Carta aberta a Marielle Franco, minha irmã e melhor amiga
Mari,
desde março de 2018, eu aprendi na dor que minha tristeza não podia ser maior do que minha luta. Não porque eu queria que fosse assim, mas porque eu não tive opção diante de tudo que nos foi imposto sem você aqui nesse plano. Te confesso que a cada dificuldade que surgia, eu lembrava de algo que já tínhamos passado juntas, e assim eu me fortalecia para seguir em frente.
No dia que perdemos você nesse plano, eu me lembro perfeitamente o horário e o que eu estava fazendo quando, naquele 14 de março de 2018, me ligaram, pedindo para alguém da família ir até o local do crime com urgência.
Mesmo sabendo que aquilo podia ser verdade, eu pedia dentro de mim para que fosse mentira e que eu estivesse apenas tendo um pesadelo.
Olhando profundamente para os meus pais e Luyara, vi que era eu quem tinha de ir. Não tinha outra opção. Eu jamais deixaria meus pais ou minha sobrinha passarem por aquele momento tão terrível. Até hoje eu me pergunto de onde veio aquela força e a rapidez na decisão em um momento tão amedrontador.
Ao chegar lá, a imagem que não sai da minha cabeça até hoje, foi ver sua mão pendurada e eu não poder tocá-la. Eu pensei em todas as vezes que você me levou para a escola, em todas as vezes que você me abraçou antes de eu entrar em quadra para jogar vôlei, e principalmente na vez que você segurou minha mão logo após eu ter minha primeira filha.
Como eu sou grata a tudo que vivemos juntas enquanto você estava aqui.
Hoje eu tenho certeza de que tudo que você fez por mim e comigo, foi definitivamente, me preparando para tudo que hoje tenho que dar conta sem você.
Quem me dera passarmos por isso mais uma vez.
Juntas e fortes, como sempre fomos.
Mas eu tenho entendido, aos poucos, que tenho uma missão por aqui, que é cada vez mais defender sua memória, carregar e multiplicar seu legado. Ainda encontramos muito ódio gratuito e muitas pessoas que não te conheceram, mas que te julgam apenas por ouvir histórias errôneas.
Por isso, eu sonho com o dia no qual as pessoas irão entender que ideologia política não deveria nunca falar mais alto do que valores humanos. Que nenhuma morte ou violência deveria ser comemorada e naturalizada. Que independente de esquerda ou direita, o diálogo deveria sempre prevalecer. E que nenhuma mãe deveria chorar vendo o sangue de seu filho ou filha sendo derramado covardemente.
E mesmo vivendo num mundo com tanto ódio, racismo, falta de valores e fascismo, eu sigo acreditando que preciso cada vez mais fazer com que as pessoas conheçam quem você foi e é, para que entendam os valores de nossa família e a nossa criação. E é isso que tenho feito todos os dias.
Todos os dias, acordo com a missão de fazer com que mais pessoas conheçam e repliquem o projeto de sociedade que você sonhou e fez acontecer. Uma sociedade em que o cuidado com o próximo, o afeto e o diálogo sejam o normal.
Uma sociedade em que consigamos celebrar nossas vidas e as vidas das nossas filhas e filhos, com dignidade e sem medo, referenciando a visão de mundo que você, e tantas que vieram antes, mas que tiveram suas vidas ceifadas, defendiam.
Por aqui, nossos pais seguem com uma tristeza estampada na cara, que só foi um pouco sanada agora com o nascimento de sua segunda sobrinha.
Nossa, foi lindo vê-los sorrir novamente, como eu não via desde março de 2018.
Sua filha já é uma mulher que entende o quanto a mãe foi e é importante. Ela segue estudando e crescendo como pessoa, da maneira que você sempre a ensinou. Cuida dela daí também, irmã!
E eu, mesmo caindo de vez em quando, sinto cada vez mais sua presença ao meu lado, me ajudando a tomar decisões no Instituto que batizamos com o seu nome, criando suas sobrinhas, inspirando outras mulheres a lutar e a seguir resistindo, e ajudando nossos pais a continuarem em frente, mesmo diante de tanta dor e saudade.
Aonde você estiver, feliz aniversário Mari!
Com amor, sua irmã e melhor amiga,
Anielle
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