Por uma educação antirracista e libertadora para mães e filhas
Como professora com 19 anos de experiência em salas de aula, sei que o ambiente escolar pode ser tanto um potencializador dos nossos sonhos, desejos e habilidades, quanto um espaço extremamente racista, opressor e assustador, principalmente quando ainda somos crianças. Ver e conhecer o outro, trocar experiências, definir sua personalidade, se descobrir como ser humano, se construir enquanto sujeito de sua própria história. Todas essas são coisas que podem acontecer durante o período escolar e que infelizmente, sofreram um impacto quase irreversível em 2020.
Neste ano, tivemos (nós mães ou responsáveis) e nossas filhas e filhos, um difícil desafio a partir da pandemia do novo coronavírus e da necessidade de se manter o distanciamento social. Escolas foram fechadas, crianças e adolescentes ficaram em casa, pais e mães perderam o emprego, ou puderam (e tentaram) trabalhar de casa. Foi "descoberta" pelo governo federal a imensa desigualdade no acesso a internet entre a população brasileira, com alunos e professores tendo dificuldade em ensinar ou aprender pela falta de recursos adequados.
Segundo o IBGE, apenas 57% da população brasileira possui um computador em casa, além disso, mais de 30% das residências não possuem acesso à internet e a maioria dos estudantes acessam os ambientes virtuais por meio de smartphones, o que também configura um problema, já que os sites e softwares criados para se dar aula, foram pensados para funcionar em computadores.
Os governantes descobriram também a importância do ensino em tempo integral e da alimentação ofertada em ambiente escolar na vida de milhares de mães e responsáveis que vivem no limite para conseguir sustentar suas necessidades e de seus filhos. A fome e a insegurança alimentar voltou a rondar o Brasil, e esse ano, como venho falando aqui nas últimas colunas, essas e outras desigualdades foram escancaradas.
Nós, pessoas periféricas e negras, já conhecíamos essas desigualdades e a importância dos equipamentos públicos, principalmente as escolas para a realidade da sociedade brasileira. Nossas descobertas neste período foram outras. Nos vimos obrigadas a aprender a ser assistentes de professoras dentro de casa, a dividir a atenção entre trabalhos, filhas e família e a ressignificar a importância do professor, esse profissional educador que precisou, do dia para a noite aprender a usar plataformas digitais de aula, aprender a manter a atenção de alunos e ainda ser cobrado em dobro, em casa e no trabalho por qualquer resultado inesperado.
Com o aumento de casos de COVID-19 nas últimas semanas, e a falta de previsão da chegada da vacina no Brasil, ou mesmo de previsão de vacinação em massa em nosso país, além da ausência de planos efetivos para o retorno escolar, a situação que estamos vivendo hoje parece que se estenderá ao longo de 2021.
Nesse cenário, cabe à sociedade como um todo pensar saídas não apenas para o ensino de nossas crianças e adolescentes, mas também para cobrança efetiva das autoridades responsáveis pela gestão desses espaços de ensino. Cabe a nós também, enquanto força coletiva, entender que a educação de crianças e adolescentes são o futuro de nossa sociedade, e o futuro desses jovens e da sociedade em que vivemos é de responsabilidade de todos e todas nós.
Quando tudo isso passar, a esperança será de que nós sejamos capazes de pensar em espaços escolares seguros, não apenas contra a COVID-19, mas também contra opressões, racismo, capacitismo e machismo. A esperança é de que consigamos fazer valer o ditado de que "É preciso uma aldeia para se educar uma criança", porque apenas coletivamente é que conseguiremos recuperar um pouco desse tempo perdido, e pensar novas estruturas para fazer valer uma educação verdadeiramente potente e libertadora.
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