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Cheirar a rolha ou rodar a taça? Desvende o ritual do vinho no restaurante

Juscelino Pereira, do Piselli, garante que o ritual do vinho não tem mistério - Gladstone Campos/ Divulgação
Juscelino Pereira, do Piselli, garante que o ritual do vinho não tem mistério Imagem: Gladstone Campos/ Divulgação

Roberta Malta

Do UOL, em São Paulo

24/10/2014 19h50

Entrar em um restaurante e escolher um vinho nem sempre é uma situação confortável. E pode piorar quando o garçom abre a garrafa, entrega a rolha ao anfitrião da mesa, coloca um gole em sua taça e fica diante dele sem servir mais ninguém. O que fazer nessa hora?

O UOL Comidas e Bebidas conversou com Juscelino Pereira, dono do restaurante Piselli, em São Paulo, e desvendou o ritual do vinho. O restaurateur, proprietário de outras casas na capital brasileira da gastronomia ( Maremonti, que tem três filiais), começou a carreira na função de “comin” (ajudante de garçom) e chegou a sommelier do paulistano Gero, que também está presente no Rio de Janeiro e em Brasília, do grupo Fasano. Veja as dicas abaixo.

Quebrando o gelo
O importante é o cliente ficar absolutamente à vontade para pedir o que gosta. “O melhor vinho é aquele que lhe dá prazer. Não importa se combina com o que você vai comer ou não”, diz Juscelino. A sugestão dele é discutir com o profissional que vai servir a mesa e dar dicas do que você gosta. “Ajuda se o cliente souber que o vinho que lhe agrada é um Chardonnay chileno ou um vinho português, por exemplo.”

A faixa de preço que se está disposto a pagar pela garrafa também pode e deve ser mencionada. “Não precisa ter vergonha de falar sobre valores. O pior é a escolha ficar por conta do garçom, maître ou sommelier, o vinho custar 250 reais e a pessoa ficar sem graça de recusar porque está na frente da namorada”, diz.

Assim, quem quiser pedir o rótulo mais barato da casa não precisa ficar constrangido. “Se está na carta é sinal de que foi avaliado.” E, se o restaurante não tem um profissional especializado para lhe indicar o que beber, vá na certa. “Escolha um vinho conhecido, a chance de errar é menor.”

Cheirar ou não a rolha?
A rolha dá poucas pistas sobre a qualidade do vinho. Se estiver seca, pode indicar que a bebida foi armazenada de pé (e não deitada, como é indicado). Molhada demais, que entrou ar além da conta e ela foi danificada. “Mas isso são só suspeitas”, afirma Juscelino. Portanto, nada de cheirar o cilindro de cortiça. A ordem no Piselli é não entregar a rolha ao cliente. “A menos que ele peça para levar porque aquele é um momento especial ou costuma guardá-las em um vidro, em casa.”

Aromas frutados
“Comprovadamente cerca de 5% dos vinhos chegam ao restaurante estragados”, diz Juscelino. As opções aqui, são duas: a bebida está oxidada ou "bouchonné". A primeira alternativa significa que entrou muito ar na garrafa, por defeito da rolha ou mau armazenamento, e ele terá um cheiro forte, quase de vinagre. A segunda, que um fungo atacou a cortiça. O aroma, nesse caso, vai ser de mofo ou papelão molhado.

“É tão importante prestar atenção nas qualidades quanto nos defeitos do vinho”, afirma o restaurateur. Sua dica é: quando abrir uma garrafa estragada em casa, tentar memorizar aquele cheiro para aprender a distingui-lo.

Caso o restaurante tenha sommelier ou maître, não precisa se preocupar com isso. “O profissional treinado avalia o vinho antes de servir.” Do contrário, a responsabilidade de percebê-lo é do cliente.

É bom saber também que, se a bebida estiver com algum desses defeitos, a importadora troca os vinhos para o restaurante. “Dá até para avisar sobre isso ao garçom, que deverá fechar a garrafa e fazer a devolução.”

Na prática
O ritual do vinho reza que você primeiro tombe o copo e observe a cor e sua densidade, depois, o cheiro. Após girar a taça para entrar mais oxigênio na bebida, observe de novo os aromas. O próximo passo é prová-lo e deixar que ele “passeie” pela sua língua, antes de engolir.

Parece complicado, mas não é. “Isso tudo não dura mais do que 15 segundos”, diz Juscelino. Se o sommelier já tiver feito o ritual completo, o cliente o repetirá apenas para confirmar a qualidade da bebida. Se não, existem macetes básicos para avaliar o vinho. Confira.

Nem todo rótulo tem estrutura para envelhecer na garrafa. Por isso, esqueça aquele ditado que diz que vinho bom é vinho velho. “O vinho é como fruta engarrafada: nasce, cresce e morre”, afirma Juscelino.

Os vinhos que podem envelhecer, entretanto, costumam seguir o mesmo ciclo que o ser humano. “O vinho de um ano atrás é como um adolescente, está começando a vida. O de cinco é como uma pessoa de 20 anos: bom, mas que ainda não tem maturidade. Com dez, corresponde a um ser humano de 30 a 40, em sua melhor forma. Mais do que isso ele começa a cansar: perde acidez e tanino (substância presente nas uvas, que produz a sensação de adstringência do vinho na boca, como se "amarrasse" a língua)”, diz Juscelino. “Muitos de 60 já estão na UTI”, brinca.

Em todos estes casos, vale utilizar o decanter - uma espécie de jarra que recebe o vinho antes de ele ir para a taça, e que serve para oxigenar a bebida. No caso dos mais velhos, vale para tirar a borra que fica depositada no fundo da garrafa.

Mas cuidado. "O processo vai abrir os aromas dessa bebida. Por isso, os vinhos que 'estão na UTI' podem morrer nesse momento com a grande quantidade de oxigênio recebida”, afirma o restaurateur. Segundo ele, a prática é ideal para uma garrafa de cerca de cinco anos que só chegaria em seu melhor momento com dez. 

Agora que está tudo entendido vale relembrar todas as etapas do serviço. Veja a tabela abaixo.

Aprendida a lição? Agora, vem a hora mais esperada: o brinde. Para Juscelino, o ritual brindar olhando no olho não se trata de nenhuma superstição. “É sinal de sinceridade com os que estão compartilhando a mesa”, ensina. “Brindar sem olhar para o outro é como apertar a mão de alguém sem mirá-la.”