Fizeram história

Pablo Neruda, poeta, romântico e revolucionário

A frase "centenas de milhares de homens que lutam para que nossa pátria viva livre de miséria são perseguidos, maltratados, ofendidos e condenados" poderia ter sido proferida por um manifestante dos protestos que, há três semanas, ocorrem no Chile. Mas ela é de autoria do poeta Pablo Neruda, em um discurso feito em 1948 em defesa da democracia. Na ocasião, ele era senador pelo Partido Comunista daquele país.
Jorge Silva/Reuters
Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1971, ele não escreveu apenas sobre o amor, as mulheres e a natureza. Pelo contrário: o chileno transformou suas falas em uma potente arma de engajamento político-partidária, o que o levou a três anos de exílio fora de sua terra natal.
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Desde aquela época, e com intermitências, se infiltrou a política em minha poesia e em minha vida. Não era possível fechar-me em meus poemas, assim como tampouco o era fechar a porta ao amor, à alegria ou à tristeza em meu coração de jovem poeta.

Pablo Neruda
Um dos mais celebrados poetas da literatura contemporânea, Neruda nasceu Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, em 1904, em Parral, uma pequena vila do Chile. Diz-se que passou a escrever sob o pseudônimo "Pablo Neruda" ainda jovem, para esconder do pai sua inclinação poética. O patriarca não via com bons olhos o ofício do filho.
Divulgação/Biblioteca Nacional de Chile

Muito longe na minha infância e tendo apenas aprendido a escrever, senti pela primeira vez uma intensa emoção e tracei algumas palavras semi-rimadas. Meu pai tomou-o em suas mãos, leu distraidamente e mo devolveu, dizendo: 'De onde o copiaste?

Pablo Neruda
O talento que o pai se negava a enxergar foi reconhecido pelo mercado editorial. O primeiro livro de Neruda, "Crepusculário" (1923), foi publicado quando mal completara 19 anos de idade. A obra já mostrava a vocação e o estilo do autor.
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A literatura era algo que Neruda levava em paralelo à vida política. Atuou como embaixador e, em 1945, foi eleito senador pelo Partido Comunista. No cargo, entrou em confronto com o então presidente chileno González Videla (1946-1952). Durante a onda de censura e repressão contra a imprensa, sindicatos e trabalhadores, o mandato de Neruda foi cassado e o poeta acabou deixando o Chile para se exilar na Itália.
Domínio Público
Antes de chegar na Europa, no entanto, o poeta percorreu o Chile fugindo do governo. Mais tarde, descreveria a sensação de "corpo repartido" durante os anos em que mudava de casa quase que diariamente. Passou por campos, portos, cidades, acampamentos, casas de camponeses, médicos e mineiros.
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Há um velho tema na poesia folclórica que se repete em todos os nossos países. Trata-se de "o corpo repartido". O cantor popular supõe que tem seus pés numa parte, seu coração em outra e descreve todo o seu organismo que deixou espalhado por campos e cidades. Assim eu me senti naqueles dias.

Pablo Neruda
Foi nesse período que escreveu “Canto geral” (1950), uma resposta poética à traição do então presidente Videla e às injustiças históricas da América Latina. Neruda considerou esta sua obra mais importante.
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Nunca entendi a luta senão para que esta termine. Nunca entendi o rigor senão para que o rigor não exista. Luto por essa bondade ubíqua, extensa, inesgotável.

Pablo Neruda
O poeta voltou ao seu país na década de 1950 e, em 1970, se candidatou à presidência do Chile. No entanto, acabou abandonando a campanha para apoiar seu amigo pessoal Salvador Allende, que venceu aquelas eleições, mas não terminou o mandato. Isso porque, três anos depois, o general Augusto Pinochet tomou o poder em um golpe de estado.
Pablo Neruda
Neruda morreu dias depois do golpe em decorrência de um câncer na próstata, segundo a versão oficial. Mas há historiadores que defendem outra versão dessa história: o poeta teria sido assassinado pelos militares dentro do hospital.
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Até hoje, os livros de Neruda continuam a ser editados nos mais diferentes idiomas pelo mundo. Seus versos, que combinam romantismo e revolução, são recitados em manifestações de todo planeta.
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É tão curto o amor, e é tão longo o esquecimento.

Pablo Neruda
Publicado em 07 de novembro de 2019.

Reportagem
Rômulo Cabrera

Edição
Giuliana Bergamo

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