Beatriz Mattiuzzo

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Opinião

Tubarão no RJ mostra como a ignorância leva ao medo desnecessário

Você já nadou com um tubarão?

Nos meus 15 anos como mergulhadora, essa é sem dúvidas a pergunta que eu mais recebi. Apesar de já ter nadado lado a lado com tubarões em diversas outras oportunidades, eu nunca havia visto em Ilha Grande, a ilha onde moro no litoral do Rio de Janeiro - até esta sexta-feira (7).

Quando uma fêmea de tubarão galha-preta grávida foi avistada pelos locais nos últimos dias, o meu sonho de encontrar um tubarão por aqui logo se mostrou o pesadelo de muita gente. A gente sabia que eles estavam ali: não só pelo mar ser a morada dos tubarões, mas porque no ano passado pesquisadores mostraram uma agregação de mais de 100 tubarões na nossa região.

Tubarão gralha-preta
Tubarão gralha-preta Imagem: Jan Derk/Creative Commons

Mas 'saber' é muito diferente de ver com os próprios olhos, como logo ficou provado. A notícia de que havia um tubarão na região logo se espalhou nos grupos de whatsapp e alguns moradores começaram a se movimentar para sair 'à caça' e acabar com a ameaça.

Neste Dia do Oceano, 8 de junho, enquanto ambientalistas e pesquisadores comemoram a aparição do animal, fica claro o quanto o medo ainda é o sentimento predominante na maioria das pessoas.

Na briga entre quem mata quem, a balança é bem desproporcional: o Brasil é um dos países que mais mata tubarões no mundo, e que inclusive compra carne de tubarão de outras nações.

Tubarões estão presentes nos pratos de muitos brasileiros (às vezes até na merenda escolar) mas a maioria das pessoas não sabe, porque a carne é vendida com o nome de cação. Mas não há diferença alguma entre cação e tubarão - é apenas um nome dado para tornar o animal mais fácil de engolir, literalmente.

Do ponto de vista nutricional, a carne de tubarão não é nada indicada, frequentemente apresentando altos índices de metais pesados como arsênio e mercúrio, ambos altamente prejudiciais à saúde humana e ligados ao câncer e a sérias consequências neurológicas. Na verdade, seu consumo está ligado principalmente a um baixo valor no mercado internacional, somado à exploração da nossa ignorância, em que uma técnica de marketing tão simples como uma mudança de nome funcionou tão bem.

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No fim, nossa briga com tubarões têm pouco a ver com alimentação e muito mais com o desconhecido do oceano que sempre mexeu com nosso imaginário. Os monstros das grandes navegações foram substituídos por centenas de filmes de tubarões, ainda que na prática águas-vivas sejam mais mortais que os vilões hollywoodianos.

Uma das evidências disso é que não só a maioria das pessoas come tubarão sem saber disso (e se sentem incomodadas quando descobrem), mas que ao menor sinal de um tubarão, começam a aparecer "heróis" propondo matá-los. Não para comer, mas simplesmente para se livrar do monstro. Nada de novo: a violência segue sendo uma das principais soluções sempre que não sabemos lidar com o medo.

Mas são também seres humanos que têm ajudado a garantir a sobrevivência dos tubarões, tão importantes para o ecossistema marinho. A fêmea de tubarão galha-preta que apareceu por aqui foi marcada e está sendo monitorada por um grupo de pesquisa, enquanto um tubarão-azul que apareceu em Ilhabela também essa semana foi protegido por um Instituto local.

Neste Dia do Oceano, fica o convite para olhar além do medo e enxergar nos tubarões não como monstros, mas criaturas fascinantes e essenciais para a vida marinha. Já passou da hora de transformar nosso medo em respeito, e nossa ignorância em consciência.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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