Sem medo da morte? Vídeos flagram 'vida louca' de caminhoneiros na estrada
Paula Gama
Colaboração para o UOL Carros
26/03/2022 04h00Atualizada em 28/03/2022 14h56
Uma vida de imprudência e desrespeito às leis de trânsito. Esse é o resumo do que vários flagras de caminhoneiros nas estradas brasileiras evidenciam. Imagens de cargas completamente fora do padrão, ultrapassagem em locais proibidos, desrespeito à velocidade máxima da via e até mesmo deboche às normas de tráfego são publicados praticamente todos os dias nas redes sociais.
Em plataformas como Instagram e YouTube, os conteúdos sobre caminhões nas estradas brasileiras se dividem em algumas categorias. Alguns profissionais contam sobre seu cotidiano, enquanto outras páginas, em forma de denúncia, compartilham vídeos de condutas extremamente imprudentes de motoristas profissionais nas estradas. Há um terceiro grupo que une um pouco dos dois: são caminhoneiros que se gabam das infrações praticadas em rodovias.
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Em uma página de denúncia, uma situação comum é compartilhada: um caminhoneiro decide ultrapassar outro em local proibido, em plena curva. No meio do caminho, acaba perdendo o controle, derrubando a sua carga e provocando o tombamento do veículo ultrapassado.
Outro vídeo mostra o painel de um caminhão com o ponteiro do indicador de velocidade no fim da escala. Ainda assim, esse condutor não é capaz de alcançar o caminhão arqueado que está à sua frente, em velocidade ainda mais alta. Na legenda, a página trata o assunto como uma brincadeira, chamando os dois caminhoneiros de "galera do horário" - referência aos profissionais que fazem fretes de cargas com horário marcado e são penalizados em caso de atraso.
Aparentemente, esta gravação está acelerada para dar mais impacto à audiência. Mesmo assim, dá para perceber que o caminhoneiro está acima de 120 km/h, velocidade muito maior do que a permitida em rodovias brasileiras para veículos como o que ele conduz.
Brincadeiras como "quem faz o horário é nóis" e "faixa da esquerda e pedal da direita" são feitas por outros usuários das redes sociais, como forma de apoio ao tipo de condução temerária.
Vídeos não valem como prova
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, a velocidade máxima que um caminhão pode atingir nas rodovias é de 90 km/h, podendo ser menor de acordo com a indicação da via. A penalidade para quem atinge velocidade até 20% superior à máxima permitida , considerado uma infração média, é uma multa de R$ 130,16 e quatro pontos na CNH. Se a velocidade for entre 20% e 50% superior à máxima permitida na via, trata-se de uma infração grave - punida com multa de R$ 195,23 e cinco pontos na CNH.
Para velocidade superior à máxima da via em mais de 50%, considera-se infração gravíssima punida com multa multiplicada por três (R$ 880,41) e suspensão do direito de dirigir. Ultrapassar em local proibido, com faixa contínua, pode gerar uma multa gravíssima multiplicada por cinco, no valor de R$ 1.467,35.
Contudo, os vídeos que você assiste aqui não são suficientes para punir os infratores. De acordo com o advogado Marco Fabricio Vieira, membro do Cetran-SP (Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo), de acordo com a legislação vigente, ainda é vedada a autuação de veículos por infrações de trânsito veiculadas em vídeos e fotos publicados em redes sociais.
"A Lei n. 14.304, de 23 de fevereiro de 2022, previa punir a divulgação, a publicação ou a disseminação,da prática de infração que coloque em risco a segurança no trânsito. Contudo, foi vetada em quase a sua totalidade pelo presidente Jair Bolsonaro. O texto volta à Câmara dos Deputados para deliberação sobre os vetos. Assim, até lá, não há que se falar em imposição de penalidade com base em imagens registradas", explica.
Como seria a lei
O presidente Jair Bolsonaro sancionou, há pouco mais de um mês, a Lei 14.304. O projeto aprovado pelo Congresso Nacional, porém, recebeu 13 vetos por parte do chefe do Executivo, o que, segundo especialistas, praticamente anula o que foi votado pelo Legislativo e deve inviabilizar sua aplicação prática - caso os vetos sejam mantidos pelos parlamentares.
A proposta aprovada pelo Congresso em 4 de fevereiro proíbe "a divulgação, publicação ou disseminação, em qualquer meio, de registros de infrações que coloquem em risco a segurança no trânsito". A exceção fica por conta de publicações com o intuito de denunciar a prática.
O projeto originalmente aprovado pelos deputados federais e senadores considera a publicação destes vídeos como uma infração de trânsito gravíssima com multiplicadores, com multa de até R$ 2,9 mil e suspensão do direito de dirigir por 12 meses. Ainda prevê a penalização das plataformas, como YouTube e Instagram, que mantiverem as publicações em um prazo determinado após receberem ordem judicial. Todos estes itens, porém, acabaram vetados pelo presidente.
Para justificar o veto à maior parte da proposta, o Bolsonaro usou o argumento de restrição de liberdade de expressão e de imprensa.
Sobre a penalidade às empresas, o presidente argumentou que "a proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, tendo em vista que ao estabelecer que as empresas, as plataformas tecnológicas ou os canais de divulgação de conteúdos nas redes sociais ou em quaisquer outros meios digitais deveriam adotar as medidas cabíveis para impedir novas divulgações com o mesmo conteúdo, impõe à plataforma obrigação de 'censura prévia' do conteúdo postado pelo usuário, em descompasso com os princípios estabelecidos pela Lei 12.965, de 2014 — Marco Civil da Internet."
"Como ficou, não existe lei a aplicar", diz autora do PL
UOL Carros conversou com a autora do projeto de lei, a deputada federal Christiane de Souza Yared (PL-PR), sobre a sanção com vetos por parte de Bolsonaro. Ela defende que não existe aplicabilidade para lei e afirma que lutará para derrubar o veto.
"O projeto foi construído com o apoio dos setores que trabalham diretamente com a segurança de trânsito e defesa das vítimas. Entidades estas que estão vendo a escalada desse tipo de prática [divulgação de infrações] e os riscos ocasionados. Houve um equívoco por parte dos técnicos que auxiliam o presidente em dizer que a lei é contrária ao interesse público ou é inconstitucional, uma vez que a lei visa justamente impedir que as ruas e estradas brasileiras se tornem uma busca constante por likes e views nas redes sociais, trazendo risco à vida dos próprios condutores e a dos outros", questiona Yared.
Ela afirma estar em conversação com o governo e trabalhando no sentido de reverter o veto. "Sabemos que o projeto apresentado enfrenta um lobby muito grande das plataformas, mas acreditamos que haverá mudanças reais para que possamos reverter o que ocorre no país."
A deputada é mãe de Gilmar Rafael Souza Yared, que morreu em 2009 na cidade de Curitiba (PR) em acidente provocado pelo então deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho (PSB), que estava em alta velocidade e apresentava indícios de embriaguez. Outro jovem também perdeu a vida na batida. Condenado, Carli Filho hoje cumpre prisão domiciliar.
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