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Adriana Barbosa

Sevirologia: histórias inspiradoras de empreendedores na pandemia

Carlos Humberto Silva é o criador da startup Diáspora Black   - Divulgação
Carlos Humberto Silva é o criador da startup Diáspora Black Imagem: Divulgação

13/10/2020 12h19


Em tempos de pandemia, estamos inseridos nas complexidades que são resultados de questões estruturais impostas pelas desigualdades sociais impostas por histórias antigas associadas ao Brasil-Colônia. A gente tá afogado em notícias com tendências pessimistas, como por exemplo a elevação para mais de 12% de pessoas desempregadas. Nessa pandemia, muitos empreendedores negros e não negros foram afetados. Os pedidos de falência subiram mais de um terço em relação a 2019.

É desesperador, eu sei. Mas aqui nessa coluna, quero te oferecer um respiro e contar histórias que inspiram. Quero chamar a atenção para a "Sevirologia". Pra quem me acompanha mais de pertinho, deve se lembrar, que conto a minha história de vida e da Feira Preta a partir da arte de se virar. Mas não fui eu quem criei essa palavra com significado próprio.

A primeira vez que me deparei com esse termo, foi em uma troca de conversa com o baiano Reinaldo Pamponet, ex-executivo da Microsoft que aliou uma visão de futuro ligado às novas tecnologias à força simbólica do tambor, dando início a Eletrocooperativa, que formou mais de 2 mil jovens no Pelourinho, em Salvador (BA). Ele foi um dos caras que me ajudou a enxergar a potência da Economia Criativa como um caminho para a sociedade em rede e com valores da colaboração e do compartilhamento. Atualmente, esse visionário gere a ItsNoon, uma rede virtual com mais de 7 mil pessoas que buscam espaço para trabalhar e se conectar com a sociedade.

Inspirada nisso, quero trazer aqui quatro casos de pequenos empreendedores que foram afetados pela pandemia, mas que estão dando um jeito de recriar seus negócios. Vamos lá?

Caio Gimenes - Fotógrafo

O primeiro que quero contar é a inovação do Caio, fotógrafo de casamentos e eventos que mora no Tatuapé, zona leste da cidade de São Paulo. Especializado no que se chama "Boutique Weddings": casamentos para menos pessoas, estava fazendo cerca de quatro cerimônias por mês até a pandemia chegar e interromper os eventos. Caio então percebeu um movimento de outros profissionais que já estavam fazendo ensaios online. Ele então entrou em contato com os casais que estavam com casamento marcado e ofereceu o novo serviço. A ideia era registrar o que essas pessoas estavam fazendo no agora, quando estariam, na verdade, celebrando a união. De casa, Caio faz uma videochamada com os noivos, pede para posicionar o celular, a família e dirige a foto. Depois, dá print na tela, trata a foto e coloca na nuvem. Junto com isso, entrega um vídeo que ele vai gravando com o making of de toda essa produção. Deu tão certo que uma pessoa passou a recomendar outra e Caio já chegou a fazer oito ensaios por semana, aumentando seu alcance.

Jaciana Melquíades - Era Uma Vez o Mundo

A segunda história é da carioca Jaciana Melquíades que, ao ficar grávida do Matias, passou por uma transformação pessoal e profissional. Em seu processo de autoconhecimento, começou a questionar padrões de beleza e auto-estima, a refletir sobre que tipo de imagem ela apresentaria ao seu filho, que tipo de referência ela seria.

Durante este processo, começou a trabalhar em um projeto de oficinas pra jovens de periferia, que falavam não só de história, mas também sobre negritude. Foi nesse período que ela mesma fez o enxoval do Matias e criou para ele uma boneca negra de pano. Ela levava as bonecas para as oficinas e as pessoas queriam uma igual. Então ela começou a fazer. E o negócio foi tomando uma proporção tão grande que acabou virando sua principal atividade.

Assim nasceu a "Era Uma Vez o Mundo", que vinha crescendo e ganhando notoriedade. Você sabia que 93% das bonecas no mercado nacional são brancas? Talvez isso explique o sucesso do negócio dela, que tinha uma loja no centro do Rio e outra no Shopping Madureira, além das vendas online. Mas aí, veio a pandemia. Dois alugueis, onze funcionários e nada de vendas. Ela fez as contas e viu que conseguia sustentar o negócio por dois meses. As vendas caíram e bateu o desespero. Foi um momento tão triste que ela resolveu escrever um post, no Twitter, apelando para quem quer que fosse, que a ajudasse. No desabafo online, ela dizia assim: "Comecei a empreender como a grande maioria de mulheres pretas que são empreendedoras no Brasil: por necessidade. E como quase toda empreendedora igual a mim, estou quebrando."

Recebeu uma avalanche positiva e virou o jogo. O post foi compartilhado mais de 6 mil vezes. Uma pessoa que ela não conhecia pegou o texto e espalhou pelo WhatsApp. A mensagem viralizou e foi lida por mais de 600 mil pessoas. O resultado prático? No dia seguinte ao da postagem, vendeu 50 bonecas. Vinte dias depois, já tinha vendido quase 300 bonecas pelas redes.

Hoje, graças à solidariedade das pessoas - e também da compreensão de que seu produto respondia à necessidade de entreter as crianças em casa durante o isolamento social - Jaciana se reergueu e, mesmo depois da emoção do post ter esfriado, conseguiu manter o ritmo de boas vendas, semana a semana.

Carlos Humberto - Diáspora Black

Você sabia que tem 27 mil agências de viagens no Brasil? Pois é. E 2020 definitivamente não tá sendo um bom ano pra elas. Primeiro teve a alta do dólar e, logo depois, a crise do coronavírus, com muitas pessoas cancelando passeios. Em março, 85% das viagens marcadas foram canceladas. Imagina como as agências de viagem, que em geral são pequenas empresas, estão lidando com isso?

Mas, quero trazer a história de uma agência que conseguiu sair dessa onda negativa - por incrível que pareça.

Já pensou você fazer aquela viagem, realizar aquele sonho de anos, de conhecer um lugar diferente e - quando você chega lá - alguém te confunde com funcionário do hotel ou o segurança te barra na piscina? Pois é: isso acontece direto com turistas negros. É o racismo nosso de cada dia. O carioca Carlos Humberto Silva estava cansado de sofrer esse tipo de preconceito e teve uma ideia. Em 2016, criou a Diáspora Black, plataforma de turismo que oferece algo além, mas que deveria ser básico: a garantia de que todo viajante vai ser respeitado.

Além da oferta de hospedagem e roteiros pensados a partir de uma perspectiva da cultura negra, tem também os treinamentos para garantir que todo o ecossistema do turismo oferecesse atendimento de qualidade, que o livrasse - e outros turistas - de viver experiências racistas. A Diáspora Black só cresceu. Pra você ter ideia, no último verão, já estavam com 9 funcionários e operando em 18 países.

Carlos é geógrafo de formação. Manja de geopolítica e estava prestando uma atenção especial no que estava rolando do outro lado do mundo, ainda em janeiro, quando o coronavírus começou a se espalhar pela China. Isso deu tempo a ele de começar a pensar num plano B e a Diáspora Black não foi pega totalmente de surpresa.

Se ninguém mais viaja, o negócio de Carlos não tinha saída. Mas foi aí que ele e a equipe do Diáspora Black entenderam que ou faziam algo ou iam à falência. Mas o que fazer? Eles começaram a testar alguns outros serviços que já tinham dentro do escopo de atuação e um deles começou a dar certo. Hoje, a agência é referência em venda de experiências negras online.

São desde atividades culturais, gastronômicas, de saúde, bem-estar, cursos de formação. Então tem desde a possibilidade de você vivenciar - online, né - uma oficina de yoga kemética, de gastronomia africana, e várias outras. Tem ofertado uma variedade de cursos que vão desde branquitude e racismo, a capoeira. E até oficina de drinques e petiscos, algo que as empresas começaram a comprar, pra descontrair as pessoas que estão trabalhando em casa. O diferencial é que essas experiências online trazem a cultura, a memória, o legado da comunidade negra no mundo. Por exemplo: na oficina de drinques, o especialista não conta só como se faz a caipirinha. Ele explica que, no tempo da escravidão, o limão foi uma das culturas agrícolas que ajudaram economicamente os negros que viviam em quilombos. E o limão, sim o limão, ajudou a fortalecer o movimento abolicionista no Brasil. Interessante, né? E o resultado? Cresceram 25% a mais do que projetaram.

Maria Soares Escorel e Patricia Quintella - Reciclo Bikes

Agora é a vez da Maria Soares Escorel. Ela e a esposa, Patrícia Quintella, resolveram montar uma bicicleta. Usaram o quadro - a estrutura - de outras bikes antigas, dos anos 70. A Maria usava a bicicleta no dia a dia, pra trabalhar, e sempre era parada nas ruas do Recife por pessoas que queriam elogiar e perguntar onde ela tinha comprado aquela bike leve e super estilosa. Os amigos começaram a pedir para elas fazerem a deles e, quando se deram conta, estava ali um super potencial de mercado. Criaram a Reciclo Bikes. Quando começou a ficar difícil garimpar bikes velhas pra reformar, montaram um modelo só delas, a Corra Linda. Um sucesso!

Com a pandemia, alguns estados consideraram as bicicletarias serviços essenciais, como em São Paulo, e puderam funcionar. Mas em Pernambuco, tiveram que dar um tempo.

Em março e abril, sem perspectiva de reabertura do comércio, elas pensaram em vender vouchers de serviços de manutenção, de lavagem de bicicleta, essas coisas. Antecipados com desconto. O voucher só seria utilizado quando voltasse o funcionamento normal. Muitos negócios recorreram aos vouchers como uma forma de fazer caixa. Deu certo e ela vendeu mais de 120 vouchers.

Pra vender os vouchers, Maria reativou o site da Reciclo Bikes, que estava meio abandonado. Lá, expôs as bikes que estava vendendo e começaram a ter uma procura. Inicialmente, ficaram receosas de como fariam as entregas, pois ela não tinha estrutura pra vender online uma coisa tão grande quanto uma bicicleta. Mas a demanda veio elas montaram um esquema: a pessoa escolhia a bicicleta pelo site e marcava um horário com a Patricia pra ir à loja, fazer a entrega e os ajustes. Esse pico de vendas aconteceu em muitas bicicletarias por todo o Brasil, principalmente nas periferias. E também em outras cidades do mundo. As pessoas recorreram à bicicleta para evitar aglomeração e a Reciclo Bikes zerou o estoque!

E aí? O que achou destas histórias?
Você, pequeno e médio empreendedor? Se conectou com elas de alguma forma? Quero te convidar então para ouvir a série de podcast que conto essas e outras histórias de emprendedores que souberam se virar para driblar a crise, nas principais plataformas.