Olho no futuro

Rafael Chang mostra visão de longo prazo da Toyota para encarar metamorfose da mobilidade

Alessandro Reis, Daniel Neves e Fernando Calmon Do UOL, em São Paulo Simon Plestenjak/UOL

Primeiro presidente da Toyota do Brasil não nascido no Japão, o peruano Rafael Chang, de 52 anos, recebeu a reportagem de UOL Carros na sede da montadora no País, em São Bernardo do Campo (SP), usando o mesmo uniforme dos demais trabalhadores. O bate-papo ocorreu antes da paralisação das atividades por conta da pandemia de coronavírus.

Com ascendência chinesa, por parte do pai, e japonesa, por parte de mãe, o executivo formado em engenharia em Lima, sua cidade natal, iniciou a carreira em 1993, quando assumiu como estagiário da área de marketing no país vizinho.

Após passagens pela matriz, no Japão, e depois de comandar as operações da Toyota na conturbada Venezuela, Chang assumiu a filial brasileira da montadora no início de 2017.

Na bagagem, ele trouxe a experiência de lidar com as dificuldades do mercado venezuelano, como inflação elevada, vendas despencando e produção local desmantelada - hoje, segundo ele, a Toyota é a única empresa a fabricar veículos no país sul-americano.

Mesmo sem ter nascido no Japão, Rafael Chang demonstra estar perfeitamente alinhado com valores tão tradicionais na cultura oriental. Seu discurso é humilde e ponderado, pontuado diversas vezes por termos como "visão de longo prazo" e "compromisso com clientes, funcionários e fornecedores".

Ele, que relata fazer questão de se comunicar em português com seus comandados, embora admita ainda falar "portunhol", comandou um projeto estratégico aqui: o lançamento, em setembro do ano passado, do novo Corolla - o primeiro automóvel híbrido flex produzido em larga escala do mundo.

No Brasil, além de desafios como aumentar a competitividade e lidar com o dólar alto, Chang conduz outras missões relevantes, como transformar a Toyota em uma empresa que não apenas fabrica e vende automóveis, mas oferece soluções de mobilidade.

O presidente também aborda assuntos como eletrificação, carros autônomos e conectividade. As respostas, que você lerá abaixo, dão a pista do carro que podemos esperar para o futuro: um Corolla híbrido, tecnológico e que você não precisa ser dono para dirigir.

Simon Plestenjak/UOL

Assista à íntegra da entrevista com o presidente da Toyota no Brasil, Rafael Chang, no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto.

Simon Plestenjak/UOL

A fábrica de 30 carros por mês

O tempo de Chang à frente da Toyota na Venezuela é apontado pelo executivo como "muito interessante" para sua formação até chegar à liderança da Toyota no Brasil.

Foi lá que ele começou, segundo diz, a "aprender um pouco sobre produção"."Fui para a Venezuela, no primeiro ano, como responsável pela operação de produção e, no segundo ano, como presidente da operação, quando, relata "esteve praticamente morando na fábrica".

"A experiência de trabalhar em um mercado difícil, com uma inflação muita alta, com as dificuldades que, agora, a Venezuela tem, deu para mim essa experiência".

A filosofia de "pensar sempre a longo prazo", de acordo com o executivo, é o motivo para a Toyota manter sua fábrica no país - apesar de estar fabricando apenas cerca de 30 carros por mês, enquanto a capacidade produtiva já chegou a ser de 60 mil unidades/ano. Corolla, Hilux e SW4 são os carros feitos por lá.

"Eu acho que isso é um pouco da nossa filosofia de sempre pensar em longo prazo. Nós não fazemos nunca uma coisa só, pensando no hoje ou amanhã", complementa.

"O principal, para nós, é continuar dando serviço aos nossos clientes. Nós temos um parque importante, na Venezuela e acho que é com essa visão que estamos nos mantendo lá. Com certeza o país vai melhorar, e, nesse momento, nós vamos estar lá".

Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

Corolla híbrido vendeu mais que o esperado

O sucesso do Corolla no Brasil, é indiscutível, já que o sedã médio da marca japonesa lidera com folgas seu segmento há anos. Ainda assim, a chegada da versão híbrida flex mexeu com o mercado e teve uma receptividade acima das expectativas da própria Toyota, segundo Chang.

"Nós começamos com um mix, estimamos 20% do portfólio da versão híbrida. Tivemos que ajustar a nossa produção para quase 40%. Isso não está acontecendo somente aqui. Isso significa que o mercado já está, primeiro, entendendo qual é o mérito e o benefício que a tecnologia trazem".

O objetivo agora é eletrificar toda a gama até 2025, seguindo o mesmo caminho da Lexus. Isso significa que todos os nossos modelos vão ter pelo menos uma versão que seja híbrida ou eletrificada.

Segundo o executivo, o sucesso não se restringe ao sedã - o novo RAV4, que agora é vendido aqui apenas na configuração híbrida, mais do que triplicou as vendas em relação ao seu antecessor.

Chang confirma que a plataforma modular DNGA, uma adaptação da TNGA utilizada no Corolla, já permite que a tecnologia híbrida flex também seja utilizada em modelos compactos e mais acessíveis da companhia no Brasil.

"Tudo depende do balanço entre custo e rentabilidade".

Também diz que, mesmo importado e abastecido só com gasolina, o pioneiro Prius seguirá no portfólio "com um volume menor" e que foi necessário "investir" para trazer a hibridização ao Brasil.

"Quando a Toyota começou com a primeira geração do Prius, teve uma questão de, não vou falar de prejuízo, mas de investimento de colocar a tecnologia no mercado".

Simon Plestenjak/UOL

Volta da Daihatsu ao Brasil?

Apostamos nossas fichas que o próximo híbrido da empresa no Brasil será um modelo inédito a ser produzido, mediante o investimento de R$ 1 bilhão, na fábrica de Sorocaba (SP) - de onde já saem as famílias Etios e Yaris.

Esse modelo deve ser o SUV compacto que hoje a Toyota não tem em seu portfólio, apesar de ser a categoria que mais cresce no País.

Chang não crava, mas sinaliza qual pode ser esse próximo modelo, que pode ser comercializado aqui até com outro emblema - a Daihatsu, marca de compactos que pertence à Toyota e já esteve presente aqui nos anos 1990.

Recentemente, a Toyota registrou no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) componentes do Daihatsu Rocky, construído exatamente sobre a plataforma DNGA. O Rocky, inclusive, tem uma variante da Toyota, batizada de Raize.

"É uma das opções que nós temos. A Daihatsu é uma marca do Grupo Toyota que está focada em carros menores. Isso [trazer a Daihatsu de volta ao País] vai depender muito das condições de cada mercado, se vai dar pra introduzir a marca Daihatsu ou continuar com a marca Toyota. A possibilidade existe".

Simon Plestenjak/UOL

Futuro do Etios

Rafael Chang também nega que o Etios seja descontinuado no Brasil, onde convive com o Yaris, que tem porte semelhante e praticamente a mesma base mecânica e estrutural - trazendo um desenho mais atual.

O compacto foi recentemente descontinuado na Índia, onde também tinha produção local.

"Aqui, nós vamos manter o Etios dentro dos carros sedã e hatch. Eu acho que é um carro bem-sucedido, que tem uma demanda importante, que nos permite entrar numa faixa complementar ao Yaris".

Ele destaca que o Etios brasileiro tem alta demanda em mercados para os quais é exportado, como Argentina e Peru.

"Você vai para Argentina e o Etios acho que é um dos primeiros carros dentro do mercado".

Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

Desafio da competitividade

Especificamente em relação ao mercado brasileiro, Chang ressalta que a Toyota "tem planos firmes" de seguir investindo no País, apesar de incertezas como o coronavírus e do dólar nas alturas.

"Nós achamos que não vai ser a primeira, nem a última situação difícil que vai acontecer. Olhando a médio e longo prazo, nós achamos que o mercado brasileiro vai continuar crescendo e vai voltar ao patamar, não sei, estamos falando de três milhões, pelo menos".

O executivo acredita no potencial de produção de 4 milhões a 5 milhões de veículos por ano, mas o ponto "é a velocidade na qual o mercado vai atingir esse número", ainda mais em um momento de crises e incertezas pós-pandemia.

Ele também destaca que, a seu ver, as reformas do governo federal, como a trabalhista, da Previdência e tributária, são estratégicas para reduzir custos e aumentar a competitividade.

Isso também passa pelo aumento nas exportações, como forma de compensar a variação cambial.

"Meu sonho é exportar para outras regiões. Mas, para isso, temos de ter essa competitividade que nos permite não só concorrer com outras montadoras, mas concorrer com as próprias plantas da Toyota de outras regiões", pontua.

Ele revela que hoje cerca de 20% da produção local são destinados a outros mercados, todos da América Latina, e o ideal seria atingir um percentual de 50% - ou, no mínimo, 30%.

Simon Plestenjak/UOL

Compartilhamento de carros e novos negócios

Vender carros não será mais suficiente para a sobrevivência das montadoras. Com esse pensamento em mente, a Toyota se adaptar aos novos tempos, trazendo ofertas de mobilidade em várias frentes.

Chang destaca o programa Toyota Mobility Services, um sistema de aluguel lançado em 2019 que hoje tem uma frota superior a 300 veículos, que são reservados via aplicativo e retirados e depois devolvidos em uma concessionária. O catálogo varia do Etios a modelos de luxo, passando pelo tecnológico Corolla híbrido.

De acordo com o executivo, a taxa de ocupação hoje é de mais de 40% e a Toyota vai ampliar as iniciativas de mobilidade neste ano.

Ele dá uma pista ao menos de parte do que está por vir: "A tendência, também, nas empresas é cada vez menos possuir os carros, estão alugando mais. Acho que nesse território nós também vamos entrar mais cedo ou mais tarde".

Simon Plestenjak/UOL

Autônomos, cidades inteligentes e mobilidade

O futuro planejado pela Toyota também passa pela conectividade e pela automação. Recentemente, a marca anunciou a construção de uma "cidade do futuro, aos pés do Monte Fuji, para a Olimpíada do Japão - que foi adiada para 2021 por conta do coronavírus.

Chamada de Woven City (Cidade de Tecido), a iniciativa prevê que toda a infraestrutura seja conectada, permitindo que casas, sistema elétrico e até automóveis "conversem" entre si e funcionem de forma coordenada, utilizando, inclusive, inteligência artificial.

Para Rafael Chang, esse tipo de tecnologia será fundamental para viabilizar, talvez em um futuro não muito distante, a fabricação e a venda de carros capazes de rodarem sozinhos, sem intervenção humana.

"Imagino que se essa cidade que partiu do zero der certo, vamos procurar encontrar um jeito de como adaptar a infraestrutura que existe, agora, com essas novas tecnologias, com interações, que, novamente, vão ter as casas, os carros, tudo".

Ele também destaca a chegada recente de assistentes de condução ao Corolla e ao RAV4, que estrearam depois de outras marcas já oferecerem recursos do tipo há alguns anos.

"Eu acho que o conceito do carro autônomo é facilitar a condução. Pode ser que não seja diretamente carro autônomo, mas o Toyota Safety Sense, que já existe no Corolla e no RAV4. Ajuda a condução do veículo e aumenta ainda mais a segurança".

Chang diz que está nos planos acrescentar recursos como frenagem automática e também mais conectividade nos carros da marca - o novo Chevrolet Onix, por exemplo, já oferece internet 4G dedicada com roteador Wi-Fi.

"Nós vamos acelerar. A empresa criou dentro da própria Toyota algumas divisões que estão focadas nisso, como melhorar a questão de conectividade. Como eu falei, é quase mudar o carro do hardware para o software. Nesse sentido, nós entendemos que esse é o caminho".

Simon Plestenjak/UOL

Empresas de tecnologia x montadoras

Chang aponta que daqui para frente as montadoras terão de seguir o "conceito de concorrência colaborativa ou concorrência parceira", o que inclui outras fabricantes e empresas de tecnologia.

Seja por meio de parcerias ou até de fusões, a exemplo do que FCA e PSA estão fazendo.

"Vamos continuar produzindo carros, mas pode ser que o conceito mude de produzir hardware para produzir software e que os carros sejam quase softwares", como já acontece com os telefones celulares.

"Nesse cenário de mudanças tão rápidas, você tem de tentar. Tentar, fazer parcerias, algumas vão dar certo, outras, não. Acho que nessa velocidade em que o mundo está mudando, a empresa está fazendo muitos investimentos em startups para desenvolver novas tecnologias, sobretudo, autônomos, complementa.

Todas essas características, portanto, sugerem como será o Corolla, um dos carros mais vendidos no planeta, no futuro: eficiente, com propulsão híbrida ou, quem, sabe, até 100% elétrica; conectado, com acesso 100% do tempo à internet e capaz de se comunicar com a infraestrutura das cidades; e compartilhado, com reserva por aplicativo, caso você não queira comprá-lo.

Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL
Topo