Tesão sobre rodas

Relação entre sexo e carros envolve voyerismo, poder e atração pelo diferente

Daniel Lisboa Colaboração para o UOL Getty Images

Quando ainda era um menor de idade com muita imaginação e nenhuma prática, Dudu* pegava carona com uma garota mais velha quando o carro em que estavam quebrou de frente para a praia. Era Carnaval, ela era prima de uma amigo e eles transaram ali mesmo.

Começava ali uma relação que perdura até hoje. No caso, com os automóveis. Dudu gosta de transar em carros e usa o automóvel para buscar aventuras sexuais. E ele está longe de ser exceção.

Sexo e carros estão ligados por fetiches, questões de ordem psicanalítica ou puro e simples utilitarismo desde que os automóveis se popularizaram. É esta relação entre desejo, humanos e máquinas que o UOL Carros investiga nesta reportagem.

* Nomes citados na reportagem foram modificados a pedido dos entrevistados

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Sedãs são os favoritos

Uma pesquisa feita pela plataforma Sexlog no início deste ano, com quase 14 mil respondentes, descobriu que 89% deles já transaram em um carro. Cerca de 32% o fizeram com mais de uma pessoa e 39% afirmam que chegaram a fazer sexo com o carro em movimento.

Isso não significa, porém, que todas essas pessoas têm algum tipo de preferência especial: 51% consideram confortável e recomendável transar no carro, enquanto 36% consideram desconfortável fazê-lo e só topam se não tiverem outra opção.

Mas vale qualquer tipo de veículo na hora que o tesão fala mais alto? Não exatamente. A Sexlog fez perguntas bem específicas sobre o assunto e descobriu que as características do automóvel fazem diferença.

Para 42% dos respondentes, os modelos sedã oferecem as melhores condições para um sexo minimamente confortável. Os utilitário esportivos do tipo SUV vêm a seguir com 27%, seguido pelos utilitários tradicionais como caminhonetes (15%) e modelos hatch (9%). Modelos esportivos ficaram com apenas 8% da preferência.

Para além do tamanho, o que pode atrapalhar uma transa no carro? Bancos que não reclinam o suficiente são um empecilho para 35% dos entrevistados, enquanto as características do freio de mão e do câmbio são importantes para 26% e 23% dos respondentes.

"A pesquisa mostra que, para o brasileiro realmente animado, não tem nada que o impeça de realizar uma boa fantasia. Apesar das preferências por sedã e SUV's, tudo bem se for em outro tipo de carro, numa moto ou na caçamba!", diz Mayumi Sato, CMO da Sexlog.

Se por um lado a gente precisa falar sobre os riscos envolvidos na prática - e sabemos que há quem se excite justamente por conta desses riscos - por outro a gente pode aproveitar para repensar a hipocrisia de tratar o sexo como aceitável apenas para as práticas mais convencionais".

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Carona para o prazer

De fato, há pouco de convencional nas aventuras relatadas por Dudu à reportagem. "Estava com um amigo em São Paulo e, ao passarmos em frente a um hotel, um casal com um Renegade bem espaçosa parou e fez um convite. O marido perguntou se queríamos nos divertir e entramos na mesma hora.", conta Dudu.

O taxista carioca Thiago* é outro que faz do carro seu motel ambulante. Ele adora usar o veículo para suas transas e, mais do que isso, considera excitante fazê-lo.

Uma vez busquei uma cliente que saía de uma casa de swing. Ele estava de saia e começou a se exibir sem calcinha para mim. Quando dei por mim, estava no meio da Avenida das Américas, com o pisca ligado e transando com ela no banco de trás."

Thiago conta também que existe um estacionamento na praia da Reserva onde se reúnem adeptos do chamado 'dogging', nome dado para o fetiche por transar em público.

"Casais liberais que curtem solteiros costumam aparecer lá. Ficam se exibindo até escolherem alguém para um ménage dentro do carro", diz o taxista.

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Carro como representação do órgão sexual

"Em práticas sexuais como a do dogging, o automóvel é mais um facilitador do que uma questão de tesão pelo carro em si", diz Jorge Leite, pesquisador da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Ele lembra, no entanto, que muitas das piadas envolvendo a sexualidade masculina e os carros têm lá seu fundo verdade.

Existe essa ideia de projetar em determinados objetos a questão da masculinidade como potência. Como algo grande e forte, uma representação do próprio órgão sexual ou da própria potência, do tesão".

"E tem também a questão do status. Em grande parte do ocidente americanizado, o carro é uma grande símbolo de status social. Aqui se compra carro não só para possuir um meio de locomoção, mas para ostentar seu poder econômico", explica Jorge.

O pesquisador lembra o filme "Crash - Estranhos prazeres", adaptação de David Cronenberg do livro do escritor J.G. Ballard sobre pessoas com atração sexual por acidentes de trânsito. "Na época do lançamento do filme, criou-se uma discussão meio artificial sobre o tema. Se haveria ou não esse tipo de fetiche", diz Jorge.

"Em uma edição posterior do livro, porém, o Ballard explica que aquilo que ele desejava discutir era a atração erótica dos humanos em relação à tecnologia. Não só do ponto de vista sexual, mas psicanalítico. E olha que o livro é de 1973. Não existia computador pessoal, celular, internet".

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Fim de festa

A reportagem do UOL Carros esteve em um conhecido ponto de "dogging" no bairro do Paraíso, em São Paulo. Ao chegar, um segurança que trabalha no local informa que o movimento por lá caiu bastante.

Você chegou no fim da festa. Antigamente, era um monte de carro parado aqui, cara com o p...pra fora. Até já me convidaram para participar."

De fato, não havia um só carro com exibicionistas nas duas noites em que a reportagem passou pela rua escura e arborizada, apenas homens encostados nas árvores. Questionado se a prática continua a acontecer ali, o porteiro de um prédio se irritou: "Se acontece, eu não sei. Não fico prestando atenção nessas coisas. Só cuido da minha portaria".

Outra região da cidade com práticas parecidas é o entorno do Jockey Club. Ali, é a prostituição que leva a cenas de exibicionismo e sexo em público. Os moradores da região pediam há tempos por uma resposta do poder público, que aparentemente chegou.

"Percebemos que as pessoas ficavam circulando internamente não apenas devido à prostituição, mas também pelo tráfico de drogas. Por isso, mudamos [junto à CET] a mão de entrada de uma determinada rua, fizemos floreiras em outra rua e impedimos que aquilo se tornasse um circuito fechado", explica Marcelo Gatti, presidente da Sociedade Amigos da Cidade Jardim.

Independentemente das suas intenções, vale lembrar que o artigo 233 do Código Penal prevê detenção de três meses a um ano, ou multa, para quem "praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público".

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Motéis drive-in em decadência?

"Nossa cultura é extremamente voyeur e exibicionista", diz Ana Canosa, terapeuta sexual e colaboradora do UOL. "E o carro serve como essa boa ferramenta. Você tem a sensação de que está dentro de um espaço privado, mas também corre o risco de ser visto por alguém de fora. É um espaço utilitário onde você pode fazer sexo, principalmente aquele mais espontâneo."

Os motéis no formato drive-in são um bom exemplo do uso puramente utilitário do carro. Ao invés de estacionarem seus carros para assistir a um filme, as pessoas utilizam esses locais - em regra mais baratos que os motéis convencionais - para fazer sexo. Muitos foram se adaptando ao longo do tempo e transformaram os boxes de estacionamento em pequenos quartos, inclusive com camas.

Um busca por esse tipo de estabelecimento, entretanto, mostra que a época áurea parece já ter passado. Não chegam a 10 os motéis drive-in em São Paulo. Proprietário do Tocha, um dos mais antigos da capital paulista, Gary Wagner tem alguns palpites sobre o porquê dessa situação.

"Não é um bom negócio, está um pouco decadente. Somos sensíveis às crises, quando a primeira coisa que o pessoal corta é a diversão", diz Gary. "Nunca mais recuperamos o movimento pré-pandemia. Continuamos no negócio por teimosia porque a casa tem já tem 50 anos de existência."

Para além da pandemia e de crises econômicas, Gary acredita que é uma profunda mudança de hábitos o principal motivo do esvaziamento dos motéis drive-in.

Há 15, 20 anos você dava um escapadinha e fazia as coisas escondido. Hoje, as pessoas estão muito mais liberais. Os filhos namoram nas casas dos pais, atrás dos pontos de ônibus... Já não se preocupam muito em serem vistos".

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"Sexo no carro é mágico"

Apesar da relação entre sexo e carros ter um viés fortemente masculino, não são apenas os homens que transformam carros em espaços de prazer. As aventuras sexuais de Lia*, também do Rio de Janeiro, não cabem em uma Kombi.

Ela conta sobre o aniversário de uma amiga no qual, após uma semana de festas e muito tesão acumulado, ela e um amigo recorreram ao carro para resolver a questão. "Transamos igual a animais dentro do carro. Ainda bem que era de madrugada, senão certamente seríamos presos por atentado ao pudor", brinca.

Em outro momento da minha vida, eu transei em carros, mas só com mulheres. Estava em uma festa eletrônica em Petrópolis e fui para o carro fumar com uma amiga e um casal de lésbicas. Do nada, as meninas começaram a se pegar, eu e minha amiga também e foi uma pegação muito louca. Nem lembro direito que sensação eu tive porque estava em outra dimensão."

Para Lia, a energia concentrada de duas pessoas é o que torna transar no carro uma experiência ímpar. "Por ser em um espaço pequeno, a conexão dos corpos é bem maior. Tudo fica magicamente mais gostoso."

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