Mineração marinha: nosso futuro está embaixo dos oceanos?
Nem só de água e sal é feito o mar. Dissolvidos nas águas oceânicas, temos desde as drogas mais perigosas até os metais mais raros - que recentemente entraram na mira das nações mais poderosas do mundo.
Ao longo de séculos, nas profundezas do oceano - lembrando que a profundidade média dos mares é 3,7 km - compostos metálicos dissolvidos na água do mar precipitaram e formaram pequenas bolinhas, chamadas nódulos polimetálicos. Esses aglomerados são compostos por manganês, níquel, cobalto, cobre, entre outros metais que hoje possuem alto valor econômico.
Chegar até esse tesouro escondido no fundo do mar não é nada fácil e envolve uma grande discussão em nível mundial. Afinal, quem é o dono do fundo do mar?
Na década de 80, quando se começou a entender que o oceano estava cheio de riquezas, buscou-se evitar um vale-tudo e foi criada a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, sendo que a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (International Seabed Authority) ficou responsável pelo controle da mineração em oceano profundo.
Muitos anos se passaram sem que nada fosse falado sobre mineração em oceano profundo. Afinal, a terra estava cheia de minérios a serem extraídos e o custo de qualquer operação em água salgada seria muito superior. Mas nossa demanda insaciável por recursos naturais fez o cenário começar a mudar.
Hoje, estima-se que a necessidade mundial de muitos dos metais encontrados em oceano profundo irá dobrar, se comparada aos níveis atuais. A procura de cobre, por exemplo, deverá duplicar, de 25 milhões de toneladas em 2020 para 50 milhões em 2050. Grande parte desses minérios é utilizada em baterias de veículos elétricos, painéis solares e turbinas eólicas. Em outras palavras, estes seriam os ingredientes necessários para a tão falada transição energética, capaz de frear as emissões de carbono e o aquecimento global - ou é o que dizem os defensores da mineração em mar profundo.
Estudos no mar profundo sempre foram poucos e difíceis, mas a ciência que temos mostra de forma clara que a mineração em águas profundas levará a uma perda irreversível e de longo prazo da biodiversidade - muitas vezes, de formas de vida que nem conhecemos ainda. As plumas de sedimentos levantadas ao se revolver o solo multiplicarão os danos muito além do local de mineração, ultrapassando fronteiras e ameaçando também ecossistemas críticos e a rica biodiversidade da coluna de água mais acima.
Na ciência, o princípio da precaução é a regra frente a qualquer tomada de decisão que possa gerar uma nova ameaça. E imagina se não fosse assim, por exemplo, para cientistas que lidam com doenças transmissíveis? Mas, para além de animais desconhecidos, a mineração em águas profundas afeta diretamente o maior sumidouro de carbono do mundo.
É o oceano que absorve 90% do calor "extra" do planeta. Na água do mar, o carbono se dissolve e é enterrado em sedimentos ou capturado em rochas carbonáticas, sendo uma das formas mais eficientes de imobilizá-lo, tanto que hoje existem iniciativas discutindo como promover o "afundamento" de carbono para o oceano profundo. Estabelecer operações de mineração que mexem diretamente nesse solo é uma contradição tão profunda quanto o próprio oceano.
Apesar de tudo isso, nos últimos anos, as negociações internacionais têm sido intensas, contrapondo ambientalistas e empresas privadas. A crescente onda de oposição à mineração em alto mar conta com 23 países que pedem uma moratória, pausa preventiva ou proibição à mineração em alto mar - entre eles, Brasil, Reino Unido, Suécia, Irlanda, Chile, Canadá, França e Espanha.
Até algumas empresas como BMW, Volvo e Samsung se comprometeram a não usar minerais provenientes do mar profundo. Do outro lado, Noruega, China, Índia, Rússia e Japão, além de inúmeras companhias privadas, continuam defendendo a atividade.
Apesar dos esforços, a Noruega foi pioneira em aprovar a atividade no começo do ano - no caso, em "mares" dentro do domínio nacional, nas proximidades do Ártico. O primeiro passo do plano norueguês é minerar uma seção de 281 mil quilômetros quadrados - uma área quase do tamanho da Itália. Em resposta, o Parlamento Europeu emitiu um documento expressando seu descontentamento com a decisão, ainda que sem qualquer poder legal de frear a Noruega.
Enquanto isso, do sul global, vemos mais uma nação poderosa seguir uma agenda própria sem medir consequências. Estaria nosso futuro embaixo do mar ou indo por água abaixo?
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