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Adriana Barbosa

Empresas já sabem que diversidade é o que vai mantê-las de pé

Getty Images/iStockphoto/metamorworks
Imagem: Getty Images/iStockphoto/metamorworks

18/08/2020 04h00

No ano de 2013, quando minha filha nasceu, tomei a decisão de que era o momento de ter mais segurança financeira e fui convidada a compor o braço de responsabilidade social de uma empresa multinacional como coordenadora de investimento social privado. Até então eu tinha experiência de peregrinar, bater na porta das empresas para tentar captar recursos. E, agora, nessa empresa, eu estava do outro lado da mesa. Tinha um montante aprovado de recursos que deveriam ser investidos em projetos e instituições, e o meu papel era mapear, selecionar, aportar e executar o orçamento anual.

Foram dois anos de muitos aprendizados. Passei a compreender que há códigos específicos ao contexto corporativo. Mas talvez a maior sacada tenha sido observar como as empresas operam, criam estratégias que influenciam os diferentes mercados.
Nesse sentido, uma das coisas mais legais foi aprender as ferramentas, as teorias, os métodos e processos que definem uma estratégia e a sua implementação. Foi nesse momento que entrei em contato com a Teoria U. Em certa ocasião, a diretora da área pediu que eu desse uma atenção a uma proposta que ela tinha recebido de uma consultoria que tinha proposto um lab que utilizaria a teoria U como forma para desenhar um processo imersivo que pudesse refletir sobre alimentação e nutrição, a partir da colaboração de diversos atores do ecossistema da alimentação (acesso, qualidade, cadeia de produção). Esse lab ajudaria a construir, no mercado, um olhar mais profundo sobre o consumo, a produção, fome, entre outros assuntos.

Eu achei tão massa o poder que aquela iniciativa teria de impacto para influenciar o mercado e muitas empresas. Foi quando então decidi estudar os métodos, metodologias de impacto social, teorias que pudessem ser aplicadas na prática. E, em 2017, junto com a Mozana Amorim, uma amiga de longa data da época da Artemisia, comunicóloga e especialista em ferramentas de facilitação e empreendedora da Mandacaru, criamos uma metodologia própria focada em tratar dos temas de equidade racial nas empresas. Com o nome "Conversando a Gente Se Aprende", propomos diálogos criativos e propositivos com instituições privadas, públicas e marcas para sensibilizar e promover a cultura da diversidade racial dentro da organização a partir de diálogos qualificados, abordagem humana e centrada na qualidade das relações, autoliderança, corresponsabilidade e ações práticas.

Tenho realizado, junto a Mandacaru, em empresas como Netflix, Facebook, Google, Bloomberg, Grupo Pão de Açúcar, o Banco JP Morgan, Natura, entre outras instituições, o programa "Conversando a gente se aprende" que leva para estes espaços corporativos a transversalidade da questão da diversidade, sobretudo a racial.

A ideia é dialogar com estas marcas sobre a razão de não pensar em negros nas empresas, apenas pela lógica da área de recursos humanos. Ou seja, apenas ter negros não torna a empresa diversa, mas pensar na interação junto às diversas áreas e cargos que compõem uma empresa. Das áreas de gestão de pessoas às áreas de gestão do negócio mesmo. Área de compras e contratação de fornecedores negros, áreas de comunicação, desenvolvimento de produtos, investimento social privado, patrocínios, tecnologia e várias outras.

Mas venho me questionando. Será que é estratégico colocar esta "régua" também para negócios sociais, startups e pequenas empresas? É possível que esses perfis de negócios e instituições atuem pensando nas questões de diversidade, representatividade, inclusão e proporcionalidade? Eu digo que sim e que é um diferencial enorme.

Hoje, grandes empresas têm muita dificuldade na contratação e desenvolvimento de carreira de pessoas que representem de fato a pluralidade da população brasileira. Basicamente porque precisam, para isso, transformar sua cultura organizacional em uma cultura de diversidade. E isso não é simples, considerando o quanto demoraram - e ainda demoram - para entender a diversidade para além de uma estratégia de reputação, mas como uma estratégia de negócio.

Mas como assim? E, vocês devem estar se perguntando, o que isso tem a ver com as empresas que se relacionam com a Feira Preta: um pequeno ou médio empreendedor, tradicional, de startup ou até de negócios sociais? Vamos lá.

O contexto é o seguinte: as grandes empresas já sabem que a diversidade é o que vai manter empresas e marcas em pé. Primeiro pela agilidade de resposta complexas que uma equipe diversa pode dar aos problemas complexos que surgem no dia a dia das corporações, especialmente porque uma solução que passe por diferentes pontos de vista certamente terá melhores resultados justamente por ter sido submetida a todas as possibilidades de questionamento. Depois porque o consumidor, o cliente, hoje, está mais atento àquilo que lhe é subjetivo, ou seja, produtos e marcas que não conversarem com as subjetividades das pessoas, estão fadadas a não serem lembradas, logo a não serem consumidas de forma perene. E, por último, mas junto com esta ideia, está o conceito de nicho, que se transformou no grande pulo do gato das grandes marcas.

Ou seja: permanecerá competitiva e relevante no futuro aqueles empresários que conseguirem atender às especificidades dos mais variados nichos que existem, que por sua vez, se organizam de forma mais firme com a potência de conexão das redes hoje.

E vocês que estão lendo este texto, podem pertencer a dois grupos:

  1. Aquele que oferece, ou pretende oferecer, produtos, serviços e soluções para um nicho específico de consumidor.
  2. Aquele que oferece, ou pretende oferecer, produtos, serviços e soluções para outros empreendedores e empresas, independente do tamanho delas.

Nos dois casos, você também será um empreendedor relevante se dominar as demandas de mercado no seu segmento, que apontam para a importância da pluralidade das equipes ou rede de relacionamento que sustenta as atividades dos seus negócios.

Você também só vai conseguir oferecer produtos e serviços competitivos e que atendam às demandas dos seus consumidores e clientes se você estiver alinhado(a) com o que é a realidade do mercado.

Vou dar um exemplo baseado na minha vivência como empreendedora. A Feira Preta, um de meus negócios, é reconhecida como o maior evento de cultura negra da América Latina. Eu poderia ficar confortável neste reconhecimento e não me atualizar no que diz respeito aos movimentos da formação cultural desta população, sem procurar estar sempre atenta e aprendendo sobre o que faz a população preta ser tão diversa dentro de si mesma.

Afirmo aqui, categoricamente, que a Feira Preta resiste há 18 anos, com altos e baixos, justamente por estar sempre se atualizando no que diz respeito à compreensão da diversidade da população negra e, consequentemente, de sua produção. Diversidade etária, diversidade artística e criativa, diversidade de expressões, de raça, diversidade de corpos, de gênero, sexualidade, tudo. E posso afirmar que não foi uma tarefa fácil porque pessoas diversas, têm pontos de partidas e visões de mundo completamente diferentes das minhas, e liderar essa diversidade é complexo, dá trabalho, me exige uma carga mental, psicológica e até espiritual enorme, mas posso afirmar que vale a pena.

E isso só foi possível, porque eu também fui trazendo para pensar a Feira Preta pessoas diferentes de mim. Pessoas que somam com suas existências diferentes da minha. Isso muda completamente o "fazer empreendedor", desde as coisas mais básicas da ideia de empreendimento até a sua execução, com processos que reflitam e respeitem a diversidade. Eu me desafiei a desapegar das minhas crenças limitantes e até dos meus vieses inconscientes — no processo, fui percebendo que estava mais consciente na minha relação de empatia com pessoas que eram tão diferentes de mim.

E, nessas minhas andanças pelo Brasil com o programa Afrolab, voltado para o suporte ao micro afroempreendedor, tenho observado que empresas lideradas por mulheres, negros e trans, empregam pessoas que são seus espelhos de exclusão. Em uma época de crescente desemprego, os pequenos negócios seguraram a geração de empregos no primeiro mês de 2019. Análise do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), com base nos números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), divulgados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, relativos ao mês de janeiro, mostrou que as micro e pequenas empresas foram as principais responsáveis pela manutenção do nível de emprego no país.

Então, se você atende um grupo específico de pessoas ou um grupo diverso de pessoas, a sua preocupação com a diversidade precisa ser a mesma, entendendo como ela se dá no seu campo de atuação.

E você só faz isso quando trabalha direta ou indiretamente com pessoas plurais. Dito isso, vou deixar aqui algumas perguntas para você refletir:

Caso você tenha funcionários, qual é o perfil deles? Eles são todos brancos? Todos pretos? Todos indígenas? Todos homens? Todas mulheres? Todos jovens? Mais maduros? Existe um equilíbrio de representação entre eles? De quem você compra os insumos, ingredientes, produtos e serviços para sustentar o seu negócio? Quem e como são os seus fornecedores?

Você já parou para refletir sobre tudo isso? Você já parou para considerar o quanto isso pode ser um diferencial nas soluções, produtos e serviços que você desenvolve? Sabe por quê?

Porque as pessoas com as quais você trabalha, a sua rede de trabalho, se elas forem plurais, elas estarão naturalmente e constantemente tirando você dos seus lugares de conforto e, com isso, colaborando para que seu negócio esteja sempre um passo à frente em inovação, inventividade e criatividade.

Não tem erro.