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Anielle Franco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nós, mulheres negras, temos direito ao erro?

Margareth Menezes será anunciada como Ministra da Cultura do Governo Lula                              - JOSÉ DE HOLANDA/DIVULGAÇÃO
Margareth Menezes será anunciada como Ministra da Cultura do Governo Lula Imagem: JOSÉ DE HOLANDA/DIVULGAÇÃO

Colunista do UOL

19/12/2022 06h00

Enquanto mulheres negras, somos muitas vezes taxadas de incompetentes. Já pararam pra pensar nisso?

Desde o anúncio de Margareth Menezes como futura Ministra da Cultura, tenho acompanhado os ataques direcionados a ela por parte da imprensa. Margareth foi a única mulher anunciada no primeiro escalão do futuro governo Lula, junto com ela, outros homens foram anunciados.

Nos dias que seguiram, foram diversas reportagens falando de Margareth Menezes, narrando situações absolutamente comuns e triviais da política, como negociações por secretarias, como um motivo de preocupação para a futura gestão do Ministério.

Não vi esse mesmo tratamento aos homens que foram os primeiros nomeados para ocupar o novo governo em 2023.

Quanto a isso, tenho apenas um apelo a fazer: deixem Margareth trabalhar. Respeitem sua história e a história de pessoas que chegam a lugares que vocês não conseguiram chegar. Não julguem nossa capacidade pela cor de nossa pele, afinal, quem historicamente tem se mostrado incompetentes para cuidar do nosso país, são os homens brancos.

Por outro lado, nós, mulheres negras, seguimos como a ponta de lança das mudanças e melhorias do Brasil, respondendo às mais profundas crises - políticas, econômicas e até sanitárias - que homens brancos acabam por nos carregar.

No artigo "Mulheres negras e poder: um ensaio sobre a ausência" publicado na revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, em 2009, Sueli Carneiro narrou a experiência das mulheres negras em espaços da política institucional e o tratamento que era dado às mesmas.

Sueli conta diversos casos de mulheres negras que estiveram em espaços de poder e discute o tratamento dado a ela, antes e após o caso. Sobre a conformação de quadros majoritariamente brancos, Sueli diz:

"A excelência e a competência passam a ser percebidas como atributos naturais do grupo racialmente dominante, o que naturaliza sua hegemonia em postos de mando e poder. Nunca ouvimos alguém se levantar, além da minoria de mulheres feministas ou militantes negros, quando o secretariado é composto em sua totalidade por homens brancos".

Até quando seguiremos naturalizando a violência que mulheres negras sofrem, e naturalizando ainda mais a diferença de tratamento dada a homens brancos e mulheres negras em espaços de poder?

Até quando nós, mulheres negras, seguiremos tendo que mostrar e provar nossa capacidade intelectual a cada vez que conseguimos algo apenas porque as pessoas que pensam contrárias a nós não gostam do que alcançamos ou não nos querem ali?

Lembro que uma vez fui fazer uma palestra na Califórnia e uma mulher me parou quando eu estava subindo para ocupar a mesa da palestra dizendo que duvidava que eu falasse inglês.

Na mesma hora eu disse que não só eu falava como ia continuar subindo para fazer minha fala naquela faculdade. Subiram outras pessoas, mas porque somente eu fui parada? Nós sabemos. Eu sei e você quem me lê também sabe.

Não dá para fecharmos os olhos para tantos episódios racistas que insistem em acontecer em nosso país. Não dá para fingirmos que isso não acontece. Porque isso não acontece com homens e mulheres brancas? Não adianta antes de responder pensar que isso é "mimimi" por que mais uma vez será apenas um pensamento racista e sem empatia.

Eu acredito em mulheres negras, na capacidade e preparo para essas mulheres governarem nosso país. Eu sei o que podemos e temos condições de fazer. Eu sei o quanto nos viramos em mil para darmos conta de termos tudo que almejamos. Somos muito maiores do que vocês que perdem tempo inventando fake news e nos contestando. Enquanto vocês fazem isso, nós estamos chegando a ministérios, vice-presidências e cargos de chefia.

Aceitem. Seu racismo não irá nos paralisar!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL