Nobel pra quê? A arte e a literatura brasileiras não precisam de um Messias
Houve quem apostasse suas fichas em Lygia Fagundes Telles, Raduan Nassar e Alberto Mussa, mas não deu para os brasileirinhos. O caneco do Prêmio Nobel da Literatura ficou com a poeta americana Louise Glück. Pelas redes sociais, alguns acusaram a escritora, que já havia vencido o Pulitzer e o National Book Award, de ser obscura ou desconhecida porque seus livros não foram traduzidos no Brasil. A má notícia é que ser traduzido no Brasil não é um referência para deixar de ser obscuro no mundo ocidental. Proporcionalmente, há pouca poesia contemporânea traduzida para o português e digamos que uma Lygia Fagundes Telles seria considerada muito mais azarona no prêmio sueco que Louise Glück, é só dar uma olhada nas apostas internacionais de quem seria o vencedor.
A verdade, meu Policarpo Quaresma, é que excluindo Jorge Amado, Paulo Coelho e, talvez, Machado de Assis todos nossos "medalhões" são underground fora da América Latina e do mundo lusófono.
Mas a pergunta certa a se fazer nesse caso não é "por que o Brasil nunca ganha um Nobel". Assim como não há muito sentido em seguir pensando "por que não ganhamos um Oscar?" ou, pior, "por que não temos um Spike Lee Brasileiro"? Deve haver, inclusive, algum ufanista, neste exato momento, torturando-se com a filosófica questão de "Por que Anitta não é maior do que Beyoncé"?
As questões a serem feitas são por que nos importamos tanto com esses prêmios extremamente focados no hemisfério norte e, como levantou o crítico Rodrigo Casarin, será que nossa literatura merece vencer o Nobel?
A primeira questão vai levantar uma série de debates sobre descolonização e nossa visão míope de que somos tão ocidentais quanto os suecos. Não vamos entrar nesse debate agora.
Voltemos ao "merecemos ganhar um Nobel"? Somos um país que lê pouco (dois livros por ano, na média, sendo um deles a Bíblia), não só porque "os livros aqui são caros". Nossa elite, a parte rica de nossa sociedade, lê pouquíssimo. Nosso governo despreza os livros e sua proposta para eles é taxá-los e torná-los ainda mais caros. Nossos escritores são pouco lidos. Acredito que foi o editor Eduardo Lacerda, da Patuá, que disse que temos mais escritores no Brasil do que leitores.
Todo mundo quer "plantar uma árvore, ler um livro e ter um filho", mas poucos têm saco de sentar a bunda na cadeira e encarar a obra de outros autores. Nesse país de mais de 200 milhões de pessoas, nossos escritores de ficção têm seus livros publicado em tiragens de 3000 exemplares (ou menos, as editores independentes publicam tiragens de 100 exemplares, muitas vezes) e não são conhecidos pelo público. Não há um caminho de dinheiro e fama para quem se arrisca nas letras, como me contou a escritora Maya Falks em entrevista anterior.
Rodrigo Casarin escreve que o fato de merecermos o Nobel "é algo que extrapola a premissa do prêmio em questão - que, recordo, teoricamente congratula o trabalho do indivíduo, não o que está ao seu redor -, mas me parece que somos um país mais preocupado em ter por ter um Nobel do que em conquistá-lo, do que em merecê-lo".
Como disse, anos atrás, meu amigo-músico Diego Bravo, da Bedibê, "a literatura brasileira, provavelmente, é menos conhecida do que deveria e menos relevante do que a gente gostaria".
A espera de um salvador
Eu pego um gancho na coluna do Casarin para ampliar seus questionamentos: por que seguimos à espera de um salvador, de um Dom Sebastião, de um Messias (coff coff) que vai levar nossa literatura, nosso cinema ou nossa política à redenção? A nossa literatura não vai ser grande no dia que Raduan Nassar ganhar um Prêmio Nobel, mas Raduan Nassar vai ganhar um Nobel quando nossa literatura for grande. Idem com nosso cinema e um possível Oscar.
Não existe saída milagrosa ou atalho rápido na vida. A literatura brasileira precisa ser pensada e fortalecida de maneira coletiva em todas as esferas.
Estou na Alemanha há dois anos e fico maravilhado com a quantidade de bolsas que existem aqui para escritores viverem por um ano trabalhando em seus romances. Em Berlim, por exemplo, são dadas dez bolsas por ano para escritores estrangeiros que vivem na cidade e NÃO escrevem em alemão. É óbvio, mas é bom lembrar, que o escritor não é um ser sobrenatural que se alimenta de luz e arte. Ele precisa comer, antes de tudo. Precisa de um teto todo seu como escreveu Virginia Woolf.
Ano passado, participei da Feira de Frankfurt, a maior feira literária do mundo, com meu amigo-escritor Alexandre Ribeiro. Lá encontrei Djamila Ribeiro, Luiz Ruffato e Waleska Barbosa. Eram pouquíssimos brasileiros nos programas oficiais ou paralelos da Feira. Conversando com agentes literários, editores, escritores todos concordavam que comparado a outros países latino-americanos ou em desenvolvimento o Brasil investia pouco na promoção de sua literatura. E nossas editoras tinham uma mentalidade muito mais de consumidoras do que de exportadoras. Isso quer dizer que elas iam até Frankfurt para "comprar o próximo Harry Potter" e não para vender "o próximo Paulo Coelho".
Lembro que divulguei nossa participação em uma mesa organizada pela Abá e a Rohkomm TV para os maiores jornais brasileiros, mas nenhum deu bola, No entanto fomos entrevistados, com destaque, por veículos italianos, franceses e alemães.
Este ano a Adriana Maximino Dos Santos, da Abá, me pediu indicações de escritoras para uma mesa. Indiquei a talentosíssima Cristina Judar (vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura e que organizou comigo a antologia Pandemônio) e a polivalente Julie Dorrico (autora de "Eu sou macuxi" e pesquisadora da literatura indígena).
Ambas, fogem do clichê do escritor branco, rico, heterossexual do Rio de Janeiro que costuma representar o Brasil nesses eventos. Será que Cristina e Dorrico estarão em nossas bolsas de apostas para o Nobel daqui dez anos? Será que seus olhares "marginais" (no sentido original) não são mais diferenciais em um cenário internacional do que o pastiche de repetir o que os europeus e americanos já têm feito em um eterno retorno do ego caucasiano?
Fiquei feliz de ver, também, na programação da Feira de Frankfurt os nomes dos escritores afro-brasileiros Paulo Scott e Jarid Arraes, autores dos excelentes "Marrom e Amarelo" e "Redemoinho em dia quente". Mais feliz ainda de ver a participação desses brasileiros em destaque no jornal Estadão deste ano (ao contrário do que aconteceu no ano passado). Mas fica a pergunta: você que se lamentou do Brasil não ter ganho o Nobel este ano, leu algum livro de Julie Dorrico, Paulo Scott, Cristina Judar ou Jarid Arraes?
A literatura brasileira não vai tornar-se relevante quando um autor isolado, como o excelente Itamar Vieira Junior, tornar-se nosso Saramago. Portugal é Saramago, mas é também Valter Hugo Mãe, Grada Kilomba e Lobo Antunes para não ir muito longe no passado.
Nós precisamos tornar nossa literatura atraente para nosso jovens, fazer o brasileiro se identificar com o que se escreve aqui, falar de nossos livros na televisão, nos canais de Youtube e nos jornais, enviar escritores em massa para as feiras internacionais, ler os escritores brasileiros vivos, tornar possível viver de literatura no Brasil e traduzir (bem traduzido) nossos escritores. Não precisamos de mais um Ayrton Senna, de um Sepultura, de um? Romero Britto (risos), uma estrela solitária que queima distante de qualquer constelação no cenário internacional. O futebol brasileiro, nosso principal artigo de exportação, é genial porque teve centenas de Jairiznhos, Tostões e Garrinchas ao lado de um Pelé. Para ganharmos essas "Copas do Mundo", se quisermos mesmo ganhá-las, teremos que pensar mais nas categorias de base.
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