonso.

Além disso, o Tiggo 8 agora é híbrido Plug-in, embora tenha passado a ser importado. A nacionalização, no entanto, deve acontecer em breve, se ele mantiver os bons volumes que obteve nas pré-vendas, de acordo com o executivo.

CCO da Great Wall, Oswaldo Ramos vê o investimento da fabricante que dirige no segmento de eletrificados como uma maneira de levar o eletrificado a mais pessoas. "Os nossos carros, SUVs médios (como Compass e Corolla Cross), por exemplo, não serão populares, mas trarão essa inovação pelo mesmo preço de seus concorrentes."

Além do Corolla (e dos Caoa Chery eletrificados), não há outros híbridos produzidos no Brasil. A maioria é de marcas premium. Mesmo os que não são vêm com preço muito alto, a exemplo do Jeep Compass 4xe, por R$ 350 mil (o Tiggo 8, apesar de trazido da China por enquanto, já foi lançado por R$ 80 mil a menos).

"É um movimento interessante das marcas chinesas, e elas têm consistência nesse plano de eletrificar o mercado", diz o consultor de mercado Milad Kalume, da Jato Dynamics. "Porém, terão uma briga intensa com o Corolla, que hoje é a referência em modelos híbridos no Brasil, responsável pela maior parte do volume."

Transição sem pressa

"A vantagem que o Brasil tem com o etanol (combustível mais limpo que a gasolina) nos dá tempo de fazer a transição com mais calma", diz Alfonso. Por isso, a marca decidiu começar com os híbridos leves. "Tínhamos a tecnologia, e estudamos sua implementação desde 2018", explica.

Segundo o executivo, essa é a maneira mais barata de iniciar o processo de eletrificação. "Há a questão ambiental e também o preço do combustível no Brasil. Consumo é a maior preocupação do cliente", diz. "Com o híbrido leve, oferecemos economia de combustível por um preço pouco mais elevado que o do carro a combustão."

A transição tem de passar pelo híbrido não apenas pelo volume, mas pela criação da infraestrutura. Esta é a visão de Oswaldo Ramos. "Na Europa, os modelos plug-in começaram a criar a infraestrutura para a chegada dos elétricos.

Para o executivo, o Brasil é um país de dimensões continentais, no qual se percorre longas distâncias. "Antes de se criar a infraestura, o elétrico fica restrito a cidades", diz. Kalume, da Jato, corrobora. "Marcas que insistirem em partir direto para o elétrico vão ser de nicho, presas à atuação em grandes centros, principalmente."

Mudança de estratégia

A eletrificação e o abandono do carro de entrada são as duas premissas dessa segunda invasão chinesa. Entre as razões, há o fato de a China ter evoluído no mercado de eletrificados, e dominar a tecnologia no panorama mundial.

"A China criou em 2008 um plano de incentivos para reduzir as emissões, e esse processo passa pelo automóvel", diz Alfonso. "Em cinco anos, o mercado chinês de carros elétricos foi de 2% para 30%", afirma Antunes. "Até a Tesla passou a ter fábrica em território chinês."

A BYD, inclusive, ultrapassou recentemente a Tesla como número um em vendas mundiais de carros elétricos. Outro ponto importante da mudança da estratégia é a evolução do carro chinês de dez anos, data da primeira invasão, para cá.

"A indústria chinesa de primeira linha hoje é importante e relevante mundialmente", diz Kalume. Em outras palavras, esqueça o carro chinês de dez anos atrás. Hoje, as marcas importantes do País têm competência para oferecer automóveis de qualidade em segmentos de maior valor agregado.

Corrida pela tomada

Qual será a primeira marca a produzir um carro elétrico no Brasil? Caoa Chery ou Great Wall? A segunda já tem seu plano definido: deverá ter um modelo 100% a bateria em Iracemápolis a partir de 2025. A planta receberá investimento de R$ 10 bilhões no ciclo de 2023 a 2032.

Já a Caoa Chery lançou recentemente o iCar, que superou o Renault Kwid e-tech no posto de carro elétrico mais barato do Brasil. Ambos são produzidos na China.

Embora a nacionalização do iCar não esteja em um universo tão próximo quanto a do Tiggo 8 Plug-in, Marcio Alfonso, CEO da Caoa Chery, não a descarta. Pontua, no entanto, que exigiria investimento mais alto, além de um volume que carros elétricos estão ainda longe de atingir.

Modelos como iCar e Kwid, os mais baratos do Brasil, ainda assim são modelos caros para suas propostas de hatches nada sofisticadas. Saem em torno de R$ 150 mil. Considerando que um novo HB20 topo de linha está custando quase R$ 120 mil, na teoria a distância pode não parecer tão grande.

Na prática, no entanto, é. Isso porque esses elétricos são modelos de baixa autonomia, e restritos a cidades. A limitação é um fator que tende a afastar clientes de modelos mais populares, que não costumam ter dois carros - um para o dia a dia e outro para pegar a estrada.

Por isso, os "populares" elétricos ainda são mais adequados para clientes de modelos de maior valor agregado, que pensam nesse automóvel como um produto alternativo, para usar no dia a dia.

Por que o momento é o ideal

A primeira invasão chinesa ocorreu em um momento de grande euforia do mercado de carros no Brasil. A segunda vem em fase de baixa de nossa indústria. Por que agora? CCO da Great Wall, Oswaldo Ramos explica que o volume atual do mercado não é importante. O Brasil, para o executivo, vai se recuperar, e o planejamento da empresa é de longo prazo.

"O consumidor brasileiro já percebeu que a eletrificação é um fenômeno mundial sem volta, e que nossos carros estão ficando para trás", diz. "Isso cria um universo perfeito para a entrada da Great Wall nesse segmento."

Segundo Ramos, se a marca chegasse no cenário em que o carro híbrido já estivesse consolidado, teria dificuldades de concorrer com montadoras já estabelecidas. "Por isso a opção pela eletrificação: quem sai na frente nesses momentos de ruptura tecnológica tem vantagem".

Outro ponto importante destacado por BYD e Great Wall é que suas fábricas no Brasil não serão apenas para o mercado brasileiro. Elas funcionarão como um hub de exportação para a América Latina.

Primeira invasão fracassou

Por que a primeira experiência chinesa não funcionou no Brasil? A JAC, que chegou com ampla rede de concessionárias e promessa de altos volumes e produção de fábrica, hoje é uma pequena marca de nicho. A Geely mal lançou seus carros no Brasil e já abandonou a operação. A Chery foi salva pela parceria com a brasileira Caoa.

Executivos e especialistas de mercados apontam alguns fatores. O primeiro é o desenho da operação. Todas as marcas eram representadas por importadores independentes e, mesmo quando se tornaram fabricantes, não eram subsidiárias de suas montadoras.

As novatas BYD e Great Wall chegam agora como subsidiárias, com apoio de suas matrizes na China. O segundo ponto é a escolha do carro popular. São modelos que precisam de alto volume para concorrer com montadoras já estabelecidas no Brasil. As chinesas, há dez anos, jamais conseguiram esses volumes.

Além disso, as marcas da China entenderam, na época, que o brasileiro queria carros básicos. Mas, àquela altura, o mercado já estava mudando. O consumidor procurava modelos mais bem equipados e sofisticados, algo que as chinesas não ofereciam. Seus produtos eram inferiores aos de montadoras já estabelecidas.

Com a nova escolha, por carros com maior valor agregado, as chances de competir de igual para igual com marcas já estabelecidas é maior, mesmo com fábricas pequenas. Isso porque os produtos têm, naturalmente, volume bem menor que os de entrada.

Os especialistas apontam também que, na primeira invasão, faltou estudo do mercado brasileiro e construção da identidade de marca. Isso é um processo de longo prazo, que se dá por meio de trabalho de marketing e, principalmente, investimento em uma rede de concessionárias ampla e sólida.

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