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Anielle Franco

Precisamos falar de violência virtual

Iniciativa do Instituto Marielle Franco para mapear violência contra mulheres na política - Divulgação
Iniciativa do Instituto Marielle Franco para mapear violência contra mulheres na política Imagem: Divulgação

26/10/2020 04h00

Não é novidade para ninguém o quanto o ambiente virtual pode ser hostil para mulheres negras e outras minorias. Na internet, por alguma razão, as pessoas preconceituosas, racistas, machistas, LGBTfóbicas e misóginas se sentem seguras para falar o que pensam e destilar todo seu ódio, de uma forma que, às vezes, é como se não tivesse alguém do outro lado da tela, e às vezes, como se quem ofende não acreditasse que aquilo pode gerar uma consequência para ele mesmo. Acontece que, sim: isso pode ter consequências para todos os envolvidos — e são muitas as consequências principalmente para aquele que recebe a ofensa.

Como muitos já sabem, desde o assassinato de minha irmã, Marielle, vivenciei intensamente a crueldade das redes sociais, com criação de "fake news", comentários racistas, misóginos e maldosos sobre mim, sobre a Mari e nossa família. Ainda hoje, vivencio isso nas minhas redes sociais e também no espaço semanal que tenho aqui.

Pensando nisso, na última semana escrevi uma carta aos meus leitores falando sobre todos os comentários ofensivos e negativos que já recebi nesta coluna e o quanto, por vezes, senti uma profunda falta de respeito e humanidade daqueles que me liam. Felizmente, a repercussão foi muito positiva, inclusive com alguns desses leitores se desculpando por ofensas já proferidas contra mim, entendendo que o que eu quero acima de tudo é que possamos conviver nos respeitando, entendendo os limites da liberdade de expressão sem a naturalização de ofensas e mentiras.

Considerando esses e outros tipos de violências que se manifestam contra nós, mulheres negras, candidatas ou não, principalmente durante o período eleitoral no Brasil, nesta semana o Instituto Marielle Franco em parceria com as organizações Justiça Global e Terra de Direitos, lançou um mapeamento de casos de violência política contra mulheres negras candidatas no âmbito das eleições 2020. Essa pesquisa tem como objetivo principal o mapeamento e sistematização dos casos que vem ocorrendo ao longo dos últimos meses com candidatas negras de todo o país, e que já vinham chegando até mim. O intuito é conseguirmos visibilizar a pauta da violência política que, ainda hoje não é debatida com a seriedade que queremos e precisamos.

Inicialmente, nosso mapeamento se destina às candidatas mulheres negras comprometidas com a Agenda Marielle Franco. Mas, nosso intuito é que, numa segunda fase de nossa pesquisa, possamos expandir para que mais mulheres negras possam ser ouvidas e para que seja feita uma produção de dados, com evidências que ajudem a subsidiar a construção de políticas voltadas para o combate a esse tipo de violência, que, em casos extremos, pode acabar até mesmo tirando a vida de mulheres, como aconteceu com Marielle em 2018 e com tantas outras de nós.

O lançamento do nosso relatório sobre violência política contra mulheres negras nas eleições 2020 será dia 6 de novembro, enquanto isso, gostaria de falar sobre alguns conteúdos que tenho lido nas últimas semanas e que têm me ajudado a entender melhor o funcionamento desses mecanismos de violência e também formas de me proteger disso, para além do cuidado que tenho comigo mesma cotidianamente. Além disso, as últimas produções e debates disponibilizados por organizações e pessoas que atuam no combate a violência na internet são também um sopro de esperança que a coisa ainda tem jeito.

A primeira dessas produções é o Relatório Violência Política e Eleitoral no Brasil da Justiça Global e Terra de Direitos, que traz um panorama das violações de direitos humanos no Brasil no âmbito das eleições, durante o período de 2016 a 2020. O trabalho nos ajuda tanto a qualificar o que é violência política e os tipos existentes, bem como trazer dados dos casos de violência física e mortes ocorridas nos últimos 4 anos contra pessoas eleitas, candidatas, pré-candidatas etc. Voltando para o debate de violência virtual, a cartilha: "Eleições e Internet: guia para proteção de direitos nas campanhas eleitorais", realizada pela Coalizão Direitos na Rede, a Coding Rights, o #MeRepresenta e a Rede Transfeministas de Cuidados Digitais traz orientações para as candidatas do pleito de 2020, sobre como se proteger, quais os tipos de violações existentes, como lidar com a desinformação e inclusive orientações sobre a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) que entrou em vigor no último mês e já impactou a forma que políticos faziam campanhas (usando indiscriminadamente nossos dados). O material é um verdadeiro presente para as atuais e futuras candidatas em um período de campanha virtual massiva, mas também para todos aqueles que querem se informar mais sobre seus direitos nas redes.

E por último, a iniciativa TretaAqui, uma organização de entidades da sociedade civil brasileira que trabalham com temas de representatividade política de mulheres, pessoas negras, LGBT+, participação cidadã e direitos humanos nos meios digitais. No site, você pode denunciar de forma totalmente anônima qualquer ocorrência de discurso de ódio e desinformação nas eleições. Desde 2018, a iniciativa nos dá um panorama desses tipos de violências nas eleições do nosso país.

Bom, depois de tantas dicas e uma breve reflexão desse grave problema de violência política no ambiente virtual, espero que nestas eleições e daqui para frente possamos, juntos, nos respeitar, nos proteger, conhecer nossos direitos nas redes e fora delas, e lutar juntas por uma sociedade em que esses direitos possam ser respeitados e exercidos por qualquer um e todas nós.