Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Traumas e disputas do imaginário social de pessoas negras
Nas últimas semanas, um dos reality shows de maior audiência do Brasil retratou cenas de vulnerabilidade e descontrole, de intolerância e humilhação, de racismo e xenofobia. Violências comuns a pessoas negras, pessoas jovens, pessoas nordestinas e quaisquer outras que se desviem de uma norma estabelecida por uma sociedade cruel e pouco empática com o diferente. Além do desconforto que todas essas cenas diferentes causaram em nós, telespectadores, esses episódios tiveram um outro ponto em comum: foram protagonizados por pessoas negras.
Em que pese em quase todas as minhas colunas eu falo sobre movimentos de mulheres negras e seus grandes feitos pela sociedade brasileira, bem como suas visões de mundo e luta política por uma sociedade mais justa. Não tenho nenhum problema em reforçar um posicionamento quando uma pessoa, seja ela quem for, age de forma desonesta para humilhar, desrespeitar ou desestabilizar outro.
Como falei nas minhas redes sociais durante a última semana e parafraseando Maíra Azevedo, também conhecida como Tia Má, nem todas as pessoas brancas são nossas inimigas e nem todos os negros são nossos aliados e sem dúvidas isso foi muito bem representado na última semana com todas as cenas que inundaram as redes sociais.
Todos já passamos por um momento difícil onde estávamos confusos e tudo que desejávamos internamente era ter um acolhimento. Todos já fomos excluídos por um erro cometido e tivemos a necessidade de um olhar empático que por vezes não recebemos. Podemos viver isso, até mesmo quando não cometemos nenhum erro, apenas porque a sociedade é cruel e somos diariamente ensinados a reproduzir e nos calar diante de situações de injustiça e covardia.
A perseguição que o ator Lucas Koka Penteado de 24 anos sofreu durante todos esses dias no BBB pela cantora Karol Conká, de 34 anos, e por quase todos os outros participantes do programa que se omitiram diante da situação de humilhação e desrespeito diante de seus olhos evidencia o quanto ainda precisamos avançar no sentido da humanização de pessoas negras e construção de uma luta antirracista pautada nos ideais de interseccionalidade do feminismo negro. Que leve em consideração a subjetividade de pessoas negras, que entendam o sofrimento psíquico ao qual todas e todos nós estamos diariamente expostos, e que atue na defesa de uma causa e um novo modelo de sociedade, e não necessariamente, ou apenas, na defesa de pessoas negras independente de seus posicionamentos.
Entender que comportamentos de Karol Conká, ao humilhar, perseguir e isolar Lucas do restante dos integrantes do reality, e de Nego Di, ao se referir aos corajosos militantes do movimento estudantil como "vagabundos" e até mesmo fazer insinuações mentirosas sobre Marielle, reflete as centenas de anos de construção de um imaginário social brasileiro de pessoas negras, onde essas, quando não agem como o restante ou quando saem um pouco do eixo são imediatamente condenadas por seus atos. Essa é uma sociedade onde o erro das pessoas negras tem uma penalização dobrada ou às vezes triplicada, e onde nós fomos ensinadas sempre a julgar e condenar esses desvios.
Lucas, depois de ouvir Nego Di se referir a Marielle como uma pessoa que "defende bandido", se revoltou. Assim como eu me revoltei ao longo desses quase 3 anos desde seu assassinato a cada cada uma das centenas de vezes que ouvi a mesma mentira. Lucas teve senso de justiça e ressaltou a importância da Mari e de sua atuação na vida de muitas pessoas negras, pobres e faveladas e que assim como ela só desejavam um mundo melhor para viver.
Para a mestre e doutoranda em estudos feministas da UFBA Carla Akotirene Santos, as pessoas que mais nos prejudicaram, são "muloji"— perversos que não aceitaram curar suas feridas. Talvez, seja esse o caso de Karol e tantas outras pessoas que desrespeitam os outros, como se esses fossem irreparáveis. Não sabemos. Ainda assim, reforço neste texto toda minha solidariedade à família de Lucas e deixo um apelo para aqueles que, assim como eu, ou Lucas, já sofreram algum tipo de perseguição pela sua forma de agir e jeito de enxergar o mundo. Vamos construir uma nova forma de primeiro nos enxergarmos, com mais empatia, cuidado e responsabilidade com nossos erros e acertos, para aí pensarmos na mudança estrutural que queremos ver no mundo. A luta por uma sociedade justa, respeitosa e antirracista é diária, e será necessária muita luta para alcançarmos uma verdadeira mudança, entre os nossos e em toda sociedade.
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