É tempo de recomeçar

Como foi o primeiro dia das fábricas de VW e FCA pós-quarentena

Vitor Matsubara e Bruno Torquato Do UOL, em São Bernardo do Campo (SP) e Betim (MG) Léo Lara/Divulgação/FCA
Léo Lara/FCA Léo Lara/FCA

De volta ao batente

Passava das cinco horas da manhã quando os primeiros funcionários começaram a entrar pela portaria da Rodovia Anchieta. Poderia ser mais um dia na fábrica da Volkswagen, em São Bernardo do Campo (SP). Mas a data é especial: era o primeiro dia de expediente na planta depois de 39 dias de paralisação por conta do coronavírus.

Os cuidados com a saúde começam antes mesmo de chegar ao trabalho. Todos os funcionários têm as temperaturas medidas antes de embarcar no ônibus e ninguém embarca sem máscara. As cortinas foram retiradas e os passageiros são orientados a sentar apenas nas janelas. Com a capacidade total de cada veículo reduzida pela metade, a saída foi dobrar a frota de ônibus.

Pablo Di Si, presidente da Volkswagen, já estava a postos para recebê-los um a um. Ao lado das catracas o chefe da fábrica, Mario Rodrigues, orientava os colegas. Marcações pintadas no chão indicavam a distância mínima a ser conservada na fila para entrar na fábrica. E nada de botar as mãos para girar a catraca: a recomendação é passar direto sem tocar em nada. Todo cuidado é pouco.

Léo Lara/Divulgação/FCA
Pedro Danthas/Volkswagen Pedro Danthas/Volkswagen

Sem beijinho

Rever os amigos do trabalho foi um prazer para a maioria dos funcionários. Só que a empolgação precisou ser contida. Abraços calorosos e beijos foram substituídos por acenos distantes, algo que poderia ser corriqueiro em uma fábrica alemã da Volkswagen. Mas não no Brasil.

Com 12 anos de casa, Fabiana de Jesus, preparadora de carroceria da área de vedação, precisou mudar sua postura dentro do trabalho.

"É uma sensação boa por voltar à rotina depois de tanto tempo em casa, mas é uma sensação de mudança. A gente teve que se adaptar. Antes era beijinho aqui e ali, tinha nossa confraternização de sexta-feira. Agora a gente já está se acostumando (com as mudanças)".

Tamily Miranda, operadora especialista que trabalha na empresa há quatro anos, tem consciência da importância do distanciamento social - o que não a impede de lamentar a falta de calor humano.

"Foi bastante atípico, né? Infelizmente é o nosso 'novo normal'. Estamos nos adaptando. Mas é muito difícil", completa.

Foi difícil não dar um abraço e um beijinho nas amigas hoje cedo

Fabiana de Jesus, preparadora de carroceria

Lucas Seixas/UOL Lucas Seixas/UOL

Foco nas concessionárias

Depois de receber os funcionários do primeiro turno, Pablo Di Si, presidente da Volkswagen, acompanhou o nascer do sol dentro de sua confortável sala no terceiro andar do prédio da ala 1.

O argentino parecia feliz com a volta ao trabalho, a ponto de nem se incomodar de ter chegado na fábrica antes das 6h. "Para mim não mudou tanta coisa assim, eu costumo acordar às 4h30 mesmo. Só que em vez de ir correr eu vim para cá", disse, sorrindo.

O semblante tranquilo de Pablo só muda quando o assunto é a reabertura das concessionárias.

"Agora é torcer que as vendas comecem. Na quarta-feira da semana passada a gente estimava que o comércio abriria na segunda-feira. Só na quinta-feira tudo mudou (risos). Aí trabalhamos muito rápido com a Fenabrave e com todas as marcas para fazer um protocolo que entramos na sexta-feira e estamos conversando com o governador", disse.

Como é possível abrir uma fábrica se não tem concessionária para vender carro?

Pablo Di Si, Presidente da Volkswagen América do Sul

Pedro Danthas/Volkswagen Pedro Danthas/Volkswagen

Novos procedimentos

Por volta das 6h30 é que Pablo entra em seu Touareg rumo à linha de montagem. Feliz, vira para os colegas que o acompanham e pergunta: "você sabe como é difícil ver tudo isso aqui parado?"

Alguns funcionários estão terminando as reuniões com os coordenadores das respectivas áreas. Todos respeitam as orientações de distanciamento social. E mesmo se não respeitassem os milhares de avisos espalhados pela fábrica não os deixariam esquecer.

O ritmo de trabalho segue inalterado, mas todos usam os equipamentos de proteção individual. Máscaras e face shields agora são itens obrigatórios como o uniforme, que também precisa de cuidados.

"Fomos orientados a vir de casa com o uniforme para não ter necessidade de ir até o vestiário para trocar de roupa", afirma Fabiana.

Na montagem final uma equipe realiza a higienização da linha antes do começo do primeiro turno.

Os funcionários da VW são orientados a realizar auto-avaliações de estado de saúde diariamente. Qualquer anormalidade deve ser informada à enfermaria, que realiza o atendimento.

"Se houver alguma suspeita a linha é paralisada imediatamente e é realizada uma higienização total para ver se é possível prosseguir com o trabalho", conta Fabiana, que também é monitora de sua área.

Dentro da linha de montagem da FCA, em Betim, alguns empregados foram designados como membros do "esquadrão da saúde". Com vestimenta de proteção dos pés à cabeça, são eles os responsáveis por fiscalizar a disponibilização de álcool pelas áreas e o comportamento de seus colegas dentro da fábrica.

"Acredito que posso contribuir com a saúde das pessoas. Para mim, é um benefício fazer parte disso tudo, porque sei que o momento é delicado e que logo sairemos dessa", acredita Arnon Henrique.

Divulgação Divulgação

Modelos de fora

As filiais de FCA e Volkswagen tomaram diversas precauções antes de reabrir suas fábricas. O fato de o coronavírus ter começado na China e se alastrado pela Europa para depois chegar até as Américas ajudou as empresas a terem uma referência do que fazer.

Na Volkswagen, as medidas adotadas na Alemanha e na China serviram de referência para abrir as quatro fábricas do grupo no país em junho. A planta de Pacheco, na Argentina, também estava em operação desde abril e compartilhou suas experiências com os colegas brasileiros.

No caso da FCA, a Itália teve papel decisivo na elaboração dos protocolos para retomar as atividades, tanto nas oficinas da rede autorizada quanto na fábrica de Betim (MG).

Neylor Bastos, gerente responsável por toda a América Latina no grupo FCA na área de Saúde e Segurança do Trabalho, ressaltou os parâmetros adotados.

"Temos certeza de que criamos um ambiente seguro para o empregado", pontua."Foi um trabalho de construção. Desenvolvemos um padrão conforme adotado globalmente com muito rigor. Está mais seguro dentro da planta de Betim do que fora".

Divulgação Divulgação

Mantenha distância

Várias partes da fábrica foram adaptadas para evitar aglomerações. Há marcações no chão por todos os lados e os banheiros tiveram pias e mictórios interditados para garantir que os funcionários não fiquem lado a lado ao lavarem as mãos, por exemplo.

Ao sair de lá, os empregados podem usar o cotovelo para abrirem a porta, graças a uma espécie de suporte acoplado à maçaneta original. A peça foi desenvolvida dentro da Volkswagen e virou realidade graças a uma impressora 3D.

O intervalo para o almoço agora é realizado em turnos de acordo com as áreas para impedir que os restaurantes fiquem lotados. As áreas de montagem e de pintura possuem restaurantes exclusivos para evitar contato com profissionais de outras áreas.

Há marcações nas cadeiras para assegurar o distanciamento e, na Volkswagen, cada funcionário recebe luvas descartáveis antes de montar seu prato. Nas mesas foram colocadas divisórias de acrílico para que ninguém fique em contato com outras pessoas durante a alimentação e os funcionários da VW ainda podem pegar lanches para comer fora do restaurante, caso se sintam mais seguros.

Léo Lara/Divulgação/FCA Léo Lara/Divulgação/FCA

Lição para a vida

Apesar da retomada das atividades em plena quarentena, FCA e Volkswagen garantem que tomaram todas as medidas possíveis para assegurar o bem-estar de todos os empregados.

Claudio Froes, gerente da área de Motores da FCA, conta que a preocupação principal de momento é a saúde.

"É melhor produzir pouco do que nada, mas nosso foco é garantir a saúde, voltando aos poucos e aquecendo", afirmou, lembrando, em ordem, da linha de pensamento adotada na fábrica de Betim: saúde, segurança, qualidade e produtividade.

Para Neylor, o momento agora é de viver e adaptar a uma nova realidade. Ou melhor, "o novo normal", como ele e muita gente diz.

"A pandemia é uma realidade nova, carece de muitas mudanças físicas, mas principalmente do comportamento da mentalidade das pessoas".

Seja em São Bernardo do Campo, em Betim ou em qualquer parte do planeta, o fato é que o mundo jamais será o mesmo depois da pandemia. Na indústria automotiva, muita coisa precisará ser repensada: as reuniões, as viagens e o dia-a-dia nas fábricas.

Mesmo diante de tantas novidades e regras, Fabiana consegue enxergar um lado positivo nessa mudança de rotina.

"Essa situação vai fazer a gente aprender muita coisa. E não só aqui, mas na vida, né?".

Topo