Fofa demais para comermos? Mortes por ingestão de tartaruga geram reflexão
Na semana passada, oito crianças e uma mulher morreram após comer carne de tartaruga marinha na ilha de Pemba, em Zanzibar, no leste da África. Outras 78 pessoas também foram hospitalizadas, todas haviam ingerido carne de tartaruga.
O motivo? Um tipo de intoxicação alimentar, o quelonitoxismo, causado pela carne do animal e que possui uma taxa de mortalidade bem alta. Não se sabe o motivo exato de a carne tornar-se perigosa para humanos, mas acredita-se que a toxicidade seja causada por cianobactérias que podem conviver tranquilamente com as tartarugas, de modo que elas não apresentam nenhum sintoma de estarem doentes ou debilitadas.
Após a notícia viralizar, pipocaram comentários nas redes sociais do tipo "bem feito" e "acho pouco". A reação era esperada, tratando-se de um animal marinho que sensibiliza e comove muitas pessoas. Na conservação marinha, existem até jargões para isso: animais com "alto índice de fofulência", que compõem a "fofofauna": são baleias, golfinhos, tartarugas marinhas, focas ou qualquer animal capaz de causar o efeito "awwwwn".
O que chama atenção no caso é o esquecimento (ou talvez desconhecimento total) de que até poucas décadas atrás, a carne de tartaruga marinha era um prato comum em muitas praias brasileiras, com ovos de tartaruga chegando a ser servidos como aperitivo em bares praieiros.
Foram necessárias décadas de trabalho por conservacionistas para mudar esse cenário. O Projeto Tamar consolidou-se como a iniciativa mais conhecida, mas o esforço remonta desde a década de 60, com a criação do IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, uma "primeira versão" do Ibama) e a entrada de duas espécies de tartarugas para a lista de espécies ameaçadas.
Por mais que no Brasil o hábito tenha ficado em grande parte no passado, lembro-me de quando percorri uma praia em Itacaré (BA) em 2017 e, próximo a uma comunidade vulnerável, encontrei tripas e um casco de uma tartaruga em meio às pedras, ficando, de início, sem entender o que poderia ter acontecido.
A verdade é que hoje, para a maioria das pessoas, as tartarugas valem muito mais vivas do que mortas, gerando selfies, trabalho e renda por meio do turismo - e por isso saíram do cardápio. Mas não é assim em todo lugar, e em outros cantos do mundo, a carne pode ser até um 'subproduto' do casco comercializado como decoração. Afinal, nem toda carne de tartaruga é tóxica, ainda que seja difícil precisar quanto, por se tratar de uma atividade não regulamentada.
No fim, temos uma enorme facilidade em apontar o dedo para os outros sem olhar nosso próprio prato, porque nos confrontamos com o paradoxo de sensibilização por alguns animais e normalização do sofrimento de outros. Quem faz parte da "fofofauna" para você?
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