Prato de indígenas e portugueses, Virado à Paulista é a cara da cidade
Gabriela Sampaio Fergusson
Do UOL, em São Paulo
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Divulgação/Marcos Issa
Virado à Paulista numa receita feita pela chef Mara Salles do restauranteTordesilhas
Estrela do menu de segunda-feira em muitos restaurantes e botecos de São Paulo, o Virado à Paulista é um prato cuja origem está muito ligada à história do estado. Esta era a comida levada nas viagens dos bandeirantes e viajantes interior adentro, no século 17.
No farnel, acomodavam lado a lado, feijões e farinha que levavam no lombo do cavalo. O balanço do galope acabava por misturar todos os ingredientes. Foi daí que surgiu o nome "virado".
Essa mistura de feijão com farinha, já conhecida da população indígena, era acompanhada de carne de porco em banha trazida na bagagem. "Porcos selvagens eram abundantes na São Paulo colonial", conta o professor e historiador Ricardo Maranhão, coordenador do Centro de Pesquisas em Gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi (SP).
A banana era encontrada no caminho pelos bandeirantes. Quando perto das vilas, acrescentavam ao prato ovo e couve, itens típicos de refeições portuguesas. Comiam com a mão e esta podia ser a única refeição do dia.
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Virado X Tutu
Mais tarde, o Virado originou o Tutu à Mineira. "As diferenças entre os dois são principalmente de textura", diz a chef Mara Salles, do restaurante brasileiro Tordesilhas (SP), que serve o Virado à Paulista ocasionalmente em seu almoço executivo.
Segundo a chef, o Tutu é mais pastoso e sua receita clássica pede feijão totalmente batido, farinha de mandioca e costelinha de porco. "Já no Virado à Paulista uma parte do feijão é batida e a outra mantida em grãos. Além disso, pode levar farinha de milho e também farinha de mandioca."
O prato que tem a cara de São Paulo também sempre deve vir acompanhado de bisteca de porco, linguiça, arroz e torresmo ou bacon frito, além da banana, couve e ovo frito citados antes. As receitas variam sutilmente, dependendo do restaurante e do cozinheiro.
Ivan Achcar, chef do restaurante Fazenda Casa do Morumbi (SP) e estudioso da culinária paulista e paulistana, prefere usar apenas a farinha de milho, segundo ele mais tradicional nas receitas do estado. A banana que usa é a nanica. Ele completa o prato com cheiro-verde e serve o Virado acompanhado de pimentas malagueta ou cumari.
Para Achcar, há alguns segredos para no preparo. "Ele deve ser feito e servido na hora e seu ponto não deve ser muito mole nem muito duro". O tipo do feijão usado também influencia a receita. Ele sugere aqueles com casca fina e muita polpa, como o rosinha, jalo, bolinha, mulatinho e roxinho.
Mesmo "domesticado", feito em casa e servido em restaurantes, o Virado à Paulista não mudou com o passar dos séculos. Continua como o original. "É um prato mestiço, indígena e português, tem a cara de São Paulo antiga", conclui Maranhão.